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“Era dos ditadores será breve”, afirma especialista em resistência política não violenta

Deutsche Welle: À medida que as revoltas populares no Oriente Médio progridem, o senhor se surpreende? Ou sempre acreditou que, afinal, fosse apenas uma questão de tempo até os habitantes do mundo árabe se erguerem contra seus opressores?

Gene Sharp: Ambos. Na Tunísia, eu não esperava que isso acontecesse. Sei um pouco sobre o Egito e já tinha alguns contatos com o mundo árabe. Alguns anos atrás, fui participante ativo de uma conferência sobre luta política não violenta, em Aman, Jordânia. Mas não esperava por isso. Certamente tinha confiança de que as pessoas acabariam por se libertar. E elas souberam certamente fazê-lo de modo hábil – no Egito, tiveram tamanha disciplina, foi admirável.

O senhor tem 83 anos agora e devotou sua vida ao estudo e incentivo à resistência não violenta contra a ditadura e a opressão. Acredita que todas as formas de governo que não sejam, de algum modo, baseadas na democracia, estão fadadas a cair, em algum momento?

Isso é genérico demais para mim. Acho que sempre haverá gente querendo forçar os outros e querendo explorá-los, pelo motivo que seja – pessoal, político, ideológico ou econômico. As pessoas vão sempre tentar fazer esse tipo de coisa e não consigo imaginar uma Organização das Nações Unidas composta apenas por gente e países livres. Por isso, é necessário vigilância, e que as pessoas aprendam, não qual deve ser a sua meta, mas sim como chegar lá. E isto requer um conhecimento amplo da política e da oposição não violenta.

Uma característica espantosa das atuais revoltas no Oriente Médio tem sido o fato de seus participantes não recorrerem à violência e se manterem pacíficos, mesmo diante da violência por parte das forças de segurança. Qual a importância desse êxito para os manifestantes?

É uma conquista tremenda. Sobretudo no Egito, onde os protestos chegaram a envolver 1 milhão de pessoas: com raras exceções, elas mantiveram a disciplina não violenta. Quando parecia que a situação estava saindo do controle e poderia descambar para a violência, as pessoas diziam "paz, paz". É uma conquista tremenda. Não sei de nenhum outro momento igual na história mundial. Mas isso prova que é possível evitar a violência, e foi umas das principais razões para o sucesso dos protestos.

Em poucas semanas, aconteceu aquilo que parecia impensável, alguns meses antes: caíram os regimes na Tunísia e no Egito, os líderes autocráticos em muitos outros Estados árabes estão à beira do colapso. Há regimes na região que o senhor diria estarem seguros, ou é possível que até mesmo governos linha dura, como os do Irã, Síria e Arábia Saudita venham a cair?

Acho que os regimes linha dura não se dissolverão facilmente. Talvez consigam se manter por algum tempo. Mas o resultado não depende apenas da natureza desses regimes – que geralmente não é muito agradável – e sim da percepção e da habilidade das populações. Pois o poder popular é mais do que gente indo às ruas: essa é uma concepção bem romântica do que deve ser feito, e não a forma de obter o maior impacto de poder.

Mas considero que o princípio básico continua valendo: que até as ditaduras são vulneráveis à oposição não violenta das massas. E não são precisos séculos: elas podem cair numa questão de meses, semanas ou dias. É um reposicionamento da balança, comparável a algumas das revoluções pré-bolcheviques de 1905 e 1917, na Rússia. Mas a coisa está acontecendo numa escala geográfica e temporal mais limitada, e isso é novo. Em outras palavras, o gênio saiu da garrafa: as pessoas são capazes de alcançar a própria liberdade em circunstâncias difíceis, e depois não há como colocar o segredo de volta na garrafa. Elas sempre saberão do que aconteceu antes, e serão capazes de repeti-lo.

O senhor é um grande paladino do poder popular e acredita que só o povo de cada país pode e deve agir para se libertar de seus regimes. Mas à medida que a situação se deteriora na Líbia e as pessoas são massacradas, a Europa e os Estados Unidos têm o direito de simplesmente ficar olhando e não fazer nada?

Perdão, mas acho que a Europa e os EUA devem ficar de fora. Possivelmente eles não vão entender o que está acontecendo lá. E as declarações de Washington demonstram que ninguém no governo compreende de que tipo de luta se trata. E não importa o que digam, o que quer que decidam fazer: será no próprio interesse europeu ou norte-americano, e não no interesse da população da Tunísia ou da Líbia.

Eles podem tornar as coisas piores, pois o povo sofreu antes sob ditaduras extremas, resistiu e, por vezes, venceu. Dessa forma, ele poderá sair vitorioso. E assim estará dada a lição de que, não importa quão cruel, brutal e inescrupuloso você seja, não tem como ganhar contra essa forma de oposição.

Há muito tempo o senhor tem sido uma fonte de inspiração para os ativistas da democracia na Sérvia, Ucrânia, Egito, entre outros. Mas também é alvo de regimes como o iraniano, que o apresentaram num vídeo de propaganda como inimigo público. Apesar disso, o senhor e seu pequeno instituto não eram conhecidos por um público mais extenso. Mas agora o denominam "o homem que mudou o mundo" ou "o Clausewitz da resistência não violenta". Como lida com toda essa repentina atenção pública?

Com dificuldade. O crédito Clausewitz [Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz (1780-1830), estrategista militar e teórico da guerra] se deve à minha principal publicação, The politics of nonviolent action, de 1973. Dentro dessa nova atenção, procuramos responder a todas as questões e atender a todos os pedidos de entrevista, mas é difícil, pois são tantos.

Mas sempre enfatizo que não fiz nada. Tudo o que fiz foi oferecer meus estudos e análises, que apontavam as fraquezas de todos os regimes e o fato de que também têm fontes de poder. Os sérvios, na luta contra [Slobodan] Miloševi?, estudaram as fontes de poder em que o regime se baseava, e as atacaram com oposição não violenta. Este é o segredo. Quem merece o crédito são as pessoas que levaram a cabo essa luta na Tunísia, no Egito e onde quer que seja.

O senhor não cresceu nem viveu num regime opressivo. Então, qual foi sua motivação pessoal para devotar a vida ao estudo da luta não violenta?

Eu tinha consciência do regime nazista e do que ocorreu no Holocausto. Sabia que houve o stalinismo na União Soviética, que havia muitos problemas no mundo, como o colonialismo europeu, numerosas ditaduras e, nos EUA, a segregação e a discriminação racial; e sabia da importância das liberdades civis e dos movimentos trabalhistas.

E fui guiado por certos livros, a maioria da década de 1930, sobre luta não violenta, bastante elementares, nos termos da situação atual. Um deles, acho, citava 12 casos de oposição não violenta na história do mundo. E achei incrível que isso pudesse ter acontecido. Agora sabemos que houve centenas de milhares desses casos. E aprendi mais e mais.

Depois, quando estava estudando na Noruega, conheci gente que participava da resistência e outros do movimento holandês. Li estudos sobre a resistência alemã durante o nazismo, entre eles, o Protesto da Rosenstrasse [em Berlim, março de 1943]. O economista norte-americano Kenneth Boulding dizia: "O que é, é possível" – o que aconteceu uma vez pode acontecer de novo.

Assim, podemos aprender como a coisa funciona – o que faz que dê certo, o que a faz fracassar – e você pode desenvolver estratégias e aumentar suas chances de sucesso. As pessoas podem se mobilizar, assumir o comando e manter a disciplina. Todos os testemunhos, em diversos lugares – até alguns recentes, na Líbia, e certamente se aplica ao Egito – diziam: "perdemos o medo, não temos mais medo" e "vocês não podem mais nos controlar nos ameaçando ou fazendo isto ou aquilo".

E eles também aprenderam a manter a resistência não violenta porque o seu inimigo, a sua ditadura, é capaz de lutar pela sobrevivência – nisso, elas são boas. Então, se escolher lutar com violência contra essa opressão, você não terá sucesso, pois está lutando com as melhores armas do seu inimigo. Não violência é o segredo; a era dos ditadores será breve.

Gene Sharp, de 83 anos, é professor emérito de Ciência Política pela Universidade de Massachusetts-Dartmouth e indicado para o Prêmio Nobel da Paz. Em 1983, fundou a Albert Einstein Institution, uma organização que promove a ação não violenta em conflitos. Sharp publicou diversos livros sobre esse conceito, e The politics of nonviolent action (A política da ação não violenta) é considerado o guia básico dessa forma de resistência.

Entrevista: Michael Knigge (av)
Revisão: Marcio Damasceno

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