Relatos recentes dão conta que jatos israelenses realizaram aparentes ataques dentro do território sírio, atingindo um centro de pesquisas ou um comboio de armas destinado a militantes do Hezbollah, no vizinho Líbano, ou ambos.
Saiba mais sobre o episódio:
O que aconteceu?
Informações sobre um possível ataque aéreo israelense vieram à tona primeiramente no vizinho Líbano. Em um comunicado, o Exército libanês disse que 12 aviões israelenses haviam entrado no espaço aéreo do Líbano em três etapas, entre as 16h30 (horário local) de terça-feira e as 7h55 de quarta-feira. O comunicado não mencionou nenhum ataque.
Horas depois, porém, o comando geral do Exército da Síria emitiu seu próprio comunicado, no qual afirmava que jatos israelenses voando baixo entraram no território sírio sobre as colinas de Golã e bombardearam um centro de pesquisas militares na região de Jamraya, a noroeste da capital, Damasco.
O Exército sírio disse que o suposto ataque danificou um prédio próximo, matando dois trabalhadores e ferindo outros cinco. Disse também que o ataque aconteceu "depois de várias tentativas fracassadas de grupos terroristas de tomar o controle do local nos últimos meses".
Alguns relatos sugerem que as instalações poderiam ser o Centro de Pesquisas e Estudos Científicos da Síria, tido como a organização estatal responsável pelo desenvolvimento de armas químicas e biológicas.
Israel não confirma a realização de ataques militares preventivos. E fontes externas sugeriram que os jatos israelenses explodiram um comboio de caminhões do Exército na fronteira com o Líbano ou alguns metros dentro do território libanês.
Um funcionário do governo americano confirmou à BBC que os israelenses atacaram um comboio que levava sistemas de defesa antiaéreos SA-17, de fabricação russa. O Exército sírio negou a existência de qualquer comboio rumo ao Líbano e afirmou que o centro de pesquisas era responsável por "elevar o nível de resistência e autodefesa".
Portanto, neste estágio ainda não está claro qual dos dois locais foi atacado. Talvez ambos tenham sido.
Por que Israel atacaria?
À medida que o levante contra o presidente sírio, Bashar Al-Assad, chega a seu terceiro ano, há preocupação de que se instale um cenário de caos no país, resultante da perda de controle – ou da deliberada disseminação – de armas de destruição em massa, como as armas químicas que acredita-se que Damasco possua. Há relatos de que o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, ameaçou agir em caso de perda de controle por parte de Assad.
Acredita-se que a inteligência militar israelense esteja monitorando a área via satélite para identificar qualquer movimentação de armas fora das fronteiras da Síria. Israel teme que a situação na Síria desestabilize toda a região e tem especial preocupação quanto ao apoio de Damasco aos militantes do Hezbollah, no Líbano.
Autoridades israelenses acreditam que o arsenal do Hezbollah foi modernizado a ponto de incluir milhares de foguetes e mísseis capazes de atacar praticamente qualquer ponto dentro de Israel. O ex-agente de inteligência israelense Amnon Sofrin diz que é sabido que o Hezbollah tem armazenado algumas de suas armas mais avançadas na Síria e vai tentar transportar tudo o que puder para o Líbano.
"Assim que essas armas chegam ao Líbano, elas são colocadas em arsenais secretos subterrâneos. Será como procurar uma agulha em um palheiro", disse o analista de defesa israelense Alex Fishman ao jornal Yedioth Ahronoth. "Se armas químicas forem levadas para o Líbano, Israel provavelmente não vai hesitar (em atacar)", diz Fishman.
O ministro de Segurança Interna de Israel, Avi Dichter, disse na terça-feira que as alternativas para evitar que a Síria use ou transfira as armas incluíam "tentativas de atingir os arsenais". O ex-agente de inteligência americano Matthew Levitt, do Institute for Near East Policy, em Washington, diz que Israel realizou voos de reconhecimento sobre o Líbano "impunemente".
O SA-17 é um sistema de defesa russo moderno e representaria um avanço significativo das capacidades do Hezbollah – reduziria a capacidade de Israel de conduzir operações de inteligência aérea, diz Levitt. Há cerca de quatro anos, o então governo israelense do primeiro-ministro Ehud Olmert alertou que não iria tolerar a transferência do que chamou de armas "com capacidade de virar o jogo" para o Hezbollah. Isso incluiria sofisticados mísseis antiaéreos ou de longo alcance.
As autoridades libanesas claramente se opõem às violações quase rotineiras de seu espaço aéreo por parte de Israel, mas têm pouca capacidade de fazer mais do que isso. O AS-17 poderia mudar essa situação.
Israel já realizou ataques semelhantes no passado?
O suposto ataque israelense desta semana seria o primeiro dentro da Síria desde setembro de 2007, quando aviões israelenses supostamente destruíram uma instalação que a ONU suspeitava ser um reator nuclear. A Síria negou, alegando que o alvo era um prédio militar sem atividades nucleares. Israel também nunca admitiu ter bombardeado o local, próximo a Deir Ezzor, no leste da Síria. Analistas afirmam que a ambiguidade permitiu a Damasco resistir a qualquer pressão por retaliação.
Em 2006, jatos israelenses sobrevoaram o palácio presidencial de Assad, em uma demonstração de força depois que militantes palestinos do Hamas, grupo na Faixa de Gaza apoiado pela Síria, capturaram um soldado israelense. E, em 2003, aviões israelenses atacaram o que descreveram como o campo de treinamento de Ein Saheb, a 22km de Damasco. Israel diz que o campo era usado por diversos grupos militantes palestinos, entre eles Hamas e Jihad Islâmica. Esse ataque foi uma resposta a um atentado suicida da Jihad Islâmica na cidade israelense de Haifa, no qual 21 israelenses foram mortos.
Síria e Israel estão tecnicamente em estado de guerra desde a criação do Estado de Israel, em 1948. A principal queixa tem a ver com a ocupação israelense das colinas de Golã, em 1967. A Síria exige a devolução da área como parte de qualquer acordo de paz. Mas a área de fronteira tem estado tranquila, e Damasco nunca retaliou os ataques israelenses.
Há o temor de que a guerra na Síria se espalhe pela região?
Israel teme que o impacto da guerra civil na Síria possa provocar um confronto mais amplo, envolvendo o Irã e o Hezbollah. Em novembro de 2012, tanques israelenses atingiram uma unidade de artilharia síria depois que vários morteiros caíram no lado israelense da fronteira. Mas analistas afirmam que, apesar do aumento da tensão, é pouco provável que Damasco vá retaliar o suposto ataque (ou ataques) israelense.
"É necessário e correto se preparar para a deterioração, esse cenário existe", disse Danny Yatom, ex-chefe do Mossad, a agência de inteligência israelense, ao site Ynet news. "Mas na minha avaliação, não haverá reação, porque nem o Hezbollah nem os sírios têm interesse em retaliar."
Segundo Yatom, Assad está preocupado com seus próprios problemas "e o Hezbollah está fazendo um grande esforço para ajudá-lo, paralelamente a seus esforços para obter armas. Então eles não vão querer ampliar os conflitos." A suposta operação israelense deverá servir como um alerta às autoridades sírias e ao Hezbollah. Há vários anos a Síria vem armando o Hezbollah dissimuladamente. O Hezbollah, ao lado do Irã, está entre os poucos amigos que a liderança síria ainda tem.
Assad pode estar enfrentando dificuldades em casa, mas diz em público que não pretende abandonar o poder – e ter um aliado bem armado no Líbano pode se encaixar em seus objetivos estratégicos de longo prazo. O Hezbollah afirma que reabasteceu e aumentou seus estoques de armas desde a guerra de 2006 contra Israel.
O grupo – assim como Israel – claramente acredita que haverá uma nova rodada de confrontos entre eles, afirma o analista diplomático da BBC Jonathan Marcus. Os militantes querem aperfeiçoar seu arsenal, especialmente em áreas como defesa aérea, na qual continuam relativamente fracos. O ataque de julho passado a um ônibus que transportava turistas israelenses na Bulgária sugere que, se houver resposta, talvez ela seja indireta – contra Israel ou alvos judeus no exterior, em vez de na fronteira do Líbano com Israel.
De qualquer maneira, a situação na região ficou ainda mais complexa.