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Embaixador Suresh Reddy – Importância da China no comércio brasileiro incomoda a Índia

Suresh Reddy: “Em vez de comparar com outros países, o Brasil deve reconhecer o quanto a economia indiana cresce”

Países convergem contra um BRICs de ‘amigos da China’ e ‘ucranização’” do G-20, mas esbarram na ampliação de parcerias comerciais

Maria Cristina Fernandes
Valor
16 Junho 2023
Brasília DF

A convergência entre Brasil e Índia na reunião dos chanceleres do BRICs na Cidade do Cabo (África do Sul) no sentido de tentar evitar a ampliação do número de países do bloco, tende a se repetir não apenas na reunião dos chefes de Estado de Brasil, Rússia, Índia e China, em agosto, como no G-20, em Nova Déli. Se, no BRICs, o temor de ambos é de que o bloco se torne um clube de amigos da China ou um “G-7 do B”, com Vladimir Putin no lugar de Volodmir Zelensky, no G-20 tampouco interessa a nenhum dos dois países a “ucranização” do encontro.

A aproximação política entre os dois países, sedimentada na tradição do não alinhamento de ambos, resistiu à saída do ex-presidente Jair Bolsonaro do poder, mais afinado ideologicamente com o primeiro-ministro Narendra Modi. Não encontra a mesma correspondência, porém, nas relações comerciais.

Quinta economia do mundo, a caminho de se tornar a terceira, e com uma população que já superou a da China, a Índia tem nos Estados Unidos seu principal parceiro comercial. A participação do Brasil no mercado indiano é de apenas 1%.

“O que o Brasil está fazendo para alargar seu mercado com a Índia? Em vez de comparar com outros países, o Brasil deve reconhecer o quanto a economia indiana cresce e as oportunidades que esta perspectiva traz para o país”, diz o embaixador da Índia no Brasil, Suresh Reddy. No país desde setembro de 2020, ex-embaixador de seu país na Indonésia e ex-negociador indiano no G-20, no BRICs e na Organização Mundial do Comércio (OMC),  Reddy não explicita a menção à China, país com o qual a Índia mantém uma fronteira em estado permanente de beligerância.

O incômodo com a centralidade da China na pauta brasileira, porém, não poderia ter ficado mais clara na entrevista concedida ao Valor, na embaixada em Brasília, um prédio com cinco edificações e vista para o Lago Sul, projetado pelo arquiteto Paulo Henrique Paranhos em 2017.

O perfil das relações comerciais atualizado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX) dá lastro ao humor do embaixador. O Brasil está em 25º lugar entre os fornecedores para a Índia e é o 13º destino das exportações indianas. Apesar de, em 2022, ter atingido o maior volume de exportações da história (US$ 6,3 bilhões), o país mantém, desde 2019, déficits crescentes na balança comercial, que chegaram a US$ 2,5 bilhões.

A exportação é concentrada e de  baixo valor agregado. Gordura vegetal, petróleo e ouro respondem por 80% do total. A importação de produtos indianos é não apenas menos concentrada quanto mais industrializada e composta, principalmente, de químicos e petroquímicos.

Se a balança comercial está longe de refletir a proximidade entre Índia e Brasil nos fóruns internacionais, a balança de investimentos fica ainda mais distante da parceria estratégica da diplomacia. O grupo Tata, o maior da Índia, construiu uma fábrica da Jaguar Land Rover, a primeira fora do Reino Unido, com investimento de R$ 341 milhões, em Itatiaia (RJ), e a Sterlite atua em projetos de construção de linhas de transmissão em todas as regiões do país, à exceção do Norte.

A despeito das compras milionárias de vacinas indianas durante a pandemia, o embaixador diz que ainda não foi capaz de convencer a indústria farmacêutica do país, que responde por 65% da produção mundial, a investir numa fábrica no Brasil. Na soma, os investimentos indianos no Brasil representam 0,67% de tudo o que o país investe no mundo.

Os investimentos brasileiros na Índia, em contrapartida, são ainda menos relevantes: 0,02% do total.

Dez anos atrás, o estoque de investimentos brasileiros na Índia era 2,5 vezes maior que o atual. O histórico reflete, em grande parte, o que aconteceu na economia dos dois países. Em 2011, o PIB do Brasil era 44% superior, em dólar, ao da Índia. Dez anos depois, estava reduzido à metade do registrado por aquele país.

O embaixador indiano situa no setor de alimentos a maior oportunidade para as exportações brasileiras em razão da mudança nos hábitos de uma população de crescente poder aquisitivo. “São 340 milhões de indianos de classe média, um contingente maior que toda a população americana ou europeia, e que está em busca de hábitos alimentares mais saudáveis”, diz.

Ele cita ainda as perspectivas para a moda brasileira no país e a ausência do Brasil entre os destinos turísticos e de educação superior dos indianos. Há 200 mil estudando no exterior com gastos médios de US$ 50 mil por ano. Só no capítulo educação a receita em disputa é de US$ 10 bilhões, a maior parte, abocanhada pelos Estados Unidos.

“Estamos atentos para a emergência da economia indiana e vamos aproveitar cada brecha que se abre na nossa parceria. Não vamos sair da China, mas vamos trabalhar e voltar com força na relação com Índia e África”, diz o presidente da APEX, Jorge Viana.

Há mercados que ainda engatinham, como o de feijão, e que tendem a crescer com a perspectiva de 700 milhões (metade da população) deixar a linha de pobreza nas próximas décadas. Na prática, o mercado indiano não é tão aberto quanto parece. Produtos brasileiros que têm grande competitividade internacional enfrentam elevadas tarifas para entrar no mercado indiano — 30% sobre o frango inteiro e 100% sobre cortes.

Em nenhuma área, porém, o conflito comercial escalou tanto quanto no açúcar. A Organização Mundial do Comércio decidiu favoravelmente ao Brasil, Austrália e Guatemala em painel sobre o subsídio ao açúcar que a Índia despeja no mercado internacional. E, no ano passado, a Índia recorreu à OMC. A parada, no entanto, pode acabar resolvida pelo álcool. E não exatamente numa mesa de bar.

Os dois países têm uma cooperação, com a participação da Única (Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), para o desenvolvimento da indústria de biocombustível. Este programa fez com que a Índia, segundo o embaixador, tenha alcançado uma produção de 10 milhões anuais de litros de etanol e tenha por meta 14 milhões de litros até 2025. Foi antecipada para este ano ainda a meta de adição de 20% de etanol na gasolina. Hoje é de 10%. O prazo, inicialmente, era 2030. Com isso, a Índia deslocará uma parte maior da produção de cana-de-açúcar para o etanol, suavizando a disputa pelo mercado de açúcar.

A Índia mal entrou no clube do etanol e já quer montar um clube de produtores. “Estamos felizes com esta parceria e admiramos o sucesso do Brasil. Queremos criar

uma aliança global de biocombustíveis entre Índia, Brasil e Estados Unidos de maneira a que possamos compartilhar tecnologia com outros países”, diz Reddy.

O acordo dos biocombustíveis é considerado paradigmático pelo Itamaraty porque explora uma tecnologia de impacto ambiental. As ambições geopolíticas da Índia, a exemplo, do que aconteceu com a China, impulsionam sua transição energética. É neste dever de casa que o Brasil, por ter uma matriz energética mais limpa, pode cooperar, na avaliação de diplomatas que cuidam da relação bilateral.

Não há, segundo, Reddy, visitas previstas além daquelas que envolvem a ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Nova Déli, em setembro, para o encontro do G-20, e a vinda de Modi ao Brasil em 2024 quando o Brasil

assume a presidência do bloco. O modelo escolhido pela Índia foi o de espalhar as 240 reuniões do G-20 em 60 cidades do país. “Procuramos envolver os estudantes de escolas e universidades, além da população como um todo, na mensagem ambiental do encontro (“Estilo de vida para o ambiente”). Se 1,4 bilhão de pessoas mudarem seu estilo de vida, isso vai impactar o mundo inteiro”, diz o embaixador. O investimento feito pela Índia no encontro não tem se traduzido em consensos. As reuniões dos chanceleres e dos ministros da Fazenda não produziram declarações que, por mais vagas que pareçam para o grande público, revelam, para a diplomacia, a convergência de lideranças mundiais em torno de temas divisivos. O ponto de maior cisão desta reunião de setembro entre os chefes de Estado de 20 grandes economias do mundo é a Ucrânia. O Brasil, que, pelas restrições orçamentárias e de governança, deve ter um G-20 bem mais espartano, torce para que se produza uma declaração definitiva sobre o tema e, dessa forma, o conflito não invada a presidência brasileira do bloco.

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