Os diretores do Banco Central começam hoje mais uma reunião de dois dias do Conselho de Política Monetária com um instigante material de análise. No front interno, o cenário é conhecido: o mercado continua a projetar uma inflação em alta até dezembro, aproximando-se do limite superior da meta (6,5%), enquanto as elevações do IOF sobre o crédito ao consumo ainda não produziram o efeito desejado sobre os preços.
Já o front externo tem sido mais dinâmico. Na sexta-feira, pela quarta vez neste ano, a China elevou o depósito compulsório dos bancos, para combater o mesmo mal brasileiro, a inflação, por meio do desaquecimento de uma economia assentada numa elevada taxa de poupança – cerca de 40% do PIB, mais que o dobro da brasileira – e, por decorrência, movida a elevados investimentos. Por isso chega a crescer a 10% ao ano e, assim, pressiona os preços para cima. Inflação para a ditadura chinesa é fator estratégico, mais ainda quando atinge alimentos. Tudo é feito para evitar mais tensões sociais. Bastam as existentes, causadas pelo fato de o processo de crescimento chinês, por mais rápido que seja, ainda manter milhões na miséria, no interior, distantes das benesses do capitalismo selvagem praticado na região litorânea do país. Há alguns anos, a inflação anual chinesa era inferior a 2%, e agora está acima de 5%. Como no Brasil, os chineses pagam na forma de inflação o preço pelos estímulos bilionários dados para compensar as pressões recessivas decorrentes da crise financeira mundial. Eles já elevaram os juros algumas vezes – lá não existe banco central, tampouco autônomo. Talvez tenham de fazê-lo mais algumas vezes. Também como o Brasil.
Para completar o quadro externo a ser analisado no Copom, a agência de avaliação de risco Standard & Poor"s pela primeira vez rebaixou, ontem, os títulos de dívida dos Estados Unidos. Continuam avaliados como "AAA", mas, segundo a S&P, a perspectiva da capacidade americana de pagar a dívida pública passou de "estável" para "negativa". Bolsas caíram, e o debate político interno americano sobre o que fazer com uma dívida de US$14,2 trilhões, quase do tamanho do PIB do país, chegará à combustão.
Alguns aspectos interessam ao Brasil. O mais evidente é que uma desaceleração chinesa prejudica as exportações do país para seu maior parceiro comercial. Em tese, a economia brasileira poderia vir a depender mais de recursos do mercado financeiro/investimentos diretos para fechar o balanço de pagamentos em contas correntes, na hipótese de alguma retração chinesa de maior vulto – ainda não detectada nos radares, reconheça-se. Mas, em economia, às vezes o pior acontece, daí ser uma postura sábia a extrema cautela.
O outro lado da sinalização de um inédito rebaixamento dos títulos do Tesouro americano é a possibilidade de o Fed ser obrigado a voltar a subir os juros antes do que gostaria. Se isso acontecer – como já ocorreu na Europa há pouco -, a abundância de dólares no planeta começará a ser revertida. Boa notícia para o Brasil, do ponto de vista do câmbio, pois a tendência será juros americanos mais apetitosos atraírem parte deste dinheiro.
Volta-se, então, ao ponto inicial: a inflação. Com a perspectiva de, mais cedo ou tarde, não contar mais com um real sobrevalorizado para ajudar a conter os preços internos, é hora de o BC fazer o dever de casa com base nos melhores manuais do ramo.