Publicado Folha de São Paulo 27 janeiro 2012
LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES
Doutor em engenharia naval e mestre em engenharia nuclear, é membro do grupo de assessoria permanente em energia nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica e assistente da Presidência da Eletronuclear S.A
O Irã já tem capacidade nuclear, mas a construção de armas nucleares não é uma consequência necessária dessa constatação.
A Suécia, a Alemanha e o Japão também têm capacidade nuclear. Mas esses países nunca cruzaram a linha entre "ter capacidade nuclear" e "ter armas nucleares". No Brasil, a Constituição veta cruzar essa linha. Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte, por outro lado, fizeram isso.
Se o Irã vier a cruzar essa linha nos próximos anos, irá descobrir rapidamente aquilo que todos os líderes das potências que possuem armas nucleares já sabem (ou deveriam saber): as armas por si só têm pouca valia.
Os países que têm armas nucleares não podem usá-las para forçar as suas demandas a outras nações. Se pudessem, os Estados nucleares e não nucleares nunca entrariam em um conflito armado convencional, como a Guerra das Malvinas.
A posse de armas nucleares não foi suficiente para obrigar a rendição de Saddam Hussein em 1991 ou em 2003. Também não conseguiu forçar a Sérvia a abrir mão do Kosovo em 1999. Nem as armas nucleares americanas, em 1965, nem as chinesas, em 1979, conseguiram intimidar os vietnamitas.
Paradoxalmente, existem casos em que Estados que não possuem armas nucleares se lançaram em conflitos contra Estados que possuem. As armas nucleares israelenses não impediram os ataques sírios e egípcios em 1973. As armas nucleares russas não intimidaram a
Geórgia em 2008, assim como não intimidam aos tchetchenos até hoje.
A Coreia do Norte tem armas nucleares há cinco anos. Ainda assim, além de não conseguir intimidar a Coreia do Sul, o país nem sequer forçou outros países a fornecer, por exemplo, alimentos suficientes para afastar a desnutrição endêmica que grassa em seu país.
A posse de armas nucleares não garante que os vizinhos de um país se curvem a seus interesses. Elas também não podem resolver litígios fronteiriços. As armas nucleares não podem impedir ataques terroristas, assim como não podem derrubar governos estrangeiros.
De fato, como o Paquistão aprendeu recentemente, armas nucleares nem mesmo garantem a própria integridade territorial, tendo em vista as ações do Taleban afegão.
Muitos argumentam que o Irã esteja sendo dirigido por um culto messiânico e apocalíptico, que não pode ser contido nem dissuadido.
Essas mesmas acusações já foram feitas, com melhores justificativas, ao Partido Comunista da China sob Mao Tsé-tung. Mas, embora o Irã, sem dúvida, exerça uma influência negativa na região, não há, de forma alguma, indícios de que o país planeje realizar o suicídio nacional, dada a esmagadora superioridade nuclear ocidental.
O desafio que a comunidade internacional enfrenta é estabelecer estratégias estruturadas de dissuasão e de contenção de países potencialmente proliferantes. É necessário também evitar a tentação de revidar impensadamente sob motivação do medo exagerado ou de "objetivos maiores" não explicitamente declarados.
A história nos mostra que a busca pela posse de armas nucleares é muito mais uma resposta dissuasória a ameaças percebidas do que a preparação para uma agressão. Gaddafi deve ter se arrependido de ter abandonado esse objetivo em 2003.