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Dominó Árabe – Patriota nega omissão do Brasil na Síria

ROBERTO SIMON


O ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota não aceita as críticas de setores da oposição síria e de outros movimentos da Primavera Árabe que acusam o Brasil de estar ao lado – por omissão ou até conivência – de regimes tirânicos do mundo árabe. Em entrevista ao Estado no último domingo, o desertor e um dos comandantes das forças rebeldes sírias Ayham al-Kurdi chegou a afirmar que o governo brasileiro tem uma "política estúpida" de "apoio" ao ditador Bashar Assad.
 

"É uma leitura totalmente equivocada", rebateu Patriota, argumentando que os votos do Brasil contra Damasco na ONU demonstram a posição crítica ante Assad. "Somos solidários aos manifestantes."
 

O chanceler brasileiro disse "repudiar" a repressão na Síria e negou que o Itamaraty coloque no mesmo patamar a violência praticada pelo regime contra a população e as agressões de militantes contra as forças de Assad. Patriota evitou afirmar explicitamente que crimes contra a humanidade foram ou estão sendo cometidos na Síria – "devemos ter cautela, pois Assad ainda está no comando". Dois dias após a conversa do ministro com o Estado, o Brasil deu apoio indireto a uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que afirma ser "provável" que esse tipo de violação tenha ocorrido. A seguir, a entrevista.
 

Opositores sírios estão acusando o Brasil de ser omisso ou até conivente com os massacres cometidos pelo regime Assad. Como o sr. reage a esse tipo de crítica?
 

É uma leitura totalmente equivocada, basta ver o histórico de votos do Brasil no Conselho de Direitos Humanos e na Assembleia-Geral das Nações Unidas. O Brasil repetidamente manifestou total repúdio à violência do governo sírio e defendeu um diálogo inclusivo, até porque a oposição síria é muito fragmentada. Também trabalhamos pela entrada na Síria do professor Paulo Sérgio Pinheiro (que lidera a comissão de investigação sobre Damasco do Conselho de Direitos Humanos da ONU) e de jornalistas brasileiros. Somos solidários aos manifestantes sírios e pedimos o fim da violência. Um efeito complicador na crise é que, diferentemente do que ocorreu com a Líbia, a Liga Árabe demorou para se manifestar. Uma decisão mais firme só veio no dia 16 de fevereiro (com a aprovação na Assembleia-Geral das Nações Unidas um plano proposto pelo bloco árabe).
 

Na terça-feira, o enviado da liga e da ONU para a Síria, o ex-secretário-geral Kofi Annan, apresentou suas conclusões. Como o Brasil vê a missão de Annan?
 

Nós estamos apoiando muito e eu conversei pelo telefone esta semana (semana passada) com Annan. Nossas análises coincidem: é preciso dialogar, pois a militarização do conflito levará a uma desestabilização perigosa.
 

O sr. mencionou as condenações do Brasil a Assad, mas o País evitou um tom mais duro, como o adotado pela Turquia e pela Liga Árabe – que acusam abertamente Damasco de crimes contra a humanidade. O Brasil considera que crimes desse tipo estão sendo de fato cometidos? O Tribunal Penal Internacional (TPI) deve investigar Assad?
 

É preciso observar o que diz a comissão de investigação liderada pelo professor Pinheiro, a qual apoiamos fortemente. O próprio relatório não traz uma posição definitiva. Devemos ter grande cautela no tratamento da situação, pois Assad está no comando e, novamente, não existe uma solução militar para o que está ocorrendo na Síria. Apoiamos a proposta de Annan para, antes de mais nada, impor-se um cessar-fogo. As pessoas que estão morrendo (na Síria) podem até gostar de uma declaração dura aos jornais, mas essa retórica, em si, não mudará a situação delas. É preciso diplomacia, um cessar-fogo que leve a entrada de observadores internacionais.
 

Nesse sentido, o Brasil apoia a criação de bolsões humanitários para a oposição dentro da Síria?
 

Apoiamos a criação de corredores humanitários, sem dúvida. Mas, novamente, o fundamental são os seis pontos levantados por Annan: diálogo, fim das hostilidades por parte do governo, entrada de assistência humanitária, libertação de presos, liberdade de expressão e de reunião.
 

ONGs brasileiras e internacionais acusaram o Brasil de colocar em um mesmo patamar a repressão praticada pelas forças de Assad e a violência da oposição contra tropas do regime. Como o sr. responde a isso?
 

Sempre traçamos uma diferenciação muito clara entre esses dois tipos de violência. A responsabilidade primeira é do governo sírio. Não há equivalência.
 

Com notáveis exceções, como o discurso na Assembleia-Geral da ONU, em setembro, a presidente Dilma Rousseff falou muito pouco sobre política externa. No caso da Síria, por exemplo, a última vez que ela se pronunciou foi em outubro, na cúpula do Ibas na África do Sul. O sr. atribui isso a uma questão de estilo de governo?
 

Eu vejo o Brasil muito envolvido internacionalmente. No caso da Síria, que você menciona, reunimos em fevereiro em Istambul todos os embaixadores brasileiros na região – incluindo nosso representante na Síria, o embaixador Edgard Antonio Casciano, que está fazendo um ótimo trabalho – para uma reunião da qual participou o professor (Ahmet) Davutoglu (ministro das Relações Exteriores da Turquia). Nosso envolvimento é amplo.

Como o sr. avalia a intransigência da Rússia, que impediu a adoção de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando o regime Assad?
 

Em 2011, todos os países dos Brics estavam no conselho: além de Rússia e China, que têm assentos permanentes, as democracias emergentes Brasil, Índia e África do Sul – que formam o chamado "Ibas" -, sem poder de veto. Com a crise na Líbia, todos os países dos Brics rejeitaram a transformação da intervenção humanitária em uma missão de mudança de regime. Diante da crise na Síria, não houve consenso. A Índia, com apoio do Brasil, votou a favor da resolução condenando Assad no conselho, enquanto

Rússia e China vetaram o texto.
 

E como sair desse impasse?

A Rússia está agora tentando uma aproximação com a Liga Árabe. Como disse Annan, a polarização do conselho é nefasta. Ela apoia a lógica da repressão dentro da Síria. É preciso chegar a uma posição de consenso na ONU.
 

No Fórum Econômico Mundial, em Davos, o sr. pediu ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que se pronunciasse sobre a legalidade de um ataque contra instalações nucleares iranianas. O Brasil considerará um ataque desse tipo "ilegal" à luz do direito internacional?
 

Essa questão é motivo de grande preocupação, principalmente diante da estagnação do processo de paz entre palestinos e israelenses, além da situação em países como o Afeganistão e o Iraque. Uma ação preventiva contra o Irã só desestabilizaria mais a região e em um momento delicado de transformação, com a Primavera Árabe. Sobre a legalidade ou não, isso pode ser determinado politicamente depois. Seria precipitado, portanto, falar agora.
 

Vozes nos Estados Unidos e na Europa defendem a entrada do Brasil, possivelmente ao lado da Turquia, no clube de negociadores com o Irã. O sr. vê com bons olhos essa ideia?
 

O Brasil sempre favoreceu o diálogo e a negociação sobre a questão nuclear iraniana. Nossa posição sempre foi a favor da diplomacia.

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