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Dominó Árabe – Crise síria pode influenciar equilíbrio global de forças

Chamil Sultanov

 

A situação na Síria se tornou um ponto central da política mundial, especialmente após duas votações no Conselho de Segurança da ONU. Os EUA e seus aliados da Otan procuram enfraquecer o regime de Bashar al Assad e transformar a Síria em uma espécie de Afeganistão para o Irã. O problema é muito mais sério e não se esgota com o programa nuclear de Teerã. Importa saber se o Irã se tornará ou não uma potência regional.

Por outro lado, a Arábia Saudita e Qatar estão empenhados em derrubar o presidente sírio e levar ao poder seus sequazes. Nesse jogo, o Qatar wahhabita aposta na Irmandade Muçulmana. Mas é preciso compreender que exigir a mudança do regime como condição prévia para a resolução do conflito no país é um caminho para uma guerra civil em larga escala. Foi por isso que Rússia e China vetaram a resolução sobre a Síria no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Moscou e Pequim receiam que em relação à Síria seja aplicado o roteiro líbio, quando a oposição local apoiada pela Otan derrubou, com a aprovação da ONU, o regime do coronel Gaddafi.

É bem possível que o veto conjunto da Rússia e China à resolução sobre a Síria tenha sido uma consequência de uma aliança estratégica concluída pelos dois países durante a recente visita do premiê Vladímir Pútin a Pequim.

A posição de linha dura assumida pela Rússia e pela China fez com que os países europeus, sobretudo a França, moderassem suas atitudes para com a Síria e se tornassem mais cautelosos e menos agressivos. Após um confronto no Conselho de Segurança, a Turquia se recusou a participar da elaboração de um plano de implantação de zonas de exclusão aérea com vistas à defesa dos rebeldes sírios e a admitir em seu território nacional bases militares da oposição síria.

A situação na Síria continua a ser extremamente difícil. O estado sírio tem uma estrutura de governo muito complexo. O regime de Assad se apoia em duas principais forças: os alauitas, que constituem o núcleo do exército e dos serviços secretos, e a burguesia rica das duas maiores cidades do país, Damasco e Aleppo. O exército apoia incondicionalmente Assad, que concedeu ao alto oficialato oportunidades econômicas para a realização de negócios.

Já a oposição síria representa uma agremiação bastante heterogênea baseada nos jihadistas, na Irmandade Muçulmana e intelectuais, a maioria dos quais vive no exterior.

Na origem da presente crise estão graves problemas sociais das camadas mais desfavorecidas da população e erros e crimes cometidos por alguns representantes do regime, como corrupção e perseguição especialmente cruel contra os dissidentes. Na Síria, é quase impossível manter uma empresa de pequeno ou médio porte sem o “consentimento” das estruturas de defesa e segurança, que muitas vezes agem fora da lei.

Os protestos antigovernamentais envolvem entre cinco e sete milhões de pessoas. Para um país com 23 milhões de habitantes, esse número é demasiadamente grande. Por isso, o país corre um perigo real de divisão radical da sociedade.

A guerra civil  é a forma mais perigosa de confrontação em qualquer país, suas consequências são imprevisíveis. A maioria dos sírios está consciente da periculosidade de uma guerra civil, sabendo que esta facilmente pode  redundar em uma guerra religiosa entre os xiitas, sunitas e cristãos. Outro problema é que a oposição não tem um programa político definido nem um líder nacional. Portanto, não está claro com quem Assad deve dialogar e a quem deve ceder o poder. Por isso, o mais provável é que o presidente Assad consiga finalmente reprimir a resistência da oposição armada e tomar sob seu controle a situação no país.

A maioria dos militantes envolvidos no conflito militar na Síria são “soldados da fortuna” e jihadistas do Iraque, Líbia, Jordânia e Arábia Saudita. Segundo várias estimativas, trata-se de 2.000 a 3.000 homens que utilizam armas tecnologicamente sofisticadas concebidas para combates na cidade, sistemas de visão noturna, meios de comunicação modernos etc. Os mercenários são os que causam maiores perdas ao exército e serviços de segurança sírios.

Recentemente, um dos dirigentes dos serviços de inteligência americana, James Clark, e o secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, confirmaram a presença de militantes da Al-Qaeda nas fileiras da oposição armada síria. Há também o chamado Exército Sírio Livre, com 600 homens. Todos eles são financiados e armados pelo Qatar e Arábia Saudita. Parte das armas chegam através da base aérea norte-americana Al Udeid, no Qatar. Segundo dados disponíveis, na Síria estão também presentes unidades das forças especiais britânicas. Sem se envolver diretamente nos combates, os comandos britânicos prestam aos rebeldes sírios serviços de consultoria e reconhecimento.

 

Um traço marcante do conflito na Síria é uma intensa guerra psicológica e de informação. Um exemplo disso é o afastamento do general sudanês Al Dhabi das funções de chefe da missão de observadores da Liga Árabe na Síria. Al Dhabi foi exonerado por ter concedido informações verídicas sobre a situação no país. Em seus relatórios, o general apontou que o governo de Assad cooperava com a missão e que o exército sírio enfrentava mesmo militantes e mercenários, irritando assim a oposição síria e alguns países membros da Liga Árabe. O Qatar e Arábia Saudita desejam que a próxima missão de observadores na Síria obtenha para eles “provas dos crimes do regime sangrento de Bashar al Assad”, isto é, aquilo que eles não conseguiram com o general sudanês.

Para retirar o general sudanês da Síria, o Qatar wahhabita ofereceu ao Sudão uma ajuda financeira no valor de R$ 3,4 bilhões.

Segundo tudo leva a crer, a crise síria é um componente complexo que pode influenciar o jogo geopolítico a longo prazo. Do rumo a ser tomado pela situação na Síria depende o equilíbrio regional e global de forças. O Oriente Médio é uma das mais importantes regiões para a Rússia, portanto, um dos principais desafios de Moscou é ter um aliado seguro na região. Infelizmente, nos últimos 15 a 20 anos, a Rússia perdeu muitos de seus parceiros naquela área. Hoje, a Síria é, de fato, o único aliado real da Rússia no mundo árabe.

Chamil Sultanov, presidente do Centro de Estudos Estratégicos “Rússia – Mundo Islâmico”

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