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Dominó Árabe – Crise no Egito: como a euforia se transformou em tragédia

Jeremy Bowen
 

À primeira vista, o país considerou a saída do líder, após mais de três décadas no poder, como um recomeço. Esperava-se que, a partir daquele momento, a vida da maior parte da população melhoraria.

Mas as expectativas foram esmagadas por uma combinação de fracasso político, interesses arraigados e crise econômica.

A revolução de 2011, que deu início à chamada Primavera Árabe, como ficou conhecida a onda de levantes nos países da região, havia sido motivada por uma profunda insatisfação de uma geração de jovens com o status quo.

À época das manifestações, cerca de 60% da população do mundo árabe tinha menos de 30 anos.

Os jovens perceberam que não tinham espaço na velha ordem. O sonho de um emprego decente, capaz de garantir sua independência financeira, tampouco seria possível dentro daquele cenário.

O choque de realidade coincidiu com o crescimento exponencial dos novos meios de comunicação. Diferentemente do passado, os países não poderiam mais ser desconectados do resto do mundo por seus líderes.

Naquele momento, os egípcios tinham acesso à TV a cabo e à internet, o que lhes permitia constatar que outros cidadãos do mundo árabe passavam por problemas similares.

Mas a energia dos revolucionários de 2011 foi minada pelo poder e pela organização das forças estabelecidas no Egito, especialmente a dos militares, remanescentes da velha elite, e da Irmandade Muçulmana.

Na eleição presidencial realizada no ano passado, a disputa final opôs Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana, a um ex-general da Força Aérea do país, que havia sido o último primeiro-ministro do governo Mubarak.

Nesse contexto, a vitória de Morsi acabou por representar o nirvana dos rebeldes, que de forma desorganizada ocupavam a Praça Tahrir, no centro do Cairo.

Promessas não cumpridas

Quando foi eleito presidente, Morsi prometeu governar para todos os egípcios. Mas a promessa não foi cumprida.

A Irmandade Muçulmana passou 80 anos almejando chegar ao poder no Egito. Quando o momento finalmente chegou, Morsi estava determinado a aproveitar a oportunidade para reformar o Egito à sua imagem e semelhança.

O erro de Morsi, o rosto do partido, foi ter se comportado como se tivesse amplo apoio popular para transformar o país em um Estado muito mais islâmico.

Ainda que muitos egípcios professem o islamismo, isso não significa automaticamente que compartilham a visão austera da Irmandade Muçulmana para o futuro do país.

Para piorar a situação, o governo de Morsi era criticado pela falta de competência. O presidente não conseguia manter suas promessas sobre como recuperaria a destroçada economia do país.

Até o final de junho deste ano, o descontentamento popular deu origem a uma nova onda de protestos populares, que, por sua vez, se transformaram, aos olhos dos militares, em uma oportunidade para remover Morsi do poder.

A insatisfação ganhou ampla acolhida da população, exceto dos correligionários da Irmandade Muçulmana.

Mesmo liberais democratas respeitados internacionalmente, como o vencedor do Prêmio Nobel da Paz Mohamed El Baradei, enalteceram e apoiaram as manifestações.

No início de julho, em entrevista à BBC, El Baradei afirmou que o Exército não havia realizado um golpe de Estado.

Em vez disso, o ato, amparado pela demanda popular, daria ao povo egípcio a chance de "reiniciar sua democracia", segundo o renomado político egípcio.

Diferentes pontos de vista

A previsão de El Baradei, no entanto, não se concretizou. Até agora, o governo militar parece mais uma tentativa de reviver o Estado de segurança que marcou os últimos 30 anos do Egito.

Mais uma vez, o país está sendo governado sob uma lei de emergência que dá ao Estado poderes draconianos.

Em meio à nova onda de violência, El Baradei renunciou ao cargo de vice-presidente do governo militar instalado. Centenas de egípcios estão mortos.

A Irmandade Muçulmana e os militares – e seus respectivos simpatizantes – acreditam que o futuro da próxima geração do Egito está em jogo, e ambos estão certos. Mas suas visões do futuro são muito diferentes.

O melhor caminho a seguir seria que os dois lados chegassem a um consenso em torno de uma negociação e, em última instância, à paz.

Mas isso não está acontecendo. A discussão está sendo travada nas ruas. E isso é uma tragédia.

 

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