Editorial O Globo
No momento em que os principais países recorrem às mais duras medidas para repudiar o massacre sistemático do povo sírio por seu próprio governo, o Brasil mais uma vez decide contemporizar. Segundo o Itamaraty, o governo brasileiro está preocupado em não piorar ainda mais a situação na Síria. "O diálogo precisa ser mantido", sustentou o porta-voz da chancelaria brasileira.
Não é um bom sinal. Mostra uma recaída na diplomacia companheira praticada nos dois governos Lula, de um terceiro-mundismo arcaico e antiamericanismo juvenil, que resultou em episódios grotescos, como a recepção em Brasília do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e a viagem do brasileiro a Teerã para tentar evitar, inutilmente, uma ação da comunidade internacional contra o programa nuclear iraniano. Ou manifestações de simpatia pelo ditador do Zimbábue, Mugabe, com quem se reuniu por iniciativa de Hugo Chávez. Ou a impotência diante da transformação da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa num palanque do aliado Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras.
A presidente Dilma Rousseff deu sinais importantes de que restabeleceria as melhores tradições do Itamaraty ao fazer dos direitos humanos a pedra de toque de sua política externa. Foi uma decorrência disso o voto brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU de apoio à condenação de atrocidades de Muamar Kadafi na Líbia. Mas a evolução dos fatos, que levaram à intervenção militar da Otan para derrubar o ditador, criou mal-estar em muitos países, inclusive o Brasil. Objetavam que a ONU teria dado carta-branca à Otan para derrubar um governo, ainda que fosse uma ditadura cruel.
Agora, porém, não há justificativa para a inação do governo brasileiro diante do massacre cotidiano de sírios por parte de um regime que não se acanha de praticar genocídio. Bashar Assad tacha de "terroristas" os que lutam para derrubá-lo – uma força heterogênea de rebelados contra a ditadura, desertores das forças sírias, civis que pegaram em armas. Mesmo que haja entre eles sectários. Assad só tem demonstrado frieza diante das tentativas da comunidade internacional de obter um cessar-fogo via esforços do ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan.
Recentemente, Dilma determinou ao primeiro escalão da área internacional que repensasse a política externa brasileira para ajustá-la ao pós-Primavera Árabe e à crise europeia. O objetivo seria aumentar a influência do país no cenário internacional. Mas há erros evidentes. Ao se referir às divergências de opinião no Conselho de Segurança em relação à Síria, principalmente entre americanos, de um lado, e China e Rússia, de outro, o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, comentou: "Parece a volta da Guerra Fria."
A frase resume o caráter equivocado da posição brasileira num mundo multipolarizado. Não tem sentido manter uma postura de inércia envergonhada, até porque entre ela e a intervenção militar há uma série de gradações diplomáticas possíveis. O que não pode é defender o indefensável só para não destoar de "companheiros" da sigla Brics e se isolar dos demais países.