Roberto Simon – O Estado de S.Paulo
SANTIAGO – Sobrinho de Salvador Allende, Andrés Pascal Allende diz que a ditadura brasileira deu duas grandes contribuições ao Movimiento Izquierda Revolucionaria (MIR), do qual foi secretáriogeral. Primeiro, o Brasil despejou exilados no Chile, alguns dos quais passaram a integrar o MIR. Segundo, o golpe de 1964 mostrou à cúpula da organização que o sonho de Allende de construir o socialismo por meio das instituições democráticas – "com empanadas e vinhos", como se dizia à época – era impraticável. "Lamentavelmente, estávamos certos", afirma Pascal, passados 40 anos do golpe.
Como o golpe de 1964 no Brasil afetou a esquerda chilena?
ANDRÉS PASCAL ALLENDE – A ditadura brasileira nos fez um grande favor: mandou ao Chile ótimos companheiros, muitos dos quais se incorporaram ao MIR. Foi o caso de Marco Aurélio Garcia (hoje assessor especial do Palácio do Planalto), os irmãos Éder e Emir Sader (sociólogos), além de Theotonio dos Santos (economista), que embora não tenha sido exatamente do MIR, era muito próximo a nós, e nosso grande mestre Ruy Mauro Marini (sociólogo). Eles nos deram uma contribuição inestimável.
E como funcionou, na prática, essa colaboração?
ANDRÉS PASCAL ALLENDE – Exilados brasileiros de diversos grupos chegaram ao Chile a partir de 1964 e aqui se vincularam com o processo político que nós vivíamos. Grande parte desses brasileiros era de intelectuais, que passaram a trabalhar em universidades. Nesse contexto, vincularamse a estudantes e colegas muito radicalizados, como era nossa geração, no Chile. Um número importante veio para o MIR.
E havia algum grupo brasileiro especialmente vinculada a vocês?
ANDRÉS PASCAL ALLENDE – No Uruguai, tínhamos os Tupamaros e, na Argentina, o PRT (Partido Revolucionário dos Trabajadores). Mas no Brasil, nessa época, não tínhamos um 'sócio' porque os grupos revolucionários já estavam muito enfraquecidos.
O MIR nunca acreditou realmente na possibilidade de construir o socialismo por meio da democracia, não é verdade?
ANDRÉS PASCAL ALLENDE – A democracia não é apenas a liberal – ou "burguesa", como se dizia na época. Acreditávamos em outras formas de democracia. O MIR teve, sem dúvida, uma forte influência da Revolução Cubana. Mas não tínhamos uma visão "guerrilherista" ou "foquista" da luta. Víamos o caso chileno como algo diferente.
Mas havia diferenças importantes com Allende, não?
ANDRÉS PASCAL ALLENDE – Nós, do MIR, tínhamos um programa parecido com o da Unidade Popular e laços muito fortes principalmente com o Partido Socialista. Assim, o MIR iniciou uma espécie de "dupla militância": minha mãe, por exemplo, era deputada socialista (Laura Allende Gossens) e trabalhava também conosco. Vários outros parlamentares faziam o mesmo. O MIR, porém, nunca acreditou muito na democracia liberal, na ideia de que era possível produzir uma mudança profunda no Chile apenas pela via institucional. Tínhamos uma concepção, digamos, político-militar, embora nunca tenhamos feito uma guerrilha. O modus operandi eram as mobilizações de massa, milícias e ações armadas de propaganda, além de roubos a banco para financiar o movimento social. Mas éramos muito ligados a Allende – seus seguranças, por exemplo, eram todos do MIR. Mas discordávamos do presidente, que dizia ser possível produzir a mudança que esperávamos dentro da institucionalidade vigente. Lamentavelmente, não nos equivocamos ao pensar que haveria um golpe militar contra ele, até mesmo porque víamos o que estava ocorrendo em outros países do Cone Sul, a começar pelo Brasil.