Por Stephen M. Walt – Texto do Foreign Policy
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel
Nota DefesaNet: o texto original foi publicado no dia 26 de novembro, véspera do feriado do Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos.
Um costume nas casas americanas durante o Dia de Ação de Graças é, durante o jantar, pedir a cada um que aponte uma coisa pela qual ele ou ela é especialmente grato. E isso me fez pensar: o que vários líderes mundiais diriam se estivessem à nossa mesa? Eu realmente não sei, claro, mas isso não me impede de tentar adivinhar. Nesse espírito, eis aqui meu top 10 das “coisas pelas quais figuras globais-chave podem ser gratas este ano”.
No. 1: Xi Jinping
Eu duvido que o presidente chinês diria abertamente, mas ele provavelmente sente uma forte gratidão ao ver os Estados Unidos serem arrastados de volta para o trubilhão do Oreinte Médio/Ásia Central. Não há vantagem para os EUA – só mais gastos, riscos e consequências negativas. E quanto mais tempo Washington investe tentando consertar problemas intratáveis na Síria, Iraque, Iêmen, etc, mais recursos e atenção serão desviados do leste da Ásia no geral, e especialmente da China e de seu crescente papel como potência regional.
A ascensão americana ao poder global foi facilitada por rivalidades custosas entre as outras grandes potências, e pode apostar que Xi Jiping fará o possível para manter Pequim fora das desventuras que Washington parece incapaz de evitar. Aposto que o líder chinês também não se importa nem um pouco em ver as tensões aumentando entre EUA e Rússia. Não é um sentimento dos mais nobres, mas quem resiste ao prazer de ver um rival em apuros?
No. 2: Dilma Rousseff
A assombrosa derrota de 7 a 1 da Seleção Brasileira de futebol para a Alemanha na Copa do Mundo deste ano foi um golpe duro para o orgulho brasileiro, mas a presidente Dilma provavelmente dá graças pelo evento em si ter sido um sucesso. Durante meses houve denúncias de que os preparativos estavam atrasados, além de previsões de que a Copa seria um caos. Em vez disso, fãs de futebol de todo o mundo presenciaram uma competição eletrizante. E em seguida Dilma foi reeleita. Agora tudo que ela precisa fazer é conseguir passar pelas Olimpíadas em 2016.
No. 3: François Hollande
Diante das taxas baixíssimas de aprovação de seu governo, Hollande provavelmente sentiu algum conforto em saber que é essencialmente impossível o impeachment de um presidente francês. Mas aí na semana passada foi aprovada a lei que de certa forma facilita o processo de deposição, ou o torna fácil o bastante para colocar o cargo de Hollande em risco.
Em todo caso, o presidente francês ainda pode ser grato por ganhar uma pensão generosa quando seu mandato acabar, e pelo fato de que ex-presidentes ganham várias regalias bacanas, independente de como tenham exercido o ofício. O estado lamentável da economia francesa não parece ter interferido na animada vida social de Hollande, considerando o quão bem o resto de seu mandato transcorreu. Ele também deve ser grato por isso.
No. 4: Angela Merkel
Essa é fácil: a chanceler Merkel deve dar graças por não ser presidente da França.
No. 5: Vladimir Putin
Diante dos preços em queda do petróleo, sanções econômicas e tendências populacionais desfavoráveis, Vladimir Putin pode achar difícil ser grato por qualquer coisa. Mas aposto que ele agradece pela Rússia ainda ter um arsenal nuclear considerável, um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e um papel potencialmente importante no Iraque, na Síria e em outras questões globais.
Putin também pode ser grato pelo fato de os membros europeus da OTAN terem deixado suas capacidades de defesa atrofiarem enquanto assumiram outras obrigações no leste do continente. O presidente russo pode até mesmo agradecer por como o mal gerenciamento da crise da Ucrânia pelo Ocidente deu a ele a oportunidade de retomar a Crimeia. Por fim, Putin sem dúvida é grato por outros países poderosos também se oporem à hegemonia liberal dos Estados Unidos, e por isso fazerem o possível para impedir que Washington imponha sua vontade sobre Moscou.
No. 6: Hillary Clinton
Enquanto se prepara para concorrer à presidência em 2016 (convenhamos – é claro que ela vai disputar), Hillary provavelmente é grata pelo presidente Barak Obama não der dado a ela tanta autonomia quando ela era secretária de Estado. Ela foi ótima durante o primeiro mandato, mas a Casa Branca manteve vigilância constante sobre as grandes questões diplomáticas e não deu a Hillary muita independência. Considerando os desdobramentos dessas grandes iniciativas dos EUA, ela deve ser grata por só precisar responder perguntas sobre o ataque de extremistas islâmicos a sedes diplomáticas em Benghazi, na Líbia, em 2012, e duplamente grata por uma investigação do Partido Republicano do Congresso que parece tê-la vingado em relação ao episódio.
No. 7: Abdel Fattah al-Sisi
O general mais recente a comandar o Egito sem dúvidas está contente pelos Estados Unidos ainda lhe fornecerem auxílio militar e apoio diplomático, além de fazerem vista grossa para o golpe brutal contra a Irmandade Muçilmana e outros elementos da sociedade civil egípcia. Mas se Sisi tem que agradecer a alguém este ano, deve ser à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes, que juntos prometeram 20 bilhões de dólares para a economia debilitada do Egito. Com amigos assim, quem precisa de democracia?
No. 8: Aiatolá Ali Khamenei
O líder supremo do Irã deve dar graças pelos linha-dura do Congresso americano, como os senadores Mark Kirk e Lindsey Graham, ambos rebublicanos, e o democrata Robert Menendez, e para as váras outras organizações de direita que trabalham duro para sabotar um possível acordo nuclear. Se a última rodada de negociações não chegar em lugar nenhum e a oposição no Congresso culpar o governo americano pela falha, as sanções atuais a Teerã podem entrar em colapso, o programa nuclear iraniano provavelmente vai acelerar, e será adiado outra vez o momento de o país se abrir para o mundo. Esse desdobramento pode cair muito bem para Khamenei, porque uma reaproximação genuína e ampla do Irã com o mundo é a mior ameaça que o regime teocrático enfrenta.
Tratar Cuba como uma nação-pária não fez com que os EUA conseguissem derrubar os irmãos Castro, e manter o Irã isolado e sancionado também não abalou muito a república islâmica. Mas experimente abrir Teerã para o comércio, investimentos, turismo, hip-hop e bens de consumo, e coloque vários estudantes iranianos para circular em universidades estrangeiras, interagindo com outros jovens, e veja os mullahs tremerem nas bases. Ironicamente, os linha-dura americanos provavelmente estão fazendo mais para manter os mullahs no poder do que qualquer outro ator regional ou global, e Khamenei é profundamente grato a eles por sua miopia política.
No. 9: O setor de inteligência dos Estados Unidos
Homens como John Brennan, diretor da CIA, James Clapper, diretor da NSA, e muitos de seus subordinados devem estar se sentindo especialmente gratos neste exato momento, em grande parte porque a Casa Branca de Obama permanence firmemente comprometida em não responsabilizá-los por praticamente nada. Tanto Clapper quanto Brennan foram flagrados dando declarações falsas sobre as atividades da NSA e da CIA ao longo dos anos, e ainda assim mantêm seus cargos e a “total confiança” de Obama. Mas os cidadãos que pagam os salários desses dois e fornecem bilhões de dólares para financiar suas organizações a cada ano não podem sequer saber o que eles fazem. Se você é um espião dedicado, isso é mais do que motivo para dar graças.
No. 10: Todos nós
Houve um bom tanto de más notícias desde as festas de fim de ano de 2013: o surto de Ebola no oeste da África, a guerra civil avassaladora na Síria, recessão ecnômica no Japão e dificuldades contínuas nas economias da Europa. Mais uma guerra sem propósito em Gaza, assassinatos sem sentido em Jerusalém e nos territórios palestinos, o surgimento do Estado Islâmico, os desafios geopolíticos no leste da Ásia, Ucrânia, África Central e vários outros focos de problemas.
Diante disso tudo, dar graças a quê? Bom, eu começaria com os desastres que não aconteceram. Mais um ano se passou sem que armas de destruição em massa fossem usadas, e o presidente Bashar al-Assad não tem mais seu arsenal químico. O Irã e o P5+1 continuam dialogando, o que é melhor que um conflito. A zona do euro não entrou em colapso, a Escócia e a Catalunha não se separaram do Reino Unido e da Espanha (ainda), e vários países em desenvolvimento tiveram crescimento impressionante.
Não houve embates no Mar do Leste nem no Mar do Sul da China, e o presidente Xi Jiping e o primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, até conseguiram trocar um aperto de mão no encontro da APEC. Hackers continuam a fazer todo tipo de traquinagem, mas nenhum dos cenários apocalípticos usados para justificar aumento no investimento em cibersegurança se concretizou. Terrorismo permanece um problema sério em várias regiões de governos precários, mas a grande maioria da população mundial não foi atingida pelo extremismo violento.
Houve até mesmo motivos para esperança. Estados Unidos e China assinaram um acordo sobre mudanças climáticas – não é muito em si, mas Pequim está reconhecendo abertamente a necessidade de ajustar sua postura, e se trata de um passo na direção certa. A resposta global ao Ebola foi lenta, mas ainda assim devemos ser gratos às mulheres e homens tratando das vítimas no oeste da África e trabalhando para acabar com a epidemia.
Mesmo os não-católicos e os ateus devem reconhecer o esforço do Papa Francisco para restaurar algum grau de tolerância e humanidade na doutrina da Igreja. Conforme padrões históricos, o nível geral de violência no mundo permanece baixo, ainda que inaceitavelmente alto. E a humanidade continua a fazer novas descobertas científicas, continua a produzir trabalhos inspiradores nas artes, música e literatura, e homens e mulheres de todas as nações, crenças e histórias de vida continuam a trabalhar por um mundo mais pacífico e harmonioso.
Esses eventos podem parecer pequenos, mas, para mim, são motivo suficiente de gratidão neste fim de ano. Então eu sou grato, e espero que você também seja.