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Defesa em Debate – A nuclearização da Coréia do Norte e a incógnita política de contenção chinesa na Ásia

 A Defesa em Debate
 
Nam et ipsa scientia potestas est
 
 
A nuclearização da Coréia do Norte e
a incógnita política de contenção chinesa na Ásia

 
 
Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com
 


Em meio as recentes tensões na Ásia, provocadas pelos testes nucleares e pelo anúncio da Coréia do Norte de que o acordo de armistício entre as duas Coreias, assinado em 1953, havia perdido a validade, há dois questionamentos na política internacional: (1) qual a possibilidade da Coréia do Norte deflagrar guerra contra a Coréia do Sul e (2) quais as reais motivações da política de contenção da China na Ásia.
 
A Guerra da Coréia
 
Ao longo do século XX, a península coreana foi palco de atuação de diversos governos. Após a Guerra russo-japonesa, em 1905, a península passou a ser governada pelo Japão. Logo após o final da 2ª Guerra Mundial, a península foi dividida entre estadunidenses e soviéticos. Em 1948, a parte norte da península, ocupada pelos soviéticos, recusou-se  a participar das eleições realizadas pela ONU sobre a criação de dois governos na península, cada um sob o guarda-chuva dos países que a ocupavam. As tensões cresciam a medida que ambas as zonas ocupadas reivindicavam a soberania sobre a península.
 
O fim da 2ª Guerra Mundial, trouxe duas novas surpresas na Ásia: a supremacia chinesa sobre o Japão após o fim da 2ª Guerra sino-japonesa, em 1945,  e a vitória do Partido Comunista na China, em 1949. Estes dois fatos tiveram fundamental importância na nova configuração do jogo político do sistema internacional, a medida que a URSS passou a contar com a China como aliado estratégico na Ásia. 
 
Desta forma, entendo que já nesta época, tanto a deflagração da Guerra da Coréia, em 1950, quanto a posterior divisão da península atendia mais aos interesses hegemônicos dos EUA e da URSS na Ásia do que ao desejo de disputa de poder da Coréia do Norte e da Coréia do Sul pela soberania da península.
 
Mediante a invasão da Coréia do Norte à Coréia do Sul, sob pressão dos EUA, a ONU aprovou a intervenção militar na Coréia do Norte. Para lá, foi enviada uma força multinacional, com militares de mais de 20 países, inclusive, sul coreanos. Não foi a toa que a URSS transformou a República Popular da China, em termos de efetivos militares, na mais poderosa força da coalizão comunista.  
 
A Coréia do Sul sob o guarda-chuva militar dos EUA e a Coréia do Norte sob o guarda-chuva militar da URSS e da China deflagraram uma guerra que rendeu a península cerca de 2,5 milhões de mortos. Embora nunca tenha sido assinado um tratado de paz entre as Coréias, o armistício foi assinado em julho de 1953. 
 
Se por um lado, este armistício definiu o status quo desejado pela ONU no início da Guerra e fortaleceu o papel da OTAN na contenção da expansão geoestratégica da URSS no mundo, por outro, a contenção militar das forças militares da ONU pelos chineses impactou a política internacional e transformou a China numa potência militar.
 
Com a ajuda soviética, em outubro de 1964, a China realizou seu primeiro teste nuclear.
 
Importante ressaltar que, embora a China seja um estado fundador do Conselho de Segurança da ONU, a República Popular da China somente substituiu o governo anterior e passou a ser membro permanente deste Conselho, em 1971.
 
A aproximação China-EUA
 
O crescimento vertiginoso da população chinesa, os desgastes com as guerras civis, a fome e a miséria matando a população traçaram outros rumos para a política externa da China a partir da década de 1960.  
 
Além do modelo de desenvolvimento econômico adotado pela China apresentar vulnerabilidades e fragilidades, as fissuras ideológicas entre a URSS e a China comprometeram as suas relações políticas e contribuíram com o cada vez maior isolamento da China na política internacional. Sendo assim, no contexto de busca por maior inserção internacional, a China se aproximou dos EUA. A fim de evitar um confronto direto de interesses com os EUA, a China vem cautelosa e estrategicamente construindo esta aproximação. Isso não significou que a China tenha abandonado seus compromissos ou abdicado dos guarda-chuvas na Ásia, mas, silenciosa e estrategicamente tem reorganizado a Ásia de acordo com seus interesses.
 
A península coreana é um exemplo do complicado jogo de interesses dos EUA e da China no sistema internacional.
 
A Coréia do Norte nuclearizada
 
A península da Coréia é, ainda hoje, uma das zonas mais militarizadas do mundo. Embora tenha se disseminado que há um desejo da Coréia do Norte de deflagrar novamente uma guerra contra a Coréia do Sul, ambos os governos anunciaram não ter interesse em novamente se confrotarem.
 
As relações políticas entre a Coréia do Norte e os EUA vinham sendo, gradativamente, construídas. Em 1985, a Coréia do Norte assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Ao longo da década de 1990, em meio as pressões dos EUA e da AIEA para inspecionar as centrais nucleares norte-coreanas, as relações entre estes países voltam a se estremecer. 
 
Após os atentados terroristas nos EUA, em 11 de setembro de 2001, Washington empreende ações drásticas, declarando guerra ao terrorismo internacional. Além de promover ações preventivas e preemptivas no Oriente Médio e pressionar a AIEA a exigir maior comprometimento dos países signatários do TNP, o então presidente George Walker Bush criou uma lista, enquadrando diversos países como patrocinadores do terrorismo internacional. A Coréia do Norte foi oficialmente enquadrada por Bush como um dos países patrocinadores do terrorismo internacional. Sentindo-se ameaçada, em dezembro de 2002, a Coréia do Norte expulsa os inspetores da AIEA do País e, em 2003, anuncia sua renúncia ao TNP.
 
Ainda hoje, dissemina-se a atitude norte-coreana como transgressão e má intencionalidade, a medida que o regime político fechado e contrário aos interesses ocidentais, o tornam ainda mais suspeitos de patrocinarem grupos terroristas internacionais. No entanto, a Coréia do Norte foi o único país até então, a reativar seu programa nuclear após ter renunciado o TNP. Há uma cláusula no TNP que aceita a motivação de renúncia ao Tratado se o país signatário comprovar que sua soberania está ameaçada. Mediante acusação de patrocinar o terrorismo internacional e ter seu território invadido por tropas estadunidenses e aliadas, da mesma forma que os outros países enquadrados na lista do Eixo do Mal (Afeganistão e Iraque) foram invadidos, a Coréia do Norte renunciou ao TNP alegando que sua soberania estava sob ameaça.
 
A reativação de seu programa  nuclear, os testes nucleares e o anúncio da construção da bomba atômica foram consequências imediatas das pressões dos EUA sobre a Coréia do Norte. De certo, o governo de Pyongyang estava ciente de que aumentariam as pressões sobre seu arsenal nuclear; no entanto, acreditou que se nuclearizando evitaria uma possível intervenção militar dos EUA em seu próprio território.  
 
Já a Coréia do Sul dispõe, atualmente, de aproximadamente 28 mil soldados, bases militares estadunidenses em seu território e harmoniosa e sólida relação com os EUA. Anualmente, EUA e Coréia do Sul realizam, conjuntamente, manobras militares de caráter defensivo na região.
 
Numa eventual guerra entre as Coréias, a probabilidade do envolvimento estadunidense e japonês é enorme.  Isso recai diretamente no poder de influência da China na Ásia, a medida que sua dúbia política externa impede que haja uma maior compreensão dos seus reais interesses no jogo político do sistema internacional. Uma prova disso é que a última monção favorável às sanções contra o governo norte-coreano pelo CSONU foi fruto nas negociações formais entre China e EUA.
 
Afinal, o que quer a China?
 
Quer a liderança, a multipolaridade ou a hegemonia mundial? Se por um lado, a China mantém o seu guarda-chuva sobre a Coréia do Norte, por outro, as motivações e interesses políticos e geoestratégicos na Ásia são uma incógnita.
 
Apesar da península coreana ser uma das zonas mais militarizadas do planeta, acredito ser pouco provável a explosão de uma nova Guerra da Coréia, a medida que os próprios chineses tem se mostrado contrários as demonstrações e ações belicistas da Coréia do Norte. Há vozes que acreditam que as ações de Kim Jong-Un constituem apenas artimanhas políticas para manter o respeito do povo norte coreano diante das consequências que irão advir das sanções da ONU.
 
O voto da China favorável as sanções da ONU contra a Coréia do Norte pode ser explicado pelo desejo da China de manter a estabilidade política e econômica na Ásia. Além disso, uma nova Guerra aumentaria ainda mais a presença dos EUA na região, o que desestabilizaria um possível planejamento geoestratégico chinês para a Ásia. 
 
Além da estabilidade política, econômica e militar regional, há uma outra questão que a China e os EUA têm ponderado conjuntamente. Desde as ações isoladas dos EUA na sua Guerra contra o terrorismo internacional, as instituições internacionais, como a ONU e a OTAN, têm perdido a sua credibilidade na resolução dos conflitos internacionais e na construção da paz. Assim, em nome do resgate desta credibilidade, é possível que a China esteja sendo favorável a multilateralidade nas suas relações internacionais para não perder o seu prestígio de potência mundial, a legitimidade de seu assento permanente no CSONU e evitar uma corrida armamentista em escalas desproporcionais na região e no mundo. Em função do isolamento da Coréia do Norte na política internacional, a China ainda consegue contê-la.
 
Pergunta: será que a China teria condições de conter um Irã nuclear, por exemplo?
 
Por o Irã alegar finalidades pacíficas de seu programa nuclear, manter-se sob a proteção do TNP e privilegiar-se do guarda-chuva da Rússia, a China optou por se manter neutra na inflamada política de contenção dos EUA e aliados ao Irã nuclear.
 
Diferente da Coréia do Norte, o Irã não é isolado politicamente e já se configura no Oriente Médio como uma potência política, econômica e militar. Embora as pressões dos EUA sejam constantes no CSONU para que a China apoie as sanções contra o Irã, acredito que a China só revelará suas reais intenções e motivações na política mundial quando o equilíbrio na Ásia estiver, de fato, ameaçado. Enquanto isso, continuará a realizar sua política pendular, ora agradando o Ocidente, ora agradando o Oriente.
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