A recente notícia sobre a falta d'água devido a uma tubulação danificada, que afetou milhares de pessoas no leste da Ucrânia, coloca em questão a segurança das usinas nucleares no país. A confiabilidade e a segurança da infraestrutura crítica, como rede elétrica e de água, é essencial para o funcionamento seguro dos reatores nucleares.
"Uma vez que se tenha decidido operar uma central nuclear ou, como neste caso, um parque de reatores nucleares, é preciso garantir que não haja situações sociais instáveis e, definitivamente, que não haja uma guerra", diz Michael Sailer, presidente da Comissão Alemã de Gestão de Resíduos Nucleares e membro da Comissão Alemã de Segurança de Reatores.
"Estamos falando de centrais nucleares que correm alto risco, mesmo que sejam construídas e mantidas adequadamente", acrescenta Sailer, que também chefia o think tank Öko-Institut (Instituto Ecológico), com sede em Freiburg. "E na Ucrânia, existe o problema adicional de que há maior potencial de erro humano devido a operadores de centrais nucleares mais desmotivados do que em qualquer outro lugar e também ao fato de que as características de segurança desses reatores são muito inferiores daquelas dos reatores modernos."
Atualmente, a Ucrânia possui quatro usinas nucleares, com 15 reatores em funcionamento. Eles são responsáveis por quase metade da demanda energética do país, de forma que seria praticamente impossível desligá-los durante a crise. Todos esses reatores vêm da era soviética, entraram em funcionamento na década de 1980 e são similares ao reator de Tchernobil, que explodiu em 1986, causando o pior acidente nuclear da história.
A maior central nuclear da Ucrânia fica em Zaporizhia, a cerca de 200 quilômetros de Donetsk – o epicentro dos confrontos entre militantes pró-Rússia e o governo de Kiev.
Perigo de sabotagem
Mas não apenas a manutenção da infraestrutura técnica e a motivação dos engenheiros que operam os reatores preocupam os especialistas. As lutas contínuas entre o governo e as forças pró-Rússia, incluindo a ocupação de edifícios, aumentam o risco de que as centrais nucleares do país também possam ser afetadas pelos conflitos.
Os reatores da era soviética já são menos seguros do que os da Europa Ocidental, afirma Lothar Hahn, ex-diretor da Sociedade Alemã para a Segurança de Centrais e Reatores (GRS, na sigla em alemão), o mais importante centro alemão de pesquisas de segurança nuclear. "Mas isso é ofuscado pelo perigo de sabotagem ou guerra – o que significaria uma situação dramática."
Os especialistas não quiseram descrever cenários de uma possível sabotagem ou guerra, mas enfatizaram que consideram isso um perigo real. "Não é preciso um exército, mas somente de 20 a 30 homens altamente treinados. Essas coisas são totalmente imprevisíveis", alerta Hahn.
Foi por isso que a Otan enviou uma pequena equipe de especialistas à Ucrânia, em abril, para assessorar as autoridades ucranianas na melhoria da segurança das instalações nucleares e da infraestrutura crítica, "no contexto de possíveis ameaças". Após a visita ao país, os especialistas elaboraram um relatório confidencial, que foi entregue às autoridades ucranianas.
Papel da Otan
Uma das razões para o pedido de ajuda da Ucrânia à Otan foi a "possível desestabilização" na área onde está localizada a infraestrutura estratégica, disse o embaixador ucraniano na Otan à agência de notícias Reuters.
Para Sailer, a ajuda da Otan é útil, mas limitada. A organização pode assessorar autoridades ucranianas a melhorar suas instalações com vista a uma defesa mais eficaz contra possíveis intrusos. "Mas, no final, se houver funcionários que simpatizem com os militantes pró-Rússia e o conflito evoluir, então, isso vai se tornar parte dele. E a Otan não pode ajudar, de maneira alguma, na segurança e na estabilidade da rede elétrica."
"Imaginando uma Ucrânia sem estruturas claras de comando, isso significa que a estabilidade de toda a rede elétrica está ameaçada", diz Sailer. "E uma usina nuclear sem conexão a uma rede elétrica sólida é algo extremamente perigoso."
Mais atenção
O fato de as estruturas de comando, particularmente no leste do país, já estarem tênues e enredadas em conflitos é evidenciado pelos combates em curso, pelo sequestro dos observadores da Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE) e pela ocupação de prédios públicos. E a tubulação de água recentemente danificada no leste da Ucrânia mostra que tudo isso pode facilmente vir a afetar a infraestrutura crítica do país.
Apesar da ajuda da Otan, os especialistas dizem que a atenção dada às instalações nucleares na Ucrânia não é suficiente. "É realmente um problema, porque poucas pessoas estão pensando nisso", diz Sailer. "Normalmente, especialistas nucleares não focam em situações instáveis desse tipo, e as pessoas que estão preocupadas com tais situações, como diplomatas, não costumam perceber o quão sensível é uma usina nuclear."