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Crise na Ucrânia não abala Brics

Em 2001, pela primeira vez o economista-chefe do banco americano Goldman Sachs usava o termo Bric, acrônimo para se referir às economias emergentes mais fortes no mundo: Brasil, Rússia, Índia e China. Desde que, em 2004, a África do Sul, maior economia do continente africano, se juntou ao clube, o grupo passou a ter cinco membros e a ser conhecido como Brics.

A associação é mais do que uma aliança solta de países distintos baseada somente em similaridades econômicas. E mesmo a crise na Ucrânia parece não ter abalado a parceria de seus países-membros.

"Os Estados do Brics formam um grupo político. Eles partilham a opinião de que podem formar um contrapeso à política ditada pelo Ocidente", opina Mônica Herz, pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Segundo a especialista, os países compartilham o desejo de que o conflito "seja contido e limitado". "No entanto, se observarmos mais atentamente a política russa, vemos que os países do Brics têm pontos de vista bastante diferentes", ressalta.

História e interesses comuns

Os países do Brics têm, bilateralmente, relações muito diferentes entre si – especialmente quando se trata da Rússia. A China, por exemplo, foi durante muitos anos apoiada pela União Soviética, incluindo na Guerra da Coreia, contra uma aliança ocidental liderada pelos EUA. Mas a relação entre os dois países esfriou mais tarde, e eles começaram a disputar sobre a marcação exata da fronteira comum. O conflito atingiu seu ápice em 1969, quando, durante a disputa por uma ilha na fronteira do rio Ussuri, houve até mesmo confronto armado.
 

Hoje, ambos os países são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, como duas das cinco potências com poder de veto, ao lado de EUA, Reino Unido e França. Moscou e Pequim muitas vezes tendem a se unir contra essa dominação ocidental.

Na situação atual, Pequim não apoiou sanções à Rússia e prefere manter uma posição discreta, o que ficou claro durante a crise da Crimeia. Em março, o governo divulgou um comunicado afirmando que "a questão da Crimeia deve ser resolvida no nível político" e que "todas as partes devem se conter para evitar uma piora na situação". O texto não traz apoio à política da Rússia e muito menos críticas à posição de Moscou – a China tem, ela própria, problemas separatistas internos.

Estreitos laços econômicos

De Nova Délhi, Vladimir Putin também não vai ouvir críticas. Os laços econômicos e militares entre os dois países são próximos demais. A Índia também se sente como tendo uma obrigação em relação à Rússia, porque a União Soviética mais de uma vez agiu no Conselho de Segurança das Nações Unidas durante a Guerra Fria como uma defensora dos interesses indianos.

Além dos estreitos laços econômicos, hoje também uma cooperação militar une as duas potências nucleares. A Índia, por exemplo, adquiriu da Rússia 75% das armas que comprou entre 2009 e 2013. Moscou aparentemente quer aprofundar ainda mais essas relações. Um indício são as declarações de Igor Sechin. O diretor executivo da Rosneft, companhia petrolífera de que o Estado russo é o maior acionista, foi citado por uma agência de notícias indiana em março passado com as seguintes palavras: "A Índia é muito importante para a Rússia. Queremos expandir ainda mais nossas cooperações."
 

Brasil e África do Sul silenciam

Dos outros dois países do Brics, Moscou também não deve ter medo de receber críticas. Embora nem o Brasil nem a África do Sul tenham relações tão estreitas com a Rússia como a Índia e a China, eles preferem a cautela. O Ministério das Relações Exteriores da África do Sul tem repetidamente manifestado sua preocupação com o conflito, mas evitou tomar partido.

O discurso do chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, vem sendo o mesmo da eclosão da crise: o ministro rejeitou tomar partido e simplesmente se limitou a pedir que todas as partes se empenhem pela "moderação" e pelo "diálogo" na maior crise entre Moscou e Ocidente desde o fim da guerra fria.

"É necessário que a Rússia e a Ucrânia negociem para encontrar uma forma de convivência na nova situação", diz Mônica Herz. Para a especialista da PUC-Rio, o Brasil poderia contribuir, mas o governo não tem muito espaço de manobra. "É difícil, porque as relações do Brasil com os Estados Unidos estão tensas. Os Estados europeus, sobretudo França e Alemanha, é que podem contribuir mais."

Até o momento, Brasil, Índia, China e África do Sul têm se mantido discretos e não há sinais de que isso possa mudar no futuro próximo. Todos os quatro países parecem querer esperar até a poeira baixar. "Esta crise não vai tirar os membros do Brics de seu caminho comum", aposta Herz.

 

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