A Organização das Nações Unidas (ONU) responsabilizou ontem as forças do presidente eleito da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, apoiado pela comunidade internacional, por pelo menos 220 das 330 mortes já confirmadas durante a tomada da cidade de Duekoue, na semana passada. As demais teriam sido causadas pelas tropas de Laurent Gbagbo – que se recusa a deixar o poder no país africano, embora tenha sido derrotado nas eleições de novembro, deflagrando uma guerra civil. Relatos de pessoas que estiveram na cidade dão conta de um verdadeiro massacre de civis, com centenas de corpos empilhados pelas ruas.
– O secretário-geral (Ban Ki-moon) expressou particular preocupação e alarme sobre os relatos de que forças pró-Ouattara teriam matado muitos civis na cidade de Duekoue – afirmou o porta-voz das Nações Unidas, Martin Nesirky. – Os responsáveis devem prestar contas.
Funcionários da ONU continuam investigando o número total de mortes no massacre na região, ocorrido entre segunda e quarta-feira da semana passada, quando as forças de Ouattara tomaram a cidade em seu caminho rumo a Abidjã, capital comercial do país. Até agora 330 corpos teriam sido identificados oficialmente pela ONU. Mas a Cruz Vermelha Internacional já falou em 800 mortes, enquanto a Cáritas listou mais de mil.
Ouattara garantiu que seus homens não estão envolvidos no massacre, mas informou a Ban Ki-moon que já ordenou uma investigação sobre as mortes e que um inquérito internacional é bem-vindo, segundo Nesirky. Até agora, Ouattara diz ter contabilizado 162 mortos na região, resultado de conflitos entre milícias locais.
O vice-diretor de Direitos Humanos da Missão das Nações Unidas na Costa do Marfim, Guillaume Ngefa, no entanto, responsabilizou diretamente Ouattara pela maioria das mortes.
– Nós temos provas, temos fotos – afirmou ele. – Foi retaliação.
Ouattara informou "que rejeita tais acusações e nega qualquer envolvimento das Forças Republicanas da Costa do Marfim em possíveis abusos". Ele acusou o atual governo de Gbagbo de tentar manipular a situação. Segundo Ouattara, "forças leais ao presidente e seus afiliados mercenários e milicianos foram responsáveis pelas incontáveis atrocidades no oeste do país, antes do avanço das Forças Republicanas".
Comunicado divulgado ontem pelo governo dos Estados Unidos, assinado pela secretária de Estado, Hillary Clinton, exortou Gbagbo a deixar o poder imediatamente. "Gbagbo está transformando a Costa do Marfim em um país sem lei", sustenta o texto. "Ele deve deixar o poder agora para que o conflito termine". Mas ela também apelou às tropas de Ouattara "para que respeitem as regras da guerra e parem de atacar civis".
O secretário das Relações Exteriores do Reino Unido, William Hague, também repetiu seu pedido pela saída de Gbagbo, "para que a violência termine" e levantou a possibilidade de algumas acusações relacionadas ao conflito serem levadas ao Tribunal Penal Internacional.
O International Crisis Group pediu um cessar-fogo imediato de ambos os lados e uma intervenção internacional mais significativa no conflito, dizendo que a situação na Costa do Marfim é "urgente" e frisando que "o impensável está ocorrendo bem diante dos nossos olhos".
Abidjã aguarda "batalha final"
O principal aeroporto da Costa do Marfim, que desde sexta-feira estava em poder da ONU, foi ocupado ontem por tropas francesas, o que permitiu a sua reabertura "para aeronaves civis e militares", segundo comunicado do governo francês. Com a possibilidade de aviões voltarem a pousar no país, relatos davam conta de que a França começa a planejar a retirada em massa de seus 12 mil cidadãos no país. A ONU tirou 200 funcionários de Abidjã ontem. Na televisão pró-Gbagbo, partidários do presidente pediam à população que se mobilizasse contra o que chamou de "ocupação francesa".
A França enviou mais 300 soldados à Costa do Marfim, segundo informou ontem o porta-voz do Ministério da Defesa, Thierry Burkhard, elevando para 1.400 o número de militares franceses no país. No total, as tropas de paz da ONU na Costa do Marfim contam com 7.500 homens.
Em entrevista à BBC, Burkhard acrescentou que a principal missão das forças francesas no país ainda é garantir a proteção de seus compatriotas, que estariam sendo ameaçados por saqueadores.
O dia de ontem foi de parcial calma no país, com helicópteros das Nações Unidas patrulhando as principais cidades. A tranquilidade, no entanto, não deve ser duradoura. Relatos davam conta de que as forças de Ouattara estariam preparando novos ataques ao palácio presidencial em Abidjã, onde já ocorreram combates, e à sede da TV estatal.
As ruas da capital comercial, onde a água já foi cortada, estavam desertas ontem. Moradores passaram o dia fazendo barricadas em suas próprias casas, cobrindo janelas com cobertores e bloqueando as portas com móveis, esperando pela "batalha final" entre as forças de Ouattara e Gbagbo.