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Corrida às armas contra o fantasma russo

Deborah Berlinck
Correspondente na Europa


GENEBRA – A crise na Ucrânia e a intervenção russa na Península da Crimeia podem levar a uma corrida armamentista na região. Ontem, um avião de controle de fronteira da Ucrânia foi alvejado e uma missão militar de observação desarmada da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) foi recebida a tiros quando se aproximaram da região ucraniana da Crimeia. Não houve feridos em nenhum dos casos, mas esse foi o terceiro dia consecutivo em que a OSCE tenta sem sucesso passar pelo istmo que liga a península do mar Negro ao restante da Ucrânia.

A Rússia ameaça suspender as inspeções internacionais de armas nucleares em seu território em resposta às medidas tomadas pelos EUA na crise da Ucrânia. As inspeções estão registradas no tratado Start III, sobre armas estratégicas, assinado por ambos os países em 2010 e que prevê a redução tanto do número de ogivas nucleares como de dispositivos de lançamento de mísseis. Um funcionário do Ministério da Defesa russo comentou às agências locais que está em estudo tal suspensão porque as inspeções "são uma medida de confiança, mas por causa das multas declaradas pelos EUA não podem existir contatos regulares e normais relacionados com o cumprimento de tratados".

Assustada com a imprevisibilidade do presidente Vladimir Putin, a Polônia já fala em "modernizar" suas Forças Armadas; Letônia e Lituânia anunciaram que querem aumentar seus gastos com defesa, e até a Suécia considera uma "mudança doutrinária" na sua defesa.

– Estão alarmados com a forma como a Rússia se comporta. Putin tem mentido insistentemente – diz Andrew Wood, ex-embaixador britânico em Moscou, hoje pesquisador da Chatham House.

Para Wood, ao invadir a Crimeia, Putin corre o risco de destruir seu próprio sonho de uma União Eurasiática – uma aliança com países da ex-URSS. O bloco está planejado para ser lançado no dia 1º de janeiro de 2015 e criará políticas comuns de comércio, trabalho, investimentos e energia. Por enquanto, apenas dois países embarcaram neste projeto: Cazaquistão e Bielorrússia. Outros ex-países soviéticos, como Armênia, Quirguistão e Tajiquistão sinalizaram interesse.

-Eu não vejo uma União Eurasiática emergir agora. Os cazaques estão conturbados com o que Putin fez. E agora a Rússia não vai conseguir trazer a Ucrânia (para a aliança) – disse.

‘VOCÊ NÃO PODE ESPERAR ACONTECER'

Wood diz que o declínio econômico e político da Rússia desde que Putin voltou à Presidência em 2012 explicam suas "políticas de repressão" e o fato de estar "inventando inimigos para si mesmo".

– Putin está mais nervoso sobre como assegurar apoio dentro da Rússia, agora que a economia está em declínio e ele não é um líder tão atrativo.

O humor dos vizinhos piorou, sobretudo nos países bálticos, que sempre alertaram contra as ambições de poder da Rússia, mas eram pouco ouvidos. A presidente da Letônia, Dalia Grybauskaite, que há alguns anos defendia o congelamento dos gastos com defesa, agora é quem mais quer se armar:

– A Rússia é uma ameaça à toda Europa-afirmou Grubauskaite, na última quinta-feira, em Bruxelas.

A Suécia enviou dois jatos para Gotland, uma ilha báltica que havia sido praticamente desmilitarizada nos últimos anos. O ministro das Finanças, Anders Borg, defendeu aumento dos gastos militares, dizendo que a Rússia está "mais errática e imprevisível".

O primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, foi na mesma linha e afirmou que irá acelerar a modernização das suas Forças Armadas. A Polônia vai receber dos EUA 12 jatos de combate F-16 e 300 americanos para exercícios militares. O Pentágono também está aumentando o número de jatos que participam das missões de patrulha no espaço aéreo da Otan nos países bálticos. Antes da crise na Ucrânia, a Polônia já planejava gastar US$ 45 bilhões na próxima década para construir um novo sistema de mísseis e melhorar o transporte de armas, como helicópteros e tanques.

Para Lorenz Wojciech, pesquisador do Instituto Polonês de Assuntos Internacionais, a História pesa: estes países foram destruídos durante a Segunda Guerra Mundial, e ainda passaram os 45 anos seguintes sob controle da União Soviética.

– Quando você vive na sombra de um país que não é democrático, tem um enorme Exército, mísseis nucleares e intenções pouco claras, você não pode simplesmente sentar e esperar acontecer – disse.

A Rússia, de acordo com Wojciech, gasta US$ 70 bilhões por ano em defesa, tem 850 mil soldados, submarinos nucleares mísseis balísticos com milhares de ogivas nucleares. Não há como ganhar uma corrida armamentista contra a Rússia. A única coisa que países da região podem fazer, é manter a despesa de defesa na ordem de 2% do PIB, como recomendado pela Otan:

– Se a Rússia decidir atacar, eles devem ser capazes de se defender por muito tempo, até que a Otan tenha tempo para decidir vir a socorro.

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