Claudia Jardim
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, viaja a Cuba nesta sexta-feira onde será submetido a uma nova cirurgia para retirada de uma lesão na região pélvica, mesmo local de onde foi extraído um tumor cancerígeno, no ano passado.
O novo problema de saúde do presidente extremece o panorama político do país, a apenas oito meses das decisivas eleições presidenciais de outubro.
O panorama político-eleitoral venezuelano mudou radicalmente esta semana, quando Chávez anunciou o aparecimento da nova lesão, que, de acordo com ele, tem "altas probabilidades" de ser mais um tumor maligno.
O que, até então, era só uma agenda polarizada, centrada na disputa entre Chávez e o candidato da oposição, se tornou "complexa" na opinião do analista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela.
"Muitos venezuelanos se perguntam sobre o futuro da estabilidade política no país, sobre o futuro do exercício no cargo da Presidência e sobre o futuro do processo eleitoral", disse Romero à BBC Brasil.
Na véspera da viagem à Havana, Chávez disse estar preparado para enfrentar o "pior dos cenários", porém, reiterou sua candidatura à Presidência e prometeu sair vitorioso das urnas.
"Se esse novo elemento que eu tenho aí encubado for maligno, iremos combatê-lo e expulsá-lo da mesma forma", disse Chávez, diante de centenas de simpatizantes em um ato governamental em homenagem a ele, realizado em um teatro no centro da capital.
"Tenham certeza que os guiarei, ainda na pior das dificuldades, a uma nova vitória em 7 de outubro", acrescentou.
Incógnita
A principal incógnita para governistas e opositores é se Chávez terá saúde para enfrentar a campanha eleitoral contra o centro-direitista Henrique Capriles Radonski, atual governador do estado de Miranda, vencedor das recentes eleições primárias da coalizão opositora.
"Ainda não sabemos o que foi pior, se a aparição do tumor no ano passado ou essa recaída agora", disse à BBC Brasil um alto funcionário do governo.
Para o analista político Miguel Tinker Salas, professor de História Latino-americana da Pomona College, da Califórnia, a concentração de poder na figura de Chávez – motivo de preocupação quando o câncer foi diagnosticado no ano passado – continua sendo o principal desafio do chavismo.
"Sua força e sua fraqueza estão em Chávez. É uma figura única que consegue captar o interesse e apoio da população, que transformou a realidade política do país, mas ao mesmo tempo, o fato de que o projeto de governo depende exclusivamente de Chávez é também seu ponto fraco", afirmou.
Tanto no núcleo principal do governo, como nos setores de base que apóiam o presidente, ninguém se atreve a contemplar um cenário eleitoral sem a liderança do presidente. A candidatura da oposição, por sua vez, vem apostando na estratégia de que Chávez é um "cavalo velho", que não poderá governar nos próximos seis anos.
Analistas apontam que, em 13 anos de governo, o chavismo não foi capaz de construir uma liderança alternativa, que acompanhasse o presidente na construção da chamada revolução bolivariana.
"O chavismo entra em uma situação difícil. A bandeira que Chávez representa como candidato é insubstituível", afirmou Romero.
São quatro os dirigentes políticos que aparecem com mais popularidade e poder na cúpula chavista, porém, sem projeção nacional: o vice-presidente, Elias Jaua, representante da ala esquerdista do governo; o chanceler Nicolás Maduro; o ministro de Energia e Petróleo Rafael Ramirez; e o menos popular, porém poderoso dentro das Forças Armadas, Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional e ex-ministro de Obras Públicas.
Outro "herdeiro" com menor projeção seria o irmão do presidente, Adán Chávez, governador do estado de Barinas.
Campanha
Se a nova lesão encontrada for maligna, Chávez terá de se submeter a tratamento com quimioterapia ou radioterapia. De acordo com médicos consultados pela BBC Brasil, este cenário implicaria pelo menos cinco meses de tratamento, o que obrigaria o mandatário a afastar-se do cenário político neste período.
Essa possibilidade pode transformar Chávez em uma espécie de candidato virtual – cuja candidatura seria impulsionada por seu comando eleitoral – que conta com o apoio dos movimentos sociais reunidos no chamado Pólo Patriótico.
Se este cenário se consolidar, será a primeira vez em 13 anos que Chávez estaria fora do "corpo a corpo" eleitoral com a população em caravanas, nas quais costuma escutar queixas de seus simpatizantes, reforça antigas promessas e, por consequência, angaria votos e fidelidade.
Para o analista político Miguel Tinker Salas, professor de História Latino-americana da Pomona College, da Califórnia, uma campanha com Chávez doente será "complicada" para o chavismo.
"O projeto do governo continua baseando-se na lógica de que sem Chávez, não há chavismo".
Analistas concordam que ainda é cedo para prever a possível reação do eleitorado venezuelano diante da situação de saúde do presidente.
No ano passado, Chávez teve um aumento de cerca de 10 pontos em sua popularidade depois que foi diagnosticado com câncer.
Esse comportamento do eleitorado, no entanto, pode mudar.
"A experiência indica que a primeira reação popular diante de uma enfermidade é solidariedade, mas é eleitoralmente volátil", afirmou o analista Luis Vicente León, presidente da Consultoria Datanalisis.
A oposição espalha rumores de que a aliança chavista poderia solicitar ao Conselho Nacional Eleitoral o adiamento as eleições por alguns meses, o que daria a Chávez mais tempo para recuperação. O governo não confirma essa hipótese.
Unidade
Um dos desafios para o chavismo será manter a unidade no governo na ausência do presidente. Chávez deverá ser operado entre segunda e terça-feira e deverá permanecer alguns dias internado em um hospital, em Havana, durante a recuperação.
Assim como ocorreu no ano passado, quando foi operado para a retirada de um câncer, o presidente venezuelano disse que continuará governando, de Cuba. O vice-presidente Elias Jaua, deverá coordenar o gabinete.
Chávez pediu unidade aos membros do governo e disse que a população sabe o que fazer em caso de "dificuldade", sem especificar de que tipo.
"Tenho certeza de que vocês sabem. (…) O povo (sabe) o que tem que fazer diante de qualquer dificuldade", disse em transmissão por cadeia de rádio e tv.
O presidente venezuelano anunciou a equipe que estará encarregada da campanha e tornou pública quais serão as linhas de discussão durante o debate eleitoral.
"Temos que colocar ênfase nos êxitos da revolução. (…) Temos que demonstrar o que se perderia no futuro no caso nefasto de que a burguesia volte a governar a Venezuela", disse.
Apesar do visível esforço em demonstrar entusiasmo, era nítido o semblante de preocupação de Chávez e de todo seu gabinete na noite da quinta-feira. Ao se despedir da multidão, Chávez prometeu derrotar o câncer.
"Juro que viverei e os acompanharei rumo a novas vitórias", disse.