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Britânicos buscam virada “histórica” em relações com Brasil

Houve um tempo – entre o século XIX e início do século XX – que empresários britânicos desembarcavam no Rio de Janeiro com cartas geográficas brasileiras debaixo do braço e repletos de ideias para cortar o País de cima a baixo com ferrovias projetadas em Londres.

Demorou um século para a Grã-Bretanha voltar a enxergar o Brasil no mapa, mas, agora, interessados em usar os negócios com países emergentes como uma das alavancas para tentar sair da crise econômica, o governo e as empresas do país se dizem decididos a reverter – e rápido – o que o chanceler britânico William Hague definiu como os anos de "negligência" nas relações bilaterais.

É essa a promessa do primeiro-ministro britânico, David Cameron, que desembarca em São Paulo nesta quinta-feira para uma visita de dois dias ao Brasil. Cameron se encontrará com a presidente Dilma Rousseff, em Brasília, e terminará a viagem no Rio de Janeiro. Entre os temas a serem tratados na visita, estão as relações econômicas bilaterais, a cooperação para a organização dos Jogos Olímpicos no Rio e o programa Ciência sem Fronteira.

Ela ocorre em um momento em que as empresas britânicas aumentam seus investimentos no Brasil, em parte por terem identificado oportunidades de negócios por iniciativa própria, mas também em função do empurrão diplomático que a relação entre os dois países vem recebendo nos últimos anos, como nota Anthony Pereira, diretor do Instituto Brasileiro do King''s College. Para ele, as iniciativas de aproximação bilateral têm motivações tanto econômicas quanto políticas.

"Os britânicos estão investindo nas relações com os países emergentes, e, nesse grupo, o Brasil é identificado como o que tem valores mais próximos aos da Grã-Bretanha – é uma economia de mercado com uma cultura ocidental", disse Pereira à BBC Brasil. "Além disso, também é interessante para os britânicos ter um interlocutor na América Latina em um momento em que as relações estão tensas com países como a Argentina (por causa das Ilhas Falkland/Malvinas)", completa, fazendo a ressalva de que isso não quer dizer que o Brasil estaria disposto a virar um "garoto de recados" da Grã-Bretanha.

Visitas oficiais

Logo após assumir o poder, em 2010, o governo Cameron listou o Brasil como um dos países com os quais a Grã-Bretanha precisa reforçar seus laços. Desde então, representantes britânicos, entre eles Hague e o Príncipe Harry, fizeram mais de 30 viagens para a América Latina, sendo o Brasil seu principal destino.

O vice-premiê Nick Clegg visitou o País no ano passado – acompanhado de 40 empresários de setores como infraestrutura, petróleo e gás, serviços, biotecnologia, construção e energia. Na época, defendeu que os dois países deveriam voltar "ao século 19 para recuperar as bases de uma relação mais sólida" em uma declaração polêmica, pelo que alguns interpretaram como uma certa nostalgia com os anos do Império Britânico.

As relações hoje certamente são menos assimétricas do que no século 19, como ressalta Pereira. A Grã-Bretanha está metida na sua pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial e aposta nos negócios com economias emergentes para reativar sua economia. "Eles são os mais interessados na aproximação", diz o especialista.

A cooperação também ganhou impulso durante a Olimpíada de Londres, em julho, quando autoridades brasileiras foram convidadas para observar todos os aspectos da organização dos jogos – uma iniciativa que teve um desdobramento polêmico com a notícia de que funcionários brasileiros foram demitidos por terem coletado de forma indevida informações que seriam confidenciais.

Mas para Martin Raven, ex-cônsul britânico em São Paulo que hoje fornece consultoria para empresas interessadas em investir no mercado brasileiro, mais do que uma opção de governo, o maior foco nas relações com o Brasil é consequência da crise global e da evolução do cenário político e econômico do País. Para ele, voltar-se para o Brasil e para outros emergentes foi uma decisão natural tendo em vista a redução do crescimento de economias europeias e dos EUA. Antes de Cameron, a administração trabalhista já havia dado alguns passos para avançar na integração.

Tony Blair foi o primeiro chefe de governo britânico a visitar o Brasil em 2001. E, em 2006, os dois países formaram o Comitê Econômico e de Comércio Conjunto (JETCO na sigla em inglês). "O interesse britânico cresceu porque, nos últimos anos, as opções de investimentos em outros lugares foram reduzidas, ao mesmo tempo em que o Brasil adquiriu mais estabilidade política e econômica e aprimorou seus marcos regulatórios", diz Raven.

Ed Hudson, diretor-executivo da consultoria Ernst & Young, que recentemente coordenou um estudo sobre os negócios britânicos no Brasil, concorda. "No longo-prazo, o crescimento da classe média de países emergentes será um dos motores da economia mundial, então, é nesses mercados que as empresas britânicas precisam investir se quiserem sobreviver", diz, lembrando a recessão em que o país está mergulhado. Longo prazo

Nem as revisões para baixo nas estimativas sobre a expansão do PIB brasileiro em 2012 afetaram o entusiasmo britânico com o Brasil, segundo John Doddrell, Consul Geral da Grã-Bretanha em São Paulo e diretor no Brasil da agência de comércio e investimentos britânica (UKTI na sigla em inglês). "As autoridades e empresários britânicos estão interessadas em fortalecer as relações não só no curto, mas, principalmente, no longo prazo", disse Doddrell, explicando que o objetivo é mesmo promover uma virada "histórica" nas relações. "Por muitas décadas, as atenções da Grã-Bretanha estiveram voltadas apenas para a Europa, EUA e países da Commonwealth, mas, agora, isso está mudando."

Para o brasileiro Eric Striegler, economista do HSBC em Londres, o interesse britânico também sobreviveu ao reajuste de expectativas sobre o crescimento do PIB brasileiro por causa da performance de algumas áreas. "Setores como petróleo e gás, por exemplo, estão crescendo mais que o resto da economia e têm ótimas perspectivas no longo prazo", explica.

Para Pereira, há na Grã-Bretanha o reconhecimento de que o país perdeu muitas oportunidades de negócios no mercado brasileiro para competidores como a Espanha, Alemanha e França. "Agora, os britânicos estão correndo para alcançar esses europeus e, de quebra, também atrair investidores brasileiros para Londres", explica.

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