Clovis Rossi
Fonte: Folha de S. Paulo
O Itamaraty tem medo da irracionalidade que caracteriza o governo de Nicolás Maduro. Por isso mantém vergonhoso silêncio sobre a condenação do líder oposicionista Leopoldo López e também evita ser mais agudo na interferência na crise aberta pela Venezuela ao fechar a fronteira com a Colômbia.
Que há irracionalidade é óbvio. Repito: quem diz que recebe o antecessor na forma de um "pajarito", como o fez Maduro, não tem um problema ideológico, mas patológico.
O que o Itamaraty teme é que qualquer manifestação sua gere uma reação intempestiva que abra uma crise que acabe levando ao rompimento de relações.
É lamentável, porque a diplomacia brasileira abdica do papel de liderança que seu tamanho e qualidade exigiriam que exercesse. Parece covardia.
No caso das fronteiras, já fiz os comentários pertinentes.
Aqui é o caso de deixar claro por que a condenação de Leopoldo López é uma violência.
O líder opositor convocou protestos pacíficos em fevereiro de 2014 para tentar provocar "La Salida", ou seja, a defenestração de Maduro, usando os meios constitucionais, como o referendo revogatório.
Foi preso e, depois da prisão, os protestos se tornaram violentos e levaram à morte de 43 pessoas, a maioria da oposição, mas também alguns simpatizantes do governo e soldados.
López foi considerado terrorista por atos que ocorreram quando estava preso e incomunicável.
"A injustiça do julgamento é óbvia", escreve Juan Nagel, do sítio Caracas Chronicle, que lembra, por exemplo, que a acusação teve direito a 82 testemunhas contra apenas 2 da defesa.
A irracionalidade do regime é tamanha que a "testemunha-estrela" do governo Maduro foi a linguista Rosa Amelia Asuaje, que declarou inicialmente que López usara mensagens subliminares para convocar à violência.
Nenhuma surpresa: em um país cujo presidente fala com passarinhos, mensagens subliminares são prova, claro. Pior: quando questionada pela defesa, Asuaje disse que "nunca houve um apelo à violência por parte de López".
Países como Paraguai, Chile, Costa Rica e Peru já se manifestaram, condenando, como o fez o Paraguai, a falta do "devido processo", elemento civilizatório essencial nas democracias.
A reação venezuelana a uma diplomática observação chilena ajuda a entender o medo do Brasil à irracionalidade de Maduro e cia.
A nota de Caracas diz que o Chile deveria se preocupar em resolver "graves assuntos", como "a violação sistemática dos direitos humanos do povo mapuche" e a "impunidade dos autores de crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura" de Augusto Pinochet.
Pode-se até entender o medo, mas não dá para justificá-lo. Um vizinho truculento é tudo o que o Brasil dispensa neste momento de crise e de desconfiança de investidores internos e externos na economia do país.
Afinal, bem feitas as contas, é como diz o colunista de "El País", Jorge Martínez Reverte:
"Apoiar Maduro e sua gente é apoiar uma variante do fascismo".
A omissão brasileira acaba sendo um apoio a essa péssima companhia.
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