O ambiente é inóspito, gelado e remoto. Ainda assim, a Antártica atrai o foco de cientistas do mundo inteiro dedicados a entender o clima do planeta. E agora os brasileiros avançam na conquista do continente gelado: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) se prepara para instalar um módulo de pesquisa independente no interior da Antártica.
A complexidade da operação foi bem definida por um dos pesquisadores do grupo: "Ir para o interior da Antártica é o mais próximo que existe de ir para fora do planeta", disse Márcio Capaldo, pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Os cientistas preparam os equipamentos tentando prever todos os desafios de operação num território onde a temperatura no inverno chega a 65ºC negativos.
Batizado de Criosfera 1, o módulo se assemelha a um contêiner marítimo e está programado para funcionar sem a presença humana. Painéis solares e turbinas eólicas irão gerar energia para a coleta de informações. "Iremos registrar dados meteorológicos 24 horas por dia", explicou à Deutsche Welle o pesquisador do Inpe Marcelo Sampaio, que chefia o projeto.
Reflexo do planeta
Essa é a primeira vez que o Brasil marca presença permanente no interior antártico – o Criosfera 1 será instalado na latitude 85ºS, a cerca de 500 quilômetros do Polo Sul. "Não existe muita informação sobre essa região da Antártica. A coleta de dados nesse local não é uma necessidade brasileira, mas de toda a comunidade científica", conta Cataldo.
O imenso território antártico, com 14 milhões de quilômetros quadrados, é um continente destinado à paz e a ciência – assim reza o Tratado Antártico, assinado em 1975. Cerca de 50 estações de pesquisa ocupam uma parte muito pequena da Antártica e estão localizadas principalmente na costa. A estação brasileira, chamada de Comandante Ferraz, funciona desde 1982 e recebe recursos do Programa Antártico Brasileiro, do Ministério da Ciência e Tecnologia. As pesquisas ocorrem em condições desfavoráveis: 98% do território é coberto por gelo e neve.
O objetivo das pesquisas no continente antártico é, de uma maneira geral, refletir as condições climáticas do planeta como um todo – simplesmente porque a informação colhida na região é "limpa". "Isso porque a Antártica tem o mínimo de influência humana, sofre um isolamento em relação à civilização, o que chega ali pode ser reflexo de um processo mais global", diz Cataldo.
Resfriamento e aquecimento
Uma das perguntas que intrigam os cientistas é a diferença de temperaturas entre o lado ocidental e oriental da Antártica. "O lado leste, voltado para a Austrália, tem uma tendência de temperatura negativa, de queda. No lado oeste, a temperatura está subindo. E isso não é bem compreendido pela comunidade científica", diz Cataldo.
O módulo brasileiro será instalado exatamente nessa região de transição, entre o resfriamento e o aquecimento. Na região de península, mais suscetível ao que está acontecendo nos trópicos do que o centro do continente, as temperaturas estão se elevando.
O Criosfera 1 terá um medidor de CO2, um dos responsáveis pelo aquecimento global, e um medidor de black carbon, ou fuligem. As duas partículas estão associadas ao derretimento do gelo – por ser preta, a fuligem absorve mais calor e faz com que a neve derreta mais fácil. "Analisando a concentração de gás carbônico na região é possível saber como esse gás chega lá", comenta Cataldo sobre a importância da pesquisa.
As informações sobre a concentração de CO2 na área do Criosfera 1 serão enviadas via satélite para a sede do Inpe. Os demais dados ficarão armazenados no módulo e serão resgatados em um ano, no próximo verão do continente.
Operação complexa
Os trabalhos de preparação do Criosfera 1 devem ser concluídos até o fim de setembro na sede do Inpe, em São José dos Campos, São Paulo. O módulo, então, vai para o Rio de Grande do Sul, de onde seguirá viagem, em avião de carga, para a latitude 85ºS.
De acordo com Sampaio, a operação de instalação já no interior antártico deve levar 15 dias. O Criosfera 1 deve permanecer na região "enquanto todos os equipamentos funcionarem". O módulo foi comprado de uma empresa sueca e foi adaptado para operar nas condições de inverno do continente gelado.
As informações produzidas pelo Criosfera 1 irão contribuir com as pesquisas da estação brasileira de Comandante Ferraz. Os estudos do Inpe, além de outras instituições brasileiras dedicadas à Antártica, enfocam temas como dinâmica da atmosfera, camada de ozônio, meteorologia, radiação ultravioleta e transporte de poluição.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Alexandre Schossler