Por Fernando Exman
De Adis Abeba (Etiópia)
A participação da presidente Dilma Rousseff no sábado como representante da América Latina nas comemorações do Jubileu de Ouro da União Africana coincide com uma reflexão feita no governo: o Brasil deve calibrar sua estratégia de aprofundamento das relações com o continente. Desde a administração Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil tenta impulsionar um diálogo intercontinental, entre América do Sul e África, para dar maior força institucional à iniciativa. Aos olhos de algumas autoridades brasileiras, porém, os países sul-americanos em geral não vêm aderindo à ideia com o entusiasmo esperado.
Desde 2003, o Brasil praticamente dobrou seus postos no continente. Ao mesmo tempo, Brasília observou um crescimento no número de representações africanas instaladas nos setores reservados na capital federal às embaixadas estrangeiras. Lula e Dilma também viajaram mais à África. Mas o mesmo não ocorreu com os demais países sul-americanos.
Não passou despercebida no Brasil, por exemplo, a participação tímida dos países vizinhos na cúpula América do Sul-África (ASA), realizada neste ano na Guiné Equatorial.
"Nosso engajamento com a África é de longo prazo e tem um sentido estratégico", discursou Dilma durante as celebrações do 50º aniversário da União Africana, após anunciar o perdão de dívidas de países africanos, a criação de uma nova agência de cooperação e mais crédito à região. Os discursos de Dilma e de outros líderes mundiais ocorreram a uma plateia esvaziada, depois que o evento atrasou mais de uma hora e meia. A situação deixou a presidente contrariada. Momentos antes de subir ao palco, um áudio vazou à imprensa brasileira. "Eu não vou lá", chegou a dizer Dilma.
O governo federal atribui à decisão de aprofundar as relações com a África o incremento exponencial do fluxo comercial com a região e a diversificação de mercados para os produtos brasileiros. Nas contas do Ministério do Desenvolvimento, as vendas do Brasil para o continente africano cresceram de US$ 2,9 bilhões para US$ 12,2 bilhões de 2003 a 2012. Por outro lado, a África tornou-se um importante fornecedor de petróleo e fertilizantes do Brasil.
De acordo com o levantamento mais recente feito pelo Departamento de África do Itamaraty, com 37 embaixadas, o Brasil é o oitavo país com o maior número de postos instalados na África – o quinto, se excluídos os países do próprio continente. Desse total, 20 foram criadas desde 2003. Entre os que se encontram à frente do Brasil estão países africanos ou integrantes permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), como EUA (49), China (48), França (46) e Rússia (38).
Na América Latina, o Brasil é seguido por Cuba, que mantém com grande esforço suas 30 embaixadas devido a vínculos históricos e culturais com a África, além do apoio cubano às lutas dos países do continente contra o colonialismo e ao esforço de Havana de intensificar as relações com outros países em desenvolvimento. Destaca-se também a Venezuela, com 18 embaixadas na África. Países que não possuem uma herança africana mais marcante têm uma menor presença no continente, como Argentina (9), México (7), Chile (5), Peru (4) e Colômbia (3).
Diplomatas brasileiros notaram um recente aumento do interesse da Argentina na África devido à necessidade do país vizinho em diversificar seus parceiros comerciais. Chama também a atenção do governo o caso da Turquia, que num esforço para aprofundar suas relações com a África abriu nos últimos anos 20 embaixadas no continente. Tal movimento se deu no mesmo período em que o Brasil decidiu estreitar contatos com os africanos.
Apesar do esforço brasileiro, integrantes do governo reconhecem que o poderio econômico da China tornou-se imbatível e defendem mudanças da atuação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e da Embrapa na região.
A presença chinesa na África é cada vez maior. Não só em número de embaixadas, mas no financiamento de obras, compra de recursos naturais e participação de suas empresas no processo de desenvolvimento econômico do continente. A suntuosa sede da União Africana, onde será realizada parte das comemorações dos 50 anos da organização, é um exemplo da investida chinesa: o edifício foi um presente do governo chinês aos países africanos. O regalo, que destoa das precárias condições da maioria dos edifícios de Adis Abeba, custou US$ 200 milhões.