O Itamaraty acusa os Estados Unidos de serem responsáveis pela crise na Organização Mundial do Comércio (OMC) por exigir a total abertura dos mercados do Brasil, da China e da Índia no setor industrial. O governo brasileiro indica que, pela primeira vez, já se pensa em alternativas à negociação lançada há uma década.
Na prática, a busca por um Plano B é abandonar o ambicioso projeto da Rodada Doha e salvar pelo menos a credibilidade da OMC. Uma das ideias que circula em Genebra seria optar, por enquanto, por fechar tratados menores em setores onde exista algum tipo de entendimento.
"A percepção do Brasil é de que, se não houver flexibilidade por um dos membros, o hiato de fato não é superável", afirmou Roberto Azevedo, embaixador do Brasil na OMC. "Se não podemos quebrar o impasse, a próxima questão é se podemos fazer alguma coisa para salvar o que já foi feito", indicou, apontando que por ora não existem negociações concretas sobre isso. "São apenas ideias que estão circulando."
Azevedo garante que o Brasil não está fazendo a proposta de dividir a negociação em parcelas, nem é o promotor da ideia de adiar algumas das decisões mais difíceis por alguns anos. O Itamaraty, porém, não esconde que uma das preocupações é com a credibilidade da OMC. "Temos de ver como dar espaço para que a organização continue trabalhando em temas da agenda atual", disse Azevedo.
Atropelo. Nas 600 páginas do acordo divulgado ontem, que resumem os dez anos de negociação, o que fica claro é que o mandato negociador aprovado em 2001 foi atropelado pela realidade. Os emergentes deixaram de ser apenas promessas. O valor dado à negociação também passou a ser outro diante da crise global e da atual transformação dos preços das commodities.
Para os países emergentes, o que os Estados Unidos pedem hoje não condiz com a realidade. Para fazer concessões no setor agrícola, os americanos estariam exigindo uma abertura profunda das economias de Brasil, China e Índia na área industrial.
Só no caso do Brasil, por exemplo, o governo dos Estados Unidos exige o fim de tarifas de importação para um terço dos produtos – 3,2 mil linhas tarifárias. China, Índia e Brasil chegaram à conclusão de que não há como continuar negociando com a Casa Branca nessas condições.
Nos bastidores, não é só o Brasil que fala em "explorar cenários". Diversos governos começaram a pensar em opções para abandonar a Rodada Doha e fechar acordos setoriais com impacto positivo para o comércio.
Uma das ideias seria fechar um acordo apenas na área de facilitação de comércio, reduzindo burocracias e procedimentos aduaneiros. Outra opção seria fechar um acordo sobre normas de comércio e não sobre o corte de tarifas. Azevedo, porém, insiste que essas conversas ainda não foram iniciadas formalmente.
Já o governo americano diz que essa é a única forma de negociar. "Ninguém se beneficiou mais da liberalização comercial nos últimos dez anos que China, Índia e Brasil", afirmou o representante de Comércio da Casa Branca, Ron Kirk. "Mas com esses ganhos vêm também a responsabilidade."
Para aceitar um acordo, Washington exige a eliminação de tarifas sobre produtos químicos, automotivos, eletrônicos e outros 11 setores industriais. No caso do Brasil, os americanos pedem para acabar com as tarifas de um terço das linhas de importação, principalmente em setores como eletrônicos, máquinas e químicos. Nem a Fiesp nem o governo aceitaram.
O diretor da OMC, Pascal Lamy, admite que, no ponto em que estão hoje, as diferenças bloqueiam um progresso na rodada e "colocam sérias dúvidas sobre a conclusão neste ano". Para superar essa diferença, Lamy deixa claro que não bastará o trabalho de técnicos. Para ele, a diferença é "política".
Fora dos 14 setores que os americanos querem liberalização total, um acordo ainda está distante no restante dos produtos industriais. Os países emergentes alegam que, sem espaço para manter as tarifas, não têm como aceitar uma rodada que teria como objetivo gerar desenvolvimento.
Com o real forte e a invasão de importações, o governo brasileiro diz que não tem espaço para promover uma queda de tarifas. Na agricultura, o acordo está defasado. Os ganhos obtidos pelos exportadores brasileiros com a alta no preço das commodities foi muito superior à redução de tarifa de importação que receberiam da Europa e dos EUA.
Alternativa
ROBERTO AZEVEDO – EMBAIXADOR DO BRASIL NA OMC
"Se não podemos quebrar o impasse, a próxima questão é se podemos fazer alguma coisa para salvar o que foi feito. São apenas ideias que estão circulando."