Luiz Felipe Lampreia
Cerca de 20 anos atrás, um importante ministro argentino surpreendeu um embaixador recém-chegado do Brasil, dizendo-lhe que "a Argentina é pródiga em três coisas: carne, trigo e em tomar atitudes insanas". A decisão de expropriar 51% da YPF, maior empresa energética argentina, braço da empresa espanhola Repsol é um desses gestos. Somada à sua desconsideração em relação aos credores estrangeiros e ao crescente e arbitrário protecionismo que desrespeita todas as regras mundiais e regionais, a decisão tomada pela presidente Cristina Fernández de Kirchner leva a Argentina para mais perto de ser considerado internacionalmente como um país sem lei.
Quaisquer que sejam seus benefícios e popularidade no curto prazo, gestos de tal gravidade sempre implicam graves consequências de longo prazo. Em particular, criam o risco de isolar um país dos principais fluxos de crédito, investimento e comércio – ou seja, todas as atividades que geram oportunidade econômica e prosperidade.
Maus governos são sempre orientados por seu anseio de um surto imediato na popularidade, independentemente dos custos futuros. Governos argentinos vem fazendo disso um hábito desde que Juan Domingo Perón chegou ao poder em 1946.
Com efeito, como resultado da decisão de Cristina, a Argentina agora se encontra em ostracismo internacional nos mercados de energia e financeiros. Impossibilitada de prover qualquer investimento ou recursos tecnológicos e know-how para explorar as reservas da YPF, seu governo precisará convidar outros para preencher o vazio financeiro e tecnológico criado pela exclusão forçada da Repsol. Mas qualquer empresa internacional que participe da exploração dos bens expropriados da Repsol poderá enfrentar sérios problemas legais.
A Petrobras, gigante brasileira no setor energético e uma das maiores companhias do mundo, foi publicamente convidada a expandir sua produção na Argentina mediante novos investimentos. A Petrobras, com os seus interesses em todo o mundo, nunca poderia aceitar esse convite, especialmente em vista de seu esforço para obter o financiamento de que necessita para explorar as imensas reservas brasileiras de petróleo no mar.
Comenta-se que a Sinopec, segunda maior empresa petrolífera chinesa, manteve discussões com a Repsol para adquirir uma parte substancial de seus ativos na Argentina. Agora, todas as alternativas estão fora de questão. Como disse à Reuters uma fonte chinesa não identificada, "essa é uma situação complicada para qualquer empresa, tendo em vista as medidas tomadas pelo governo. Para mim, seria suicídio político permitir a uma empresa chinesa prospectar os direitos de controle sobre a YPF, após o anúncio de estatização".
A Repsol foi severamente prejudicada pela ação de Cristina, tendo perdido cerca de 50% de sua capacidade produtiva e um terço de sua receita. O governo da Espanha, indignado, promete vigorosa retaliação, e com certeza terá o apoio político da União Europeia. Mas é difícil imaginar que medidas poderão efetivamente levar Cristina a reconsiderar [sua decisão]. Afinal de contas, uma vez que tudo isso era previsível, e que os investidores estrangeiros agora ficarão mais reticentes em entrar no mercado, ela claramente calculou que os benefícios políticos superariam largamente os custos econômicos.
Mas isso depende muito de a estatização resultar em aumento da produção. Parece claro que isso não acontecerá, a menos que o governo decida injetar enormes recursos fiscais na YPF à custa de outras necessidades prementes. Uma vez que isso é improvável, é inevitável uma escassez no suprimento.
O petróleo desperta grande fascínio popular. Para países que o possuem em abundância, é um dos pilares mais sólidos e centrais de nacionalismo. E é, em toda parte, o motivo real ou imaginário de muitas guerras – o "ouro negro" que alimenta e desperta a cobiça. Para aqueles governantes que não se importam se suas vitórias são de Pirro, é também um recurso de fácil acesso para manipular a imaginação pública com as teorias da conspiração e posturas patrióticas.
O governo de Cristina tem emitido sinais de que está determinado a continuar em seu curso errático, não apenas criando caos na economia, mas também marginalizando o país aos olhos da comunidade internacional. Mas decisões como essa, que por vezes parecem começar bem, invariavelmente, terminam mal.
Pessoalmente, estou profundamente entristecido com o fato de a Argentina ter enveredado nesse terreno de erros e ilusões. É um grande país, com pessoas sofisticadas e extremamente bem-sucedidas em todos os campos. Para o Brasil, não pode haver satisfação em ver um vizinho tão próximo distanciar-se do direito internacional e envolver-se em aventuras perigosas, em última instância em detrimento de seu próprio povo. (Tradução de Sergio Blum.)
Luiz Felipe Lampreia foi ministro de Relações Exteriores do Brasil no governo de FHC (1995-2001).