PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO
Fechar embaixadas e consulados do Brasil no exterior seria um "retrocesso impraticável", apesar do aperto orçamentário que tem deixado alguns postos sem dinheiro até para pagar a conta de luz.
Essa é a opinião do ex-chanceler Celso Amorim, que, com o ex-presidente Lula, ampliou expressivamente o número de diplomatas no Itamaraty e os postos no exterior.
Para ele, é "esquisito" que o Brasil tenha deixado de participar ativamente na política internacional. Amorim lança em março o livro "Teerã, Ramalá e Doha "Memórias da Política Externa Ativa e Altiva", em que conta bastidores de negociações. Abaixo, trechos da entrevista que o ex-ministro deu à Folha
Brasil e Turquia negociaram um acordo nuclear com o Irã em 2010. Mas ele não foi aceito por países como os EUA. O fato de o Brasil ter costurado o acordo mudou a estatura internacional do país?
Celso Amorim – Na época, vários analistas diziam que, independentemente de o acordo ser ou não seguido, o
Brasil demonstrou sua capacidade de ação internacional de mediação. O próprio fato de hoje discutirem um acordo provisório indica isso. Nós mostramos que era possível.
Lula se sentiu traído por Obama porque os EUA incentivaram a mediação do Brasil e, na hora H, tiraram o corpo fora?
Falo só em meu nome. Não estava fora dos nossos cálculos que pudesse acontecer, mas achávamos que, diante de um acordo exatamente nos termos que haviam sido solicitados, não ocorresse.
Não fizemos isso em momento algum para ser bonzinhos com o Irã. Temos interesses na relação com o Irã, como todo mundo. São quase 80 milhões de habitantes, grande produtor de petróleo.
Em uma entrevista em 2010, o senhor me disse que uma autocrítica que faria era a falta de estratégia do Brasil para lidar com a China. O que o sr. teria feito diferente?
Não é que tenhamos negligenciado: o presidente foi à China várias vezes. Mas, no último ano e meio, dei relativamente pouca atenção à China. A gente deve ter uns dez consulados nos EUA e deveríamos ter, no mínimo, o mesmo na China.
Inclusive nos EUA há vários consulados sem dinheiro para pagar a conta de luz…
Isso eu não vou comentar… mas, voltando à China, talvez pudéssemos ter feito mais. Assinamos um acordo de cooperação em defesa com a China recentemente. Nessa área, temos que cooperar com todos os BRICs.
Muita gente condena o fato de o Brasil ter apostado tudo na rodada multilateral da OMC.
Nós e a torcida do Flamengo apostamos na OMC. E a coisa que mais interessava ao Brasil eram os subsídios agrícolas, e isso só seria resolvido na rodada multilateral.
Não sou contra acordo com a União Europeia, mas ainda acho que o acordo multilateral é essencial ao Brasil. É preciso ver se a UE fará concessões e se as exigências que farão não liquidam qualquer possibilidade de política industri al ou tecnológica.
No livro, o senhor elogia o ex-presidente George W. Bush e critica Barack Obama. Para o Brasil, qual deles foi melhor?
A atitude mais pacifista do Obama é muito positiva, apesar das idas e vindas, como no caso do Irã. Mas o Bush era mais direto, tinha diálogo franco, e no Obama eu nunca percebi a mesma confiança.
O sr. diz que Lula tinha muito clara a importância da política externa. Como era o relacionamento entre vocês dois?
Eu sentia que tinha a confiança do presidente e, se por acaso fizesse algo que não correspondia, ele diria "ô, Celso, o que que é isso?", e a gente ia discutir e pôr tudo em pratos limpos. Ele se interessava por política externa.
E com a presidente Dilma, como era o relacionamento?
Pessoal? Muito bom, gosto muito da presidenta.
Mas era um estilo diferente?
Ela é a presidenta. A pessoa é que precisa se adaptar a ela, e não vice-versa.
Há a discussão sobre a necessidade de fechar postos no exterior, já que não há orçamento…
Não acredito que isso ocorra. Seria um retrocesso impraticável para um país como o Brasil. Os postos no exterior são essenciais, têm efeito multiplicador. Cresceu muito o volume de negócios do Brasil nos países árabes, na África. A escolha do Brasil para ser sede da Olimpíada, a eleição do Roberto Azevêdo na OMC, José Graziano na FAO. Um pouco de dinheiro isso envolve. Mas dentro do Orçamento da União é mínimo.
Em 2014, o Brasil foi convidado a uma reunião sobre a guerra na Síria, mas Dilma não enviou o então chanceler. Um diplomata estrangeiro disse estranhar que o Brasil lute para ter lugar à mesa e não vá.
Também acho muito esquisito. Fui numa conferência até sobre Afeganistão. Mas estou otimista, tenho muita confiança no [atual chanceler] Mauro Vieira.
Nota DefesaNet
Mai uma tentativa do Ex-chanceler Celso Amorim reescrever sua participação na História.
O editor