As consultas governamentais entre os dois países já foram expressão de relacionamento próximo. Agora, os laços se encontram ofuscados pela rivalidade sistemática – mas pelo menos ainda há um diálogo.
“Agindo juntos de forma sustentável”. Esse é o lema das consultas governamentais entre Alemanha e China, para as quais o primeiro-ministro da China, Li Qiang, chega a Berlim nesta segunda-feira (19/06) com grande parte de seu gabinete.
No que diz respeito a pontos em comum, a distância entre Pequim e Berlim parece estar diminuindo. Isso ficou evidente na mais recente reunião entre um membro do gabinete alemão e um representante do governo chinês – o encontro entre o ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, e seu homólogo, Li Shangfu, à margem de uma conferência de segurança em Cingapura. A reunião abordou um recentemente revelado programa de treinamento da força aérea chinesa – com a participação de ex-pilotos de caça alemães. Em palavras muito claras, Pistorius pediu “que essa prática seja encerrada imediatamente”.
Thorsten Benner, do think tank berlinense German Public Policy Institute (GPPI), vê no incidente “uma indicação de que precisamos estar atentos. Porque Pequim usa todas as oportunidades para obter acesso a tecnologias ou capacidades críticas a fim de fortalecer sua própria base industrial e militar”.
Cresce a área de atrito
Seja a obtenção de tecnologia, a adesão de Pequim à sua “sólida amizade” com Moscou apesar da invasão russa na Ucrânia, as crescentes tensões no Estreito de Taiwan, a repressão da minoria uigur na China: as áreas de atrito estão crescendo. E é intensificado pela rivalidade geopolítica da grande potência emergente com os EUA.
Ao mesmo tempo, a China continua sendo o parceiro comercial mais importante da Alemanha, pela sétima vez consecutiva. Em 2022, o fluxo comercial chegou a quase 300 bilhões de euros – com um enorme déficit do lado alemão de mais de 80 bilhões de euros.
A relação não é apenas significativa, mas também complexa. Toda a natureza contraditória das relações entre a Alemanha e a China já está evidente no fato de que os documentos oficiais se referem à China como parceira, concorrente e rival estratégica ao mesmo tempo.
No passado, Berlim havia enfatizado o aspecto da parceria. As consultas governamentais – que existem desde 2011 – são um testemunho disso: esse diálogo intergovernamental de alto nível só é realizado com parceiros particularmente próximos. Em 2014, as relações entre a Alemanha e a China foram até mesmo elevadas à categoria de “parceria estratégica abrangente”. Mas, desde então, o clima mudou – em Berlim e em outras capitais europeias. A natureza das relações mudou claramente para a rivalidade estratégica.
Isso também terá um impacto na 7ª rodada de consultas governamentais, espera Barbara Pongratz, do think tank Merics, com sede em Berlim. “O governo alemão quer dizer adeus ao ‘business as usual'”, diz a especialista em relações germano-chinesas. “Há sinais de que as consultas do governo serão acompanhadas por comparativamente poucos sinais públicos e sem o anúncio de grandes contratos comerciais.”
O novo estilo da política alemã para a China já estava perceptível no acordo da coalizão de governo, firmado entre sociais-democratas, verdes e liberais. A China é mencionada 12 vezes no documento. Classificada também como rivalidade estratégica – e cooperação com parceiros europeus. “Para viabilizar nossos valores e interesses na rivalidade sistêmica com a China, precisamos de uma estratégia abrangente para a China na Alemanha dentro da estrutura da política conjunta UE-China. Queremos seguir com as consultas intergovernamentais e torná-las mais europeias”, diz o texto.
Sem estratégia para a China
“Mas não existe de fato um debate real sobre a europeização das relações da Alemanha com a China, a estratégia para a China ou a consulta governamental “, critica Pongratz. Além do fato de que a estratégia anunciada para a China ainda nem sequer estar disponível. Ela deve se basear na recém-lançada Estratégia de Segurança Nacional. Também devido a diferenças de opinião dentro da coalizão.
O cientista político Eberhard Sandschneider considera o atraso dessa estratégia alemã para a China “bastante favorável” no que diz respeito ao clima das conversas. “Se um documento excessivamente crítico em relação à China fosse publicado agora, certamente teríamos que supor que a autoconfiança chinesa levaria ao cancelamento das consultas”, diz o especialista em China. E acrescenta: “E todo mundo sabe, inclusive os chineses, que o governo alemão tem diferenças internas sobre o tema.”
Divergências dentro do governo
Não é de se admirar: a disputa está sendo travada publicamente. Especialmente entre os verdes, que afirmam ser orientados por valores e adotam um tom duro em relação à China, e o Partido Social-Democrata (SPD), que também está de olho nos interesses econômicos. Enquanto, por exemplo, a ministra do Exterior Annalena Baerbock,dos verdes, buscou uma troca aberta de críticas a seu homólogo Qin Gang durante uma visita a Pequim em abril, a ala conservadora da bancada parlamentar do SPD publicou um documento de posicionamento sobre a política alemã para a China. Nele, os parlamentares pedem uma política pragmática e alertam contra uma estratégia anti-Pequim.
Barbara Pongratz ressalta que foram percebidas grandes diferenças entre Baerbock e o chanceler federal alemão, o social-democrata Olaf Scholz, e que a política partidária tem influenciado a política alemã em relação à China. “Se você ouvir com atenção, perceberá que há diferenças de tom. Mas em suas mensagens eles não diferem tanto”, avalia a especialista em China.
Nas consultas de governo, é Scholz que tem a presidência. O que talvez contribua para um tom amigável, apesar de toda a dureza do assunto. Sandschneider, especialista em China, tem poucas expectativas concretas de resultados tangíveis. Para ele, o mais importante é que as consultas ocorram – depois de três anos sem encontros pessoais em grande escala. “Concordo com os colegas chineses com quem converso: é urgente eles se reunirem novamente. E não apenas nas sessões oficiais da conferência, mas também nos famosos intervalos para o café, para trocarem uma palavra pessoal uns com os outros. Isso muda a atmosfera.” E talvez torne possível uma “ação sustentável conjunta”, pelo menos em alguns pontos.