Inteligência alemã diz que operações de espionagem da Rússia no país aumentaram em 2022 e devem crescer mais neste ano. Enquanto isso, extrema direita alemã explora oposição à ajuda militar à Ucrânia, afirma relatório.
O Departamento Federal de Proteção da Constituição da Alemanha (BfV), agência de inteligência interna do país, alertou que as operações russas de espionagem e desinformação em solo alemão aumentaram significativamente em 2022, e devem continuar crescendo também neste ano.
Um relatório divulgado pelo BfV nesta terça-feira (20/02) afirma que a Rússia vem demonstrado interesse cada vez maior nas campanhas de desinformação. O documento também menciona a China como um dos “principais atores” nas atividades de espionagem na Alemanha.
“No futuro, podemos esperar ações mais clandestinas e agressivas por parte da Rússia, assim como atividades no ciberespaço”, diz o relatório. Segundo o texto, os ciberataques seriam “destinados regularmente à obtenção de informações, mas também podem ter como objetivo a sabotagem ou servir o propósito de exercer influência.”
“A guerra da Rússia contra a Ucrânia também significa um ponto de inflexão para a segurança interna”, afirma a ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, na introdução do relatório. “Especialmente em tempos de guerra, as lideranças no Kremlin se apoiam no trabalho dos serviços de inteligência.”
“O relatório do BfV destaca mais uma vez os perigos para a segurança interna da Alemanha: espionagem, operações cibernéticas e tentativas de serviços externos de inteligência de exercer influência se tornaram mais irrestritas e sofisticadas”, declarou o presidente do órgão, Thomas Haldenwang.
As atividades da China, no entanto, estariam mais voltadas à coleta de informações sobre a indústria alemã, assim como instituições científicas e militares.
“Em 2022, suspeitos de serem agentes do Estado ou orientados pelo Estado chinês continuaram a perpetrar ciberataques a empresas, agências governamentais e indivíduos, assim como a instituições políticas”, diz o relatório.
Cresce o extremismo de direita
O BfV também registrou um aumento no número de extremistas de direita na Alemanha, que chegou a 38.800 em 2022 – em 2021, eram 33.900 –, dos quais 14.000 são considerados potencialmente violentos.
A agência também destacou que os movimentos de extrema direita mudaram o foco com que operam em público. O relatório apontou que, enquanto no início de 2022 esses grupos ainda instrumentalizavam os protestos contra as restrições impostas na pandemia de covid-19, no final do mesmo ano eles tentavam explorar a oposição à ajuda militar alemã à Ucrânia e uma potencial crise energética.
Uma vez que esses temas fracassaram em conquistar apoio do público mais amplo, a extrema direita, segundo o relatório, voltou a se dedicar a instigar sentimentos anti-imigração.
Segundo as pesquisas, o maior partido de ultradireita do país, a Alternativa para a Alemanha (AfD), tem atualmente cerca de 20% de apoio entre os eleitores, sendo este o percentual mais alto obtido pela sigla em muitos anos. O BfV estima que cerca de 10.200 dos 29.000 apoiadores da legenda sejam extremistas.
No ano passado, um tribunal alemão autorizou o BfV a exercer vigilância sobre a AfD, ao concluir que há indícios suficientes de aspirações anticonstitucionais dentro do partido.
Apesar de o BfV não comentar questões políticas publicamente, o presidente Haldenwang se viu no papel de fazê-lo. “Vemos dentro do partido [AfD] correntes significativas que se opõem à ordem democrática fundamental. O que quer dizer isso?”, perguntou a jornalistas durante uma coletiva de imprensa em Berlim nesta terça-feira.
“Talvez os eleitores devam observar isso. Isso significa que partes da AfD disseminam ódio e agitações contra todos os tipos de minoria aqui na Alemanha, especialmente os migrantes. Partes da AfD também espalham opiniões antissemitas”, alertou.
Haldenwang disse ainda que setores da AfD estariam sendo “fortemente influenciados por Moscou”.
Extremismo de esquerda também preocupa
Embora Faeser e Haldenwang tenham enfatizado que a extrema direita segue sendo a maior ameaça à democracia alemã, o BfV também registrou um aumento no número de extremistas de esquerda no país. Eles chegaram a 36.500 em 2022 – ante 34.700 no ano anterior –, sendo mais de um quarto deles considerados potencialmente violentos.
Haldenwang afirmou que a agência está de olho em “grupos pequenos e clandestinos que atacam especialmente extremistas de direita”, mas também naqueles que “enxergam o aparelho de Estado como inimigo, levando a atos de violência brutais contra as forças policiais”.
O presidente do BfV disse que uma garrafa contendo um líquido inflamável e explosivo foi atirada contra policiais em um protesto de extrema esquerda em Leipzig, o que os promotores locais consideram uma tentativa de assassinato.
Ambentalistas fora da lista
Por outro lado, um grupo que sequer foi mencionado nas 380 páginas do relatório é o Letzte Generation (Última Geração), o coletivo de ativistas do clima que vem realizando atos com perturbações cada vez maiores da ordem pública nos últimos meses.
Apesar de a polícia alemã ter realizado operações em todo o país contra o grupo, com a prisão de vários membros antes que pudessem realizar suas intervenções, Haldenwang disse que o BfV não os considera extremistas.
“Vemos um quadro heterogêneo no movimento dos ativistas do clima”, explicou. “Em grande parte, vemos pessoas que atuam por mais proteção ao clima, que utilizam seus direitos básicos para protestar, o que está sob a proteção da Constituição. Por outro lado, temos pequenos grupos que agem claramente de maneira extremista. O Letzte Generation se encontra em algum lugar dentro desse espectro.”