Der Spiegel – Traduzido por UOL
Markus Dettmer, Isabell Hülsen, Peter Müller,
Alexander Neubacher, Michael Sauga e Janko Tietz
A Alemanha gasta mais com as famílias do que a maior parte dos países europeus, mas sua taxa de natalidade está caindo. Um estudo encomendado pelo governo ao qual o "Spiegel" teve acesso argumenta que a maior parte do dinheiro está sendo desperdiçado. Em vez dos complicados benefícios e descontos tributários, o governo precisa urgentemente investir em creches e pré-escolas.
O estudo comissionado pelo governo alemão chegou a um veredito condenatório dos esforços do país para impulsionar seu baixo índice de natalidade, dizendo que bilhões de euros estão sendo desperdiçados em complexos benefícios e alívios fiscais que são em grande parte ineficazes e, em alguns casos, contraproducentes.
A maior economia da Europa gasta cerca de 200 bilhões de euros (em torno de R$ 600 bilhões) por ano para auxiliar as famílias e seus filhos – ou seja, quase dois terços do orçamento federal. Mas seu índice de natalidade, de 1,39 nascimento por mulher entre 15 e 49 anos, continua entre os mais baixos da Europa e se compara com a média da OECD (organização que reúne países desenvolvidos) de 1,74.
O número de nascimentos na Alemanha caiu para uma baixa recorde e foi de apenas 663.000 em 2011, 72.000 a menos do que na década anterior.
O governo alemão encomendou há cinco anos um estudo detalhado da relação de custo-benefício de suas políticas de apoio às famílias. O conselho de especialistas, liderado pela firma de consultoria de Basel Prognos, redigiu um relatório de 66 páginas ao qual o "Spiegel" teve acesso.
Suas conclusões podem abrir um enorme campo de batalha na campanha eleitoral deste ano, porque são um indiciamento dos 60 anos da política alemã para as famílias. Governos sucessivos, seja de centro-direita, de centro esquerda ou de grandes coalizões, ao que parece, erraram. E algumas das medidas mais custosas muitas vezes são as que dão os menores benefícios.
O estudo é uma leitura esclarecedora para os que se perguntam por que a Alemanha está consistentemente entre os países internacionais que mais gastam em fomento às famílias enquanto sua taxa de natalidade e perspectivas de emprego para as jovens mães ficam entre as mais baixas.
O governo prometeu divulgar as conclusões no atual mandato parlamentar. Mas as autoridades não parecem mais ter mais essa pressa e talvez só as publiquem antes das eleições gerais em setembro. Um dos motivos pode ser porque o estudo dá base aos pedidos dos sociais democratas e verdes para uma forte expansão das creches e escolas de tempo integral, assim como de limites para as isenções fiscais para casais.
Noções antiquadas da vida em família
As conclusões do estudo vão na contramão da visão tradicional do ideal de família ainda mantido por muitos no partido conservador da chanceler Angela Merkel, União Democrática Cristã: o pai ganha o dinheiro, a mãe fica em casa e cuida dos filhos. Isso, segundo os especialistas, não pode mais servir de base para as políticas modernas.
A mais recente iniciativa politica do governo causou intensa controvérsia, com os partidos da oposição dizendo que estava transportando a Alemanha de volta aos anos 50. Lançada com a insistência do partido conservador da Baviera associado ao CDU, o União Social Cristã, a "bolsa cuidado infantil" entrará com força em agosto – e pagará um benefício de $ 100 euros por mês para as mães que ficam em casa.
Os autores do estudo dizem que as atuais estratégias de fomento à família, com a concessão de benefícios e descontos nos impostos, não estimulam as mulheres com filhos a trabalharem em período integral, além de serem discriminatórias contra pais não casados e em geral não tornarem mais fácil para as pessoas criarem seus filhos.
A rede de benefícios é tão complexa que nem os especialistas conseguem destrinchá-la. Há o "bônus por criança", o "benefício parental", a "bolsa para mães solteiras", o "suplemento para pessoas casadas", o "bônus para o segundo filho", o "dinheiro do órfão" e o "suplemento de educação infantil", sem contar o "suplemento suplementar da educação infantil".
Respondendo ao artigo do "Spiegel", a ministra da Família, Kristina Schröder, 35, mãe de uma criança de um ano e meio, defendeu suas políticas. "Eu não vejo a política da família como um investimento bancário com a meta de maximização de lucro", ela disse que o jornal "Passauer Neue Presse" na terça-feira (05/2). Ela disse que se opunha a uma política que "se concentra cada vez mais em lucros macroeconômicos no lugar da solidariedade humana".
Schrõder pediu que as empresas ajudassem a impulsionar o índice de natalidade. "A coisa mais importante é adaptar a vida do trabalho cada vez mais às necessidades das famílias, em vez de seguir pedindo às famílias que continuem se adaptando às exigências do mundo do trabalho".
Manuela Schwesig, vice-líder dos sociais democratas, disse: "A política do governo para as famílias é formatada por um retrato da família que tem meio século de idade. Os pais solteiros ou casais com filhos que não são casados são virtualmente ignorados".
Dinheiro ou creche
A principal questão da política de apoio à família é se o governo deve investir em instalações pré-escolares e em educação ou simplesmente dar dinheiro às famílias.
Na Alemanha, os governos sempre escolheram esta última, até porque benefícios e descontos fiscais tendem a conquistar votos. O problema é que o dinheiro muitas vezes acaba não alcançando os que precisam.
Usemos o exemplo de Claudia Kinski e Andreas Schulte (a seu pedido, usamos nomes fictícios). Os dois trabalham e estão criando um filho. Ele tem um emprego no setor público e trabalha em turnos. Ela é segurança em um grande aeroporto. Eles sempre aguardam suas tabelas de plantões com trepidação. Será que terão que trabalhar muitos finais de semana neste mês? Terão que começar a trabalhar às cinco da manhã ou oito horas da noite? Os turnos determinam quantas vezes Claudia verá seu filho de 11 anos, quando ela vai precisar de uma babá e por quanto tempo.
"Algumas vezes, eu tenho que ligar para ele do trabalho de manhã para acordá-lo e dizer onde está o café da manhã dele", diz ela. "Uma hora depois, eu ligo para ele de novo para ter certeza de que já saiu".
O problema fundamental que esta família e muitos outros enfrentam é que não conseguem encontrar uma creche adequada. Eles ganham demais para poderem solicitar a maior parte dos benefícios, e não recebem os alívios fiscais porque não são casados.
O estudo critica alguns dos principais componentes do sistema de atendimento à família da Alemanha.
Primeiro, há a chamada "divisão de imposto" para casais casados, na qual o marido e a mulher pagam, cada um, a metade do imposto de renda sobre sua renda combinada. Essa política custa ao governo cerca de $ 20 bilhões de euros por ano e é um dos instrumentos mais caros, mas beneficia especialmente os casais casados com rendas diferentes. Quanto maior a diferença de renda entre eles, maior a vantagem tributária. No melhor dos casos, eles conseguem um desconto fiscal de até $ 15.694 euros por ano, se apenas um receber salário. O sistema significa que o "mercado do casamento muitas vezes é mais lucrativo do que o do trabalho", diz a pesquisadora de politica familiar Jutta Allmendinger. Pais solteiros, casais não casados ou do mesmo sexo com filhos não têm esse direito. Se mamãe e papai não forem casados, são tratados como solteiros.
O bônus por criança é o instrumento mais caro do fomento à família, custando cerca de $ 40 bilhões de euros. Atualmente, os pais recebem $ 184 euros por filho por mês. Descontada a inflação, isso é mais de três vezes do que nos anos 70. Mas o estudo diz que é uma "forma relativamente cara de evitar a pobreza que não cria qualquer efeito benéfico em termos de emprego". Ou seja: as famílias mais pobres não se beneficiam realmente porque o bônus por criança é descontado dos outros benefícios que recebem. E tende a estimular as mulheres da classe média a ficarem em casa.
O sistema é ruim para a economia porque desestimula as mulheres a buscarem empregos de turno integral. Esse é o círculo vicioso do sistema de impostos e benefícios da Alemanha. O Estado dá generosos pagamentos como o bônus por criança, mas em troca cobra altos impostos e contribuições sociais sobre o trabalho. Como resultado, quase 50% das mulheres que trabalham na Alemanha estão em empregos de meio período –mais do que na maior parte dos outros países europeus.
O estudo diz que uma forma muito mais eficaz e barata de ajudar as famílias e promover o índice de natalidade é abrir mais creches. Ele conclui que as mães com filhos de até três anos de idade que encontram uma vaga em uma creche trabalham 12 horas a mais por semana em média do que as que não conseguem uma vaga. O ganho em renda é de quase $ 700 euros. Algo similar acontece com as mulheres com filhos entre três e seis anos.
Os pesquisadores dizem que há evidências empíricas de uma correlação entre a disponibilidade de vagas em creches e o índice de natalidade. Eles se referem a certos distritos rurais do oeste da Alemanha onde um aumento de 10% no número de vagas para crianças nas creches levou a um aumento no índice de natalidade de 2,4% para 3,5% em dois anos.
Assim, a expansão das creches pode ser em parte autofinanciada. "A maior atividade de trabalho das mães e a renda resultante de impostos e contribuições sociais significa que grande parte do investimento original fluiria de volta para o Estado", diz o estudo.
Aqui vai uma estatística intrigante: os alemães entre 25 e 29 anos devem receber benefícios e isenções de impostos de apoio à família em um total de $ 133.400 até o final de suas vidas, o que parece uma boa soma. Mas quase 85% desse valor consiste de benefícios fiscais e monetários que terão relativamente pouco impacto. Apenas 15% está na forma de serviços tangíveis como pré-escolas.
O governo de Merkel não vê isso como problema. A ministra da família, Schröder, elogia a nova bolsa para as mães que ficam em casa como uma "oferta justa" e diz que é fã da divisão de impostos para casais casados. "O casamento", diz a ministra de 35 anos, "tem um valor intrínseco para o Estado, como uma comunhão de responsabilidade".
Mas o que muitos pais realmente precisam é de uma política que integre atividades de lazer no sistema escolar, que pague mais às babás e faça mais para ajudar os lares que usam esses serviços.
Alguns conservadores entendem a necessidade de mudança
Os políticos do CDU estão percebendo isso, especialmente no nível local. Um exemplo é a cidade de Sonneberg, no Estado da Turíngia. Com 22.000 habitantes, a prefeitura abriu uma das primeiras creches 24 horas da Alemanha há dois anos. O projeto foi promovido pela prefeita do CDU, Sybille Abel e parece um hotel butique. Sua construção custou à prefeitura 1,4 milhão de euros. Sonneberg tem muitas empresas produtoras de componentes de carros e dois grandes hospitais, nos quais as pessoas trabalham em turnos. O desemprego na cidade é de apenas 3,6%. O novo centro, chamado Zukunft (futuro), é a 14ª creche da cidade. É um raro paraíso para os pais. "Como antigos cidadãos da República Democrática Alemã, evidentemente temos diferentes prioridades neste quesito", diz Abel, referindo-se ao bom histórico da Alemanha Oriental comunista em fornecer instalações pré-escolares.
Apesar das conclusões do estudo serem críticas das políticas do governo, elas dão a Merkel uma oportunidade para varrer de lado ideologias ultrapassadas e começar a lidar com a realidade da vida moderna. "É hora de uma mudança de paradigma na política familiar", diz um dos autores do estudo.
Alguns políticos talvez não gostem de sujeitar as crianças e as famílias a uma análise custo-benefício tão rigorosa, mas não há como negar que a política familiar é um enorme programa de investimento no futuro da sociedade. Assim, deve ser um foco central da campanha eleitoral.