Reviravolta significativa na percepção dinamarquesa sobre a aquisição dos caças F-35

O recente posicionamento do presidente do Comitê de Defesa da Dinamarca, Rasmus Jarlov, sobre a aquisição dos caças F-35, conforme reportado em artigo do portal Gamereactor, revela uma reviravolta significativa na percepção dinamarquesa sobre sua estratégia de defesa.

Por Defesanet

Jarlov, que em 2016 foi um dos arquitetos da decisão de comprar 27 unidades do caça stealth americano, agora expressa profundo arrependimento, apontando riscos de segurança inerentes à dependência de armamentos dos Estados Unidos.

Esta mudança de perspectiva não apenas reflete tensões geopolíticas emergentes, mas também levanta questões cruciais sobre soberania e autonomia militar em um contexto de alianças transatlânticas.

Contexto da Decisão e Mudança de Postura

Em 2016, a compra dos F-35 pela Dinamarca foi vista como um passo natural para modernizar sua força aérea, alinhando-se à tendência de vários membros da OTAN que optaram pelo caça de quinta geração da Lockheed Martin. A decisão parecia consolidar a parceria com os EUA, principal aliado militar do país escandinavo. No entanto, Jarlov agora argumenta que essa escolha expôs a Dinamarca a vulnerabilidades estratégicas.

Ele cita a possibilidade de os EUA utilizarem o controle sobre peças de reposição ou até mesmo um suposto “kill switch” – um mecanismo especulado de desativação remota – como ferramentas de pressão geopolítica. Essa preocupação ganhou corpo especialmente diante de disputas potenciais envolvendo a Groenlândia, território autônomo dinamarquês que desperta interesse americano há décadas.

A referência à interrupção da ajuda militar à Ucrânia pelos EUA serve como um paralelo alarmante para Jarlov. Ele sugere que, assim como Washington reteve suporte em um momento crítico, poderia igualmente paralisar a capacidade militar dinamarquesa ao bloquear o fornecimento de componentes essenciais ou desativar os F-35 em caso de desentendimentos, como uma hipotética exigência de cessão da Groenlândia.

Essa visão reflete um temor crescente de que a dependência tecnológica de um aliado poderoso possa se transformar em uma arma de coerção.

Implicações Geopolíticas e Estratégicas

O alerta de Jarlov vai além de uma crítica pontual ao F-35; ele questiona a própria lógica de confiar em armamentos americanos em um mundo onde os interesses nacionais podem divergir mesmo entre aliados. A menção à Groenlândia como ponto de tensão não é trivial.

Em 2019, o então presidente Donald Trump expressou interesse em comprar o território, uma proposta rejeitada por Copenhague, mas que evidenciou o potencial de fricção.

Para Jarlov, a possibilidade de os EUA usarem sua influência sobre os F-35 para forçar concessões – ou até mesmo deixar a Dinamarca vulnerável a ameaças russas como retaliação – transforma a aquisição em um “risco de segurança inaceitável”.

Essa percepção é amplificada por sua postagem no X, onde ele acusa os EUA de buscar “fortalecer a Rússia e enfraquecer a Europa”, inclusive prejudicando aliados como o Canadá. Embora essa afirmação possa soar hiperbólica, ela reflete uma desconfiança crescente em relação às intenções americanas, especialmente em um contexto de políticas externas imprevisíveis, como as associadas ao governo Trump.

Jarlov defende, assim, uma reorientação da estratégia de defesa dinamarquesa, priorizando investimentos em sistemas que evitem a dependência de Washington.

Alternativas e o Futuro da Defesa Dinamarquesa

Diante desse cenário, Jarlov propõe que a Dinamarca – e seus aliados – busquem alternativas a armas americanas, como caças de origem europeia (ex.: Eurofighter Typhoon) ou sistemas de outros parceiros confiáveis.

Ele reconhece, em sua interação no X, que o Eurofighter poderia ter sido uma escolha mais acertada em 2016, mas destaca que a falta de clareza sobre os riscos à época torna o arrependimento uma lição retrospectiva.

A Dinamarca planeja grandes investimentos em defesa aérea, caças e artilharia nos próximos anos, e Jarlov insiste que esses recursos devem ser direcionados para opções que garantam maior autonomia.

Essa postura ecoa um movimento mais amplo na Europa, onde países como a França e a Alemanha têm advogado por uma indústria de defesa mais independente, reduzindo a influência americana.

A especulação sobre um “kill switch” nos F-35, embora não confirmada oficialmente pela Lockheed Martin ou pelo Pentágono, alimenta esse debate, reforçando a percepção de que tecnologias avançadas podem vir com amarras estratégicas.

Reflexão Crítica

O caso dinamarquês expõe uma tensão inerente às alianças militares modernas: o equilíbrio entre interoperabilidade com parceiros poderosos e a preservação da soberania nacional. Jarlov acerta ao apontar os riscos da dependência tecnológica, mas sua narrativa pode subestimar os benefícios que os F-35 trouxeram à defesa dinamarquesa, como capacidades avançadas de furtividade e integração com a OTAN.

Além disso, a viabilidade de substituir os caças americanos em curto prazo é questionável, dado o investimento já realizado e os custos de transição para outro sistema.

Por outro lado, a falta de transparência sobre o suposto “kill switch” e o controle americano sobre peças de reposição justificam uma cautela legítima. A Dinamarca, um país pequeno mas estratégico no Mar Báltico, não pode se dar ao luxo de ficar refém de decisões unilaterais de Washington.

O apelo de Jarlov aos aliados para reconsiderarem suas estratégias reflete uma tentativa de transformar um arrependimento nacional em um alerta coletivo.

A lamentação de Rasmus Jarlov sobre os F-35 marca um ponto de inflexão na política de defesa dinamarquesa, sinalizando uma busca por maior independência em um cenário geopolítico volátil. Seja por meio de um “kill switch” real ou da simples ameaça de interrupção logística, o caso sublinha os riscos de confiar excessivamente em um único fornecedor militar, especialmente um com interesses próprios tão marcados.

Resta saber se a Dinamarca conseguirá reverter sua trajetória sem comprometer sua segurança imediata – e se outros aliados seguirão seu exemplo em um momento em que a unidade da OTAN é mais necessária do que nunca.

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