Artigo originalmente publicado no Valor Econômico em 18 de fevereiro de 2011.
José Graziano da Silva
Há uma fronteira agrícola cujo potencial transformador poderá decidir o sucesso ou o fracasso da luta contra a fome e a miséria no século XXI: África.
Qualquer fórum relacionado à segurança alimentar e ao combate à miséria terá que levar em conta o peso descomunal desse continente de 800 milhões de habitantes, onde o sempre desconcertante entrelaçamento entre riquezas naturais e miséria atinge níveis superlativos.
Mais que nunca, o colapso de 2007/20089 (e que corre o risco de repetir-se) reafirmou que a questão estrutural da pobreza e do desenvolvimento terá que ser enfrentada. Para isso, em primeiro lugar será necessário o compromisso dos principais interessados na sua solução: governos e a cidadania das nações mais vulneráveis, mobilizando – sobretudo – seus próprios recursos.
É nesse cenário que se renova a importância e a centralidade da agricultura familiar na reordenação da luta contra a fome em nosso tempo. Oito dos nove países mais devastados pela subnutrição localizam-se no continente africano. Neles, a vida de 200 milhões de homens e mulheres encontra-se raptada pela rotina insegurança alimentar. A maioria esmagadora vive em zonas rurais – a exemplo do que ocorre no resto do planeta, em que 70% da humanidade faminta concentra-se nessas áreas.
A diferença é que a África, ao lado da América Latina, é o lugar do mundo em que se encontra a última e preciosa fronteira de expansão agrícola das próximas décadas.
A África utiliza apenas 14% dos 184 milhões de hectares de terras agricultáveis de que dispõe. Se considerarmos a Savana africana, que corta 25 países e guarda profundas semelhanças com o Cerrado brasileiro, a conta vai a 400 milhões de hectares. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), já identificou 35 projetos de cooperação em 18 países africanos para transferência de variedades de cultivares, bem como de tecnologias adequadas à agricultura tropical.
Esse potencial cooperativo requer, em primeiro lugar, uma decisão estratégica de devolver às políticas de segurança alimentar a centralidade que elas nunca deveriam ter perdido no processo de desenvolvimento. Não estamos partindo do zero. A África dispõe de um banco de desenvolvimento regional e sedimentou políticas como a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD) e o Programa Abrangente para o Desenvolvimento Agrícola Africano (CAADP).
Há, portanto, base fértil a ser semeada pela ação multilateral. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) vem se reformando, fortalecendo suas oficinas regionais para intensificar sua presença como parceira e ponte facilitadora de um grande mutirão de solidariedade produtiva entre Brasil, África e os países da América Latina. É necessário frisar: para que essa empreitada tenha êxito, governos e organizações locais terão que resgatar a agenda da segurança alimentar.