As tropas internacionais começam a se retirar do Afeganistão uma década depois que o 11/9 marcou o início de sua intervenção política, que supostamente buscava acabar com Osama Bin Laden e os talibãs, deixando uma sensação de oportunidade perdida.
Para alguns moradores, estes dez anos tiveram um impacto positivo como melhorias nos setores de transporte, comunicações e educação, e a consolidação do governo central e das forças de segurança.
"Hoje minha mulher trabalha como professora e minhas duas filhas planejam seguir uma carreira, algo impensável há 10 anos", reconheceu o general reformado e ex-vice-ministro do Interior Abdul Hadi, que acrescentou que "antes o Afeganistão era uma nação isolada e esquecida, agora não".
O analista Fabrizio Foschini explicou que, apesar de não ver os benefícios esperados com os anos de intervenção internacional, a maioria dos afegães não quer voltar à situação de 10 anos atrás e teme ser abandonada outra vez. Muitos esperavam que a sonhada democracia trouxesse paz e prosperidade ao país, mas viram seu sonho ser frustrado pela incapacidade das autoridades locais e da comunidade internacional de criar um governo a serviço dos cidadãos.
"A democracia adquiriu má fama e, para muitos, se tornou sinônimo de roubo, corrupção e abuso de poder", disse Hadi. "Quiseram criar uma democracia sem democratas, sem levar em conta o povo", ressaltou o ex-ministro do Interior.
Membro de uma rede de analistas internacionais sobre o Afeganistão, Foschini acredita que como a maioria dos afegãos não se beneficiou da presença internacional, houve quem se apropriasse desse argumento para criticar a democracia.
"Os insurgentes souberam se aproveitar dos erros da intervenção internacional e das fragilidades da democracia afegã para ganhar adeptos à sua causa", explicou.
Um dos principais erros destacados por muitos analistas é que os líderes internacionais decidiram ignorar os riscos de corrupção e não impôr limites nem regras claras no início de sua presença no Afeganistão. O erro na hora de estabelecer as prioridades levou os responsáveis locais a condicionar toda a intervenção na segurança e na luta contra os talibãs, cujas capacidades militares foram superestimadas nos primeiros anos.
O país recebeu na última década uma grande injeção de capital, o que levou a um aumento dos casos de corrupção e provocou efeitos nocivos na economia do país, já que não houve um autêntico plano de desenvolvimento.
Segundo o Ministério das Finanças afegão, a comunidade internacional desembolsou só em cooperação ao desenvolvimento quase US$ 57 bilhões, e há quase US$ 30 bilhões prometidos até 2013. Mas essas quantias são muito pequenas se comparadas com o investimento militar, que foi um dos maiores da história em um só conflito.
Diversos relatórios afirmam que uma só semana da guerra afegã custa US$ 2 bilhões, e grande parte deste valor é administrado através de contratos e terceirizações que tornam difícil o controle dos fundos.
"A guerra se tornou o principal negócio do país. Muitos estão se beneficiando dela em maior ou menor escala, e isso vai dificultar as iniciativas de paz", afirmou Foschini.
"Foram feitos acordos entre empresas de segurança e os insurgentes para que estes atacassem determinada região ou estrada, para assim poder cobrar por sua proteção ao governo", explicou um analista afegão em temas de transparência governamental, Abdul Rauf.
O panorama no aspecto puramente militar não é encorajador, já que as tropas internacionais, que contam com cerca de 130 mil homens atualmente, começam a se retirar sem ter conseguido o controle real do território nem derrotar definitivamente os talibãs.
Muitos setores expressaram profundas dúvidas sobre a capacidade de controlar o país por parte de forças afegãs, em geral mal dirigidas, pouco preparadas e com pouca moral.
"Embora houvesse erros de estratégia militar, o grande erro na área de segurança consistiu na incapacidade de criar um governo afegão eficaz e afastado da corrupção, o que manteve vivo os talibãs também no aspecto militar" disse Foschini.
Apesar disso, especialistas concordam que ainda há possibilidades de corrigir, inclusive antes do fim da retirada do contingente militar internacional, as bases da intervenção em solo afegão.