Lisandra Paraguassu
luri Dantas
A notícia de que os Estados Unidos e os 27 países da União Europeia iniciaram negociações para um acordo de livre comércio foi recebida de maneira contraditória pelo governo brasileiro. A diplomacia aposta em usar o caso como exemplo para convencer a equipe econômica sobre a importância de acordos regionais de comércio. Os responsáveis pela política comercial, no entanto, não veem chances de avanço para o Brasil sem que se resolvam questões internas do Mercosul.
A extensão, ou "ambição", do acordo EUA-UE indicará o tamanho do impacto na economiabra- sileira, na avaliação do Itamaraty. Se ficar limitado a bens e normas, o impacto não será tão significativo para o Brasil, na visão dos diplomatas. Mas a inclusão de serviços e compras governamentais pode reduzir a participação de empresas brasileiras nestes setores, porque companhias americanas e europeias teriam mais vantagens em competir entre si nos dois mercados.
O Itamaraty começou ontem a mapear os impactos do acordo transatlântico para o Brasil. O relatório, que será apresentado à presidente Dilma Rousseff, fica pronto em algumas semanas.
De início, as negociações entre UE e EUA vão consumir mais tempo dos negociadores europeus. Isso no momento em que o Brasil tenta retomar, de forma efetiva, as negociações de acordo de livre comércio entre o Mercosul e os europeus. O Itamaraty não vê prejuízos para essas negociações com a decisão anunciada pelo presidente dos EUA, Barack Obama, no início da semana.
Silêncio.O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimen- tel, evitou comentar o tema. Internamente, a equipe do ministro avalia que o Brasil tem as mãos amarradas porque só pode negociar em bloco e a Argentina resiste a acordos desse tipo. Por outro, os técnicos mais experientes da Pasta sabem que a vontade dos europeus de conseguir um pedaço do mercado brasileiro não representa vontade política suficiente para derrubar os pesados subsídios agrícolas, tema central para os brasileiros nas discussões com a UE.
Diante deste cenário, o Palácio do Planalto optou por maior cautela em relação ao diálogo Estados Unidos e UE. O governo preferiu não se comprometer com comentários públicos e escolheu o Itamaraty como porta-voz da questão. A presidente conversou com Pimentel ontem no Palácio do Alvorada. A ideia é seguir com o trabalho e apresentar, nos próximos meses, proposta de acordo aos europeus.
A Confederação Nacional de Agricultura (CNA) identifica um prejuízo claro às pretensões brasileiras. As negociações de um acordo UE-Mercosul, que se arrastam há mais de dez anos, devem ficar em segundo plano para os europeus. "Há necessidade de se repensar a política comercial brasileira", afirmou Thiago Masson, coordenador da área internacional da entidade.
Nesta conversa com a UE, interessa ao Brasil derrubar os subsídios agrícolas e obter mais acesso para produtos nacionais. A Europa, como os EUA, tenta uma saída para sua indústria manufatureira. Sob uma severa crise econômica, alto desemprego e dívidas soberanas em lento ajuste, a indústria do continente cortou preços para reduzir seus estoques. Parte do governo brasileiro teme uma invasão ainda maior destes produtos no mercado nacional, em caso de um acordo entre Mercosul e UE. Daí a importância de se obter redução nos subsídios europeus.
Outro fator de preocupação para o País em relação ao possível acordo entre americanos e europeus são as normas. Atualmente, boa parte das normas de segurança sanitária, de qualidade para produtos, entre outras, são negociadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O problema é que as negociações entre EUA e União Europeia podem resultar em normativos próprios. E essas regras tenderiam, naturalmente, a ser seguidas pela OMC, FAO e até outros parceiros comerciais do País.