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A transparência opaca

Janio de Freitas

A transparência opaca

O Brasil exportador de armas está envolvido em monstruosidades que finge condenar

A PRESIDENTE Dilma Rousseff está sob o risco iminente de perder o direito moral de cobrar transparência, como princípio e exigência do seu governo, a quem quer que seja. O Brasil faz uso, neste momento, de uma falácia primária para opor-se, em reunião da ONU, a um acordo que estabeleça transparência nas exportações de armas.

A política externa proclamada pelo governo, e fiel ao que se entende como índole brasileira, é contrária a confrontos armados entre nações ou como solução de dissensões internas. Logo, não pode favorecer a realidade de que a busca dos altos lucros da exportação sigilosa de armas, além de ser o sustentáculo de ditaduras sanguinárias, está na raiz das matanças de populações civis, condenadas pelo Brasil -na europeia Bósnia, no Oriente Médio, nas infindáveis guerras da África, na Ásia, agora mesmo na Síria.

O argumento do governo brasileiro na reunião da ONU, destinada a tentar um Tratado sobre Comércio de Armas, foi transcrito, no essencial, pelo repórter Rubens Valente (Folha de domingo): a transparência das exportações de armas "poderia expor os recursos e a capacidade dos países […] de sustentar um conflito prolongado".

Mas a capacidade bélica de um país depende do seu arsenal e da relação entre qualidade e quantidade de suas tropas. Um grande exportador pode ter arsenal insignificante, dando prioridade aos lucros do comércio legal ou não, e descuidar daquela relação.

Da mesma maneira, baixa ou nenhuma exportação não significa que um país não produza armas e não tenha Forças Armadas bem equipadas e preparadas. E ainda há os que têm "capacidade de sustentar um conflito prolongado" com armamento importado às claras, o que parece ser o caso, na América do Sul, da Venezuela, por exemplo.

O argumento brasileiro é falso. Porque infundado e porque adotado para esconder o fato de que o Brasil exportador de armas está envolvido em monstruosidades que finge condenar. O trabalho excelente de Rubens Valente revela que o governo de Fernando Henrique Cardoso autorizou a produção e venda de bombas de fragmentação ao Zimbábue do ditador Robert Mugabe.

Ou seja, a uma ditadura sanguinária, conduzida por ideias psicopáticas como a da necessidade de exterminar os brancos, remanescentes da antiga Rodésia. E ainda algumas das tribos locais.

As bombas de fragmentação são proibidas por acordo internacional: não têm alvo preciso, desabrocham no ar em milhares de bolas de aço que atingem a população civil em áreas imensas. Israel foi acusado de lançar tais bombas sobre a população palestina de Gaza, e, se o fez, o acusado de produzir e exportar as bombas foi o Brasil. Cujo governo posou de contrário aos ataques à população palestina.

Os mutilados por pisar inadvertidamente em mina camuflada, resto de algum conflito estúpido, compõem uma tragédia africana que tem comovido o mundo. Crianças, em geral, esses mutilados são os que escapam da mortandade feita pelas minas deixadas no chão de vários países. Em grande parte das minas recuperadas, graças sobretudo a entidades de benemerência europeias, está preservada a inscrição: "Made in Brazil".

Podemos ostentar um orgulho internacional: nós também temos nossos criminosos de guerra. Gente que não escaparia no Tribunal Penal Internacional de Haia, por fomentar a morte de populações civis inocentes, e com isso lucrar fortunas.

É a esse Brasil opaco que a falta de transparência dá proteção. Como sua continuidade permitirá que a Rússia arme Bashar al Assad, e os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, e o Brasil também, façam o mesmo pelo mundo todo.

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