Mauro Santayana
A organização dos Estados Americanos nasceu do ventre da União Pan-Americana, instrumento da política de domínio dos Estados Unidos sobre o nosso hemisfério. A velha União Pan-Americana convocou sua nona conferência para Bogotá – e, durante o encontro, aprovou nome mais palatável, o de OEA. O parto ocorreu em 1948, e foi marcado pelo assassinato do grande líder colombiano Jorge Eliécer Gaytan. O povo foi às ruas protestar, ao mesmo tempo, contra o assassinato, que evidências posteriores apontaram ter sido responsabilidade da CIA, e contra a criação da OEA.
A União Pan-Americana, que se metamorfoseou em OEA, fora criada em 1890 pelo secretário de Estado James Blaine, em reunião de países latino-americanos em Washington, durante a presidência de Benjamin Harrison. O objetivo era o de dar consistência prática à Doutrina Monroe, que atribuía aos Estados Unidos o protetorado político sobre todo o hemisfério.
A OEA, que agora se atreve a ameaçar o Brasil, no caso da construção da Usina de Belo Monte, é a mesma que, em 1962, em Punta del Este, sob o mando de Washington, expulsou Cuba da entidade; é a mesma que, em 1965 – com tropas da ditadura militar brasileira, sob comando norte- americano – patrocinou a intervenção na República Dominicana, contra o patriota Francisco Caamaño, fuzilado, em 1973, pelo governo sanguinário de Balaguer. É a mesma que apoiou o golpe de 1964, no Brasil, contra o governo de João Goulart, eleito pelo povo, aprovou o assassinato de Salvador Allende, presidente do Chile, também eleito pelo povo, silenciou-se sobre o assassinato de dom Romero em El Salvador, calou- se diante de tantas outras intervenções que Washington praticou em nosso continente. A OEA não tem moral para nos dizer o que podemos e o que devemos fazer em nosso território.
Não há qualquer razão para que os países latino-americanos continuem a participar de uma entidade claramente controlada pelos interesses de um país que nada tem a ver conosco, a não ser a fatalidade geográfica. E é exatamente porque o Brasil está liderando a verdadeira união sul-americana, como passo inicial para uma associação que venha a incluir os países centro-americanos, o México e as ilhas do Caribe, que a OEA começa a nos incomodar.
A Comissão de Direitos Humanos da OEA não condenou, por exemplo, as torturas cometidas contra os prisioneiros de Guantánamo. Mesmo diante da assunção, pelos Estados Unidos, de sua responsabilidade, a OEA faz obsequioso silêncio sobre as experiências realizadas na Guatemala, mediante a contaminação de cidadãos daquele país com sífilis e blenorragia, pelos serviços médicos do governo americano, de 1946 a 1948.
O governo brasileiro deve dizer claramente à OEA que não aceita sua opinião e, menos ainda, sua “condenação” aos nossos atos internos. Não basta a declaração cuidadosa do Itamaraty. Temos que rechaçar, e de maneira viril, a aleivosia.
O ato da OEA não é isolado. Ele se reúne aos outros episódios recentes que devem impor a nossa ação vigilante. Não que as empresas construtoras da grande represa sejam exemplo a ser seguido, mas, pelo que foi tornado público, houve influência estrangeira na rebelião dos trabalhadores de Jirau.
Políticos e empresários norte- americanos, músicos, cineastas, atrizes e atores, entre eles protagonistas de filmes em que se exibem músculos, na falta de talentos, como o ex-governador da Califórnia, se reúnem no Brasil, como se reuniram em Manaus, a fim de nos dar lições – com a cumplicidade do governo do Amazonas. É hora de sair da retórica e agir contra essa intolerável intromissão em nossos assuntos internos.