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A nova ordem mundial é verde

O professor Thomas C. Heller, da Universidade Stanford, é um dos mais influentes especialistas em política ambiental do planeta. Membro do painel de experts da ONU que estimou os efeitos das mudanças climáticas e dividiu com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos AI Gore o Nobel da paz de 2007, ele é requisitado para auxiliar na formulação de programas de sustentabilidade por dez entre dez países emergentes.

Sua abordagem pragmática soa como música aos ouvidos dos governos do Brasil, da China e da Indonésia. O plano chinês de redução de emissões de carbono e a lei brasileira que cortou repasses de recursos federais a municípios desmatadores são exemplos de iniciativas sugeridas pela Climate Policy Initiative, instituição sem fins lucrativos fundada por Heller e financiada pelo megainvestidor George Soros. Diz o professor Heller: "Caberá aos emergentes liderar a transição para uma nova ordem mundial, em que ser sustentável dará uma tremenda vantagem competitiva".

As últimas tentativas de acordos internacionais em prol do meio ambiente, como o Protocolo de Kyoto e a rodada de Durban, fracassaram. O que falta para essas negociações começarem a dar resultados concretos?

Antes de mais nada, é preciso formar um consenso verdadeiro em tomo da ideia de que não se pode mais subestimar o valor de uma política ambiental séria e consequentemente – se não por convicção, pelo menos por pragmatismo. Essa premissa deixou de ser uma afirmação típica de ambientalistas românticos há muito tempo.

A interdependência entre economia e meio ambiente atingiu seu ápice. Prova disso é que o preço das commodities e da energia está em alta e deve continuar assim indefinidamente. O progresso, daqui por diante, depende de usarmos os recursos naturais da forma mais eficiente e produtiva possível. Parece óbvio que, na próxima etapa do desenvolvimento humano, ser verde será cada vez mais uma tremenda vantagem competitiva. Ainda assim, os governantes relutam em encarar a questão ambiental como aspecto fundamental da agenda econômica.

Por que isso ocorre?
A grande maioria das nações ainda trata o dinheiro aplicado em sustentabilidade como investimento a fundo perdido, o que, claro, constitui um sério equívoco. Como seu retomo costuma ocorrer apenas a longo prazo, fica muito difícil convencer países em crise, como a maior parte das economias desenvolvidas hoje, a destinar grandes quantias a programas ambientais.

Essa é uma das razões por que foram adiados, para 2015, o estabelecimento de metas de redução das emissões de dióxido de carbono e, para•2020, a criação do fundo verde de 100 bilhões de dólares. Esperava-se que tais resoluções fossem tomadas já. Mas muitos países relutaram em assumir o compromisso porque sabem que custará caro cumpri-Io. O que a maioria dos analistas não percebeu é que começou a desenhar-se, em Durban, uma nova ordem mundial, liderada por economias emergentes como Brasil, Índia e China.

De que nova ordem o senhor está falando?
O parco avanço obtido em Durban só foi possível porque os emergentes capitanearam as negociações, aderiram às metas propostas e forçaram a assinatura de um acordo. Há sete anos, quando entrou em vigor o Protocolo de Kyoto, um protagonismo desses era improvável.

Daqui para a frente, porém, será cada vez mais evidente, e por uma razão muito simples: os países em desenvolvimento terão de criar formas de elevar, e muito, a produtividade de sua economia, para suportar a inclusão de 3 bilhões de pessoas na classe média nos próximos vime anos. Isso pressupõe criar mais políticas públicas de estímulo à sustentabilidade e investir maciçamente em inovação e em planejamento urbano – algo que os emergentes estão em condições de fazer, uma vez que não tiveram suas finanças corroídas pela crise global.

O senhor não está sendo otimista demais? Os novos integrantes da classe média vão querer consumir mais alimentos, combustíveis…
Depende da forma como se encare a questão. De faro, há um enorme contingente de pessoas sedentas de consumo, que passarão de uma renda diária média de 10 a 15 dólares para algo como 50, até 100 dólares por dia.

Toda essa gente vai querer comprar carnes mais nobres e adquirir carros para ir ao trabalho e levar seus filhos à escola, o que terá forte impacto sobre o meio ambiente. Mas os emergentes não têm escolha a não ser empenhar-se para mitigar esse impacto. Se observarmos com atenção, veremos que isso já está ocorrendo.

Em nosso mapa global de investimentos em iniciativas verdes, feito em 2011, constatamos que 22% dos recursos destinados a esse tipo de projeto já vêm das economias emergentes. Nas minhas viagens, tenho notado uma preocupação cada vez maior dos governantes com os efeitos danosos das mudanças climáticas. Muitos desses países, afinal, são fortemente dependentes de seus recursos naturais.

Mesmo a China?
Sim. O caso mais emblemático é justamente a China. Apesar de ser o maior poluidor do planeta, o país é também, hoje, o que mais investe em energias renováveis. Não apenas para melhorar sua imagem perante o mundo, mas porque os chineses sabem que não podem depender tanto de carvão, um recurso natural escasso, para movimentar sua produção.

Desde 2005, a China já aplicou 400 bilhões de dólares em projetos de energia limpa e eficiência energética. Isso fará com que a proporção da energia eólica que o país consome dobre de 1.5% para 3% do total até 2015. Trata-se de um feito e tanto, se considerarmos que proporcionará a redução de algo como 400 milhões de toneladas de dióxido de carbono lançadas rodo ano na atmosfera – 5% menos do que hoje. Há ainda diversas outras iniciativas, como um programa massivo de expansão dos transportes coletivos e das estações de tratamento da água que chega às metrópoles. Segundo uma avaliação que fizemos para o governo chinês no ano passado, embora ainda não tenha conseguido diminuir a emissão total de gases poluentes, a China já reduziu em 20% o nível de poluição em relação ao PIB.

Mas a China é uma ditadura. Tem muito mais poder para dirigir a economia do que a índia ou o Brasil, por exemplo…
Não precisamos ir até a China para encontrar sinais de mudança. No Brasil mesmo há histórias interessantes. Veja o caso do estado de Mato Grosso. As estatísticas mostram que o ritmo do desmatamento na Amazônia está diminuindo.

A extensão de florestas derrubadas caiu 74% entre 2004 e 2010. Os ambientalistas xiitas não gostam de admitir, mas, no caso de Mato Grosso, essa redução se deve diretamente aos ganhos de produtividade do agronegócio. O raciocínio é elementar: quanto mais cabeças de gado se consegue criar em uma mesma área, maior a riqueza produzida por metro quadrado e menor o impacto ambiental da atividade econômica.

Além disso, ao criar mais empregos, o agronegócio evita que as pessoas depredem a floresta para garantir meios de subsistência. Isso só prova que, ao contrário do que costumam pregar os ecologistas mais radicais, o progresso, se bem administrado, é, sim, muito benéfico ao meio ambiente.

Essa lógica só vale para o campo ou se aplica também às cidades?
Aplica-se a ambos. Para os países ricos, aliás, é nas cidades que estão as maiores oportunidades de ganhos com iniciativas sustentáveis. E, no caso dos emergentes, será nelas que passará a viver essa enorme massa de novos consumidores a que me referi. Os aglomerados urbanos, portanto, precisam estar no centro de uma revolução – que mudará não apenas a forma como as pessoas consomem, mas também a maneira como vivem.

Isso significará considerar como premissas do planejamento urbano dados como o tempo de deslocamento de cada indivíduo até o local das compras ou a distância percorrida entre a casa e o trabalho para reduzir custos e racionalizar o uso do tempo. Se o planejamento conseguir tornar as cidades mais produtivas, elas poderão ser mais densamente povoadas sem se converter em verdadeiros infernos urbanos. Pelo contrário. Serão mais verdes e agradáveis e ainda ajudarão a diminuir a quantidade de pessoas que vivem nos subúrbios e, consequentemente, o número de viagens de carro e a emissão de poluentes.

Como fazer isso, na prática? Há diversos projetos em teste. Os mais promissores me parecem ser os edifícios verdes, ainda pouco disseminados para moradia, mas já bastante populares entre as empresas. As companhias, de modo geral bem mais adiantadas na compreensão das vantagens econômicas que a sustentabilidade pode render, sabem que um prédio verde pode custar de 5% a 10% mais do que os edifícios comuns.

No entanto, também já aferiram que, após alguns anos, ele chega a ser até 50% mais econômico. Gasta-se menos com energia e água e ainda se consegue melhorar a qualidade do ar. Sem contar que, para pôr tais prédios em funcionamento, é preciso desenvolver novas tecnologias, criando um ciclo virtuoso de inovação que tende a se disseminar por vários outros setores.

O senhor é dos que acreditam que sem inovação não há sustentabilidade?
Estou certo disso. Todos os avanços significativos da história da humanidade decorreram de grandes saltos tecnológicos. Não há por que pensar que desta vez será diferente. Foi assim com a Revolução Industrial, que possibilitou a obtenção de bens de consumo em larga escala, o surgimento da infraestrutura de distribuição de energia e a criação de sistemas de transporte coletivo.

Mais recentemente, nos anos 1960, tivemos a chamada Revolução Verde, um salto de produtividade espetacular provocado pela utilização de defensivos, fertilizantes e técnicas modernas de plantio. Sem essas transformações radicais no processo de produção, não teríamos conseguido assimilar o crescimento populacional do planeta ao longo dos séculos. Para fazer com sucesso a transição para essa nova ordem mundial de que falo, será necessário outro salto tecnológico, tão ou mais profundo do que as grandes revoluções do passado.

O senhor trabalha com governos há décadas. Acha mesmo que eles são capazes de fazer essa transição?
Não partirão dos governos as inovações capazes de garantir um futuro mais sustentável. Assim como no passado, esses avanços serão impulsionados pela iniciativa privada, pelos empreendedores. Mas não dá para pensar em um progresso tão abrangente sem que os governos assumam seu papel, que é fomentar a criação de tais empreendimentos.

Vimos isso ocorrer na Califórnia, onde moro, nas décadas de 70 e 80, quando floresceu a indústria da tecnologia da informação. O que houve naquela época foi urna combinação de forças positivas: um grupo de jovens brilhantes, dotados de criatividade e empreendedorismo ímpares, que recebeu infraestrutura para abrir suas empresas e o apoio do governo à criação de linhas de crédito dentro do próprio setor privado para que elas pudessem prosperar. O mesmo pode e deve ser feito agora, com a adoção de incentivos tributários e fontes de financiamento para companhias que se proponham a criar produtos ou tecnologias capazes de reduzir os danos ao meio ambiente.

O que leva as empresas a estar tão mais adiantadas que os governos na adoção de projetos ambientalmente corretos?
Ao contrário dos governantes, que estão constantemente premidos por restrições orçamentárias e costumam ser excessivamente cautelosos quando se exigem deles medidas eleitoralmente impopulares, as empresas são movidas pelo lucro.

As grandes corporações perceberam há mais de uma década que aderir a um modelo de funcionamento sustentável daria bom retomo. Para essas companhias a economia no uso da água e da luz ou a reciclagem do lixo passaram a representar não só uma fonte de renda extra, mas também a chance de melhorar sua imagem junto ao público – o que, evidentemente, as ajudou a fechar negócios mais lucrativos. Ao fim e ao cabo, tudo se resume a encontrar formas criativas de gerir os recursos disponíveis da maneira mais eficiente possível e, de preferência, antes dos concorrentes.

É essa a lógica que tem de inspirar os políticos que pretendam fazer de seus países os condutores do desenvolvimento econômico do planeta nas próximas décadas.

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