Desde o início da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, a Europa tem testemunhado um aumento significativo de atividades clandestinas que muitos atribuem à Rússia. Essas ações, frequentemente descritas como parte de uma “guerra nas sombras”, envolvem sabotagens, ataques cibernéticos, desinformação e outras operações que mesclam características de guerra híbrida e guerra assimétrica, destinadas a desestabilizar o continente e minar o apoio à Ucrânia.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) tem respondido a essas ameaças com uma combinação de medidas defensivas, coordenação entre seus membros e condenações públicas, enquanto busca evitar uma escalada para um confronto direto com Moscou.
Esta análise explora a natureza dessas ações suspeitas de sabotagem russa, os conceitos de guerra híbrida e assimétrica aplicados a elas, e o posicionamento da OTAN diante desse desafio crescente.
A Escalada da “Guerra nas Sombras” Russa
A invasão da Ucrânia marcou um ponto de inflexão nas relações entre a Rússia e o Ocidente, intensificando tensões que já vinham se acumulando desde a anexação da Crimeia em 2014. Desde então, evidências apontam para uma campanha coordenada de sabotagem em solo europeu, que parece ter como objetivo principal enfraquecer a unidade da OTAN e interromper o fluxo de apoio militar e humanitário à Ucrânia.
Inteligências europeias, como relatado em maio de 2024 por agências de segurança de vários países, indicaram um aumento de atividades russas, incluindo explosões em instalações estratégicas, incêndios criminosos e ciberataques.
Um exemplo notável foi a explosão em um depósito de armas na República Tcheca em 2014, posteriormente ligada a agentes russos do GRU (serviço de inteligência militar), que ganhou destaque renovado no contexto da guerra atual. Mais recentemente, incidentes como o incêndio em uma fábrica de armas em Berlim, em maio de 2024, que fornecia munições à Ucrânia, e interferências em sinais de GPS no Báltico, levantaram suspeitas de envolvimento russo.
Autoridades europeias acreditam que Moscou esteja utilizando tanto agentes diretos quanto proxies locais, frequentemente recrutando amadores para executar operações de baixo custo, mas de alto impacto, como forma de manter negação plausível.
Essa “guerra nas sombras” reflete uma estratégia russa que combina guerra híbrida — a integração de táticas convencionais e não convencionais, como sabotagem física e desinformação digital — com guerra assimétrica, na qual a Rússia, como um ator teoricamente menos poderoso em termos convencionais frente à OTAN, explora vulnerabilidades específicas para nivelar o campo de jogo.
A guerra híbrida se manifesta na multiplicidade de métodos empregados, enquanto a assimetria é evidente na escolha de alvos desproporcionalmente estratégicos, como infraestrutura crítica, em vez de confrontos diretos que favoreceriam a superioridade militar da OTAN.
Contexto e Motivações
As motivações por trás dessas ações são multifacetadas. Primeiro, a Rússia visa retaliar o amplo apoio da OTAN à Ucrânia, que inclui fornecimento de armas como os sistemas HIMARS e mísseis Javelin, além de sanções econômicas sem precedentes. Segundo, ao semear instabilidade na Europa, Moscou espera dividir a aliança ocidental, explorando fissuras políticas internas em países como a Alemanha, França e Hungria.
Finalmente, essas operações servem como uma demonstração de força e uma mensagem de dissuasão, sinalizando que a Rússia pode atingir alvos em solo europeu sem recorrer a um confronto militar aberto.
A guerra na Ucrânia também parece ter empoderado o presidente Vladimir Putin, que, segundo analistas, sente-se encorajado pela hesitação de alguns aliados ocidentais e pela resiliência da economia russa frente às sanções. Essa confiança pode estar impulsionando a escalada de operações híbridas e assimétricas, que variam de atos físicos, como sabotagem de gasodutos e cabos submarinos de comunicação, a campanhas de desinformação que amplificam narrativas pró-russas antes de eventos como as eleições para o Parlamento Europeu.
A guerra híbrida aqui se destaca pela fusão de táticas, enquanto a assimetria reside na capacidade da Rússia de causar danos desproporcionais com recursos limitados.

O Posicionamento da OTAN
A OTAN tem reagido a essa “guerra nas sombras” com uma abordagem multifacetada, equilibrando contenção e proatividade diante de uma ameaça que combina guerra híbrida e assimétrica. Desde o início do conflito na Ucrânia, a aliança reforçou sua presença militar no flanco leste, com exercícios como a Operação Ventos Gelados no Mar Báltico, concluída em 2024, que mobilizou milhares de militares para proteger infraestruturas críticas.
Em resposta às ameaças submarinas, como os danos suspeitos a cabos de comunicação no Báltico, a OTAN criou um grupo de coordenação de infraestrutura submarina em 2024, visando melhorar a vigilância e a resposta rápida a incidentes.
Publicamente, a OTAN tem elevado o tom de suas acusações. Em dezembro de 2024, o secretário-geral Mark Rutte declarou que a Rússia, junto com a China, estava tentando desestabilizar os países membros com sabotagens e ataques híbridos. Essa retórica reflete uma mudança de postura, com a aliança buscando expor as ações russas para justificar medidas mais robustas contra essa guerra híbrida.
No entanto, os líderes da OTAN permanecem cautelosos, evitando ações que possam ser interpretadas como provocações diretas, dado o risco de escalada nuclear em um confronto com uma potência que utiliza táticas assimétricas para compensar desvantagens convencionais.
Internamente, a aliança enfrenta desafios. A coordenação entre os serviços de inteligência dos 31 países membros (32 com a adesão da Suécia em 2024) tem melhorado, com compartilhamento de informações sobre “ações prejudiciais russas claras e convincentes”, mas a resposta varia entre os Estados. Países do leste, como Polônia e Estônia, que enfrentam ameaças diretas, pressionam por uma postura mais agressiva, enquanto nações do oeste, como a Alemanha, equilibram preocupações econômicas e estratégicas.
Além disso, a incerteza sobre o compromisso dos Estados Unidos, especialmente após declarações ambíguas de Donald Trump em 2025, adiciona complexidade ao posicionamento da OTAN frente a esse cenário híbrido e assimétrico.

Implicações e Perspectivas
A “guerra nas sombras”, com suas características de guerra híbrida e assimétrica, representa um teste significativo para a resiliência da OTAN e da Europa como um todo. Se as ações russas continuarem a intensificar sem uma resposta eficaz, a confiança na capacidade da aliança de proteger seus membros pode ser abalada, fortalecendo a narrativa de Putin de um Ocidente em declínio.
Por outro lado, uma reação excessiva poderia levar a um confronto mais amplo, algo que a OTAN busca evitar, dado o potencial catastrófico de um conflito nuclear.
No curto prazo, a OTAN provavelmente continuará a fortalecer suas defesas, aumentar a cooperação com a União Europeia em sanções e contrainteligência, e pressionar por maior produção militar para apoiar a Ucrânia, adaptando-se às táticas híbridas russas.
No entanto, a longo prazo, o sucesso em conter essa guerra nas sombras dependerá da unidade política dos aliados e da capacidade de neutralizar a vantagem assimétrica da Rússia, que explora a zona cinzenta entre guerra e paz. A combinação de guerra híbrida e assimétrica não mostra sinais de arrefecimento, e a resposta da OTAN será crucial para definir o futuro da segurança europeia em um mundo cada vez mais polarizado.
Em suma, desde o início da guerra na Ucrânia, as ações suspeitas de sabotagem russa na Europa revelam uma estratégia deliberada de Moscou que utiliza guerra híbrida e assimétrica para desafiar o Ocidente sem cruzar o limiar de um conflito aberto.
A OTAN, por sua vez, posiciona-se como um baluarte defensivo, mas enfrenta o delicado desafio de responder com firmeza a essa ameaça multifacetada sem provocar uma escalada irreversível. O desfecho dessa guerra clandestina permanece incerto, mas suas consequências já reverberam profundamente no cenário geopolítico global.