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1989: Massacre na Praça da Paz Celestial

Era uma noite quente de verão, quando os tanques cercaram a Praça da Paz Celestial, em Pequim. Meia hora mais tarde, foram apagadas as luzes e iniciaram-se as brutalidades.

(DW) Cerca de 40 mil soldados haviam sido chamados do norte do país, depois que o batalhão estacionado na capital havia se negado a cumprir as ordens para acabar com a manifestação pacífica por liberdade e democracia, iniciada seis semanas antes na praça central da capital chinesa. Já os soldados do interior da Mongólia, com seus experientes oficiais que haviam lutado no Vietnã, não conheciam estes escrúpulos.

Os tanques invadiram a praça, atropelaram os manifestantes e atiraram em tudo o que se movia, promovendo um verdadeiro banho de sangue. Até hoje, não se sabe o número exato de mortos. Também estudantes que tentaram ajudar os feridos foram mortos.

Uma alemã que deixou a China às pressas na ocasião, relatou mais tarde que viu na rua cerca de 500 universitários com flores brancas e pretas nas roupas, em sinal de luto. “Todos foram atropelados pelos tanques”, relatou horrorizada.

Os protestos haviam se iniciado seis semanas antes, após a morte do chefe do partido, Hu Yaobang. No dia 18 de abril de 1989, milhares de universitários se dirigiram em passeata para ocupar a praça central da capital chinesa. Eles reivindicavam a democratização do Partido Comunista e o combate à corrupção.

Jornal anunciou medidas repressivas

No dia 26 de abril, o jornal Renmin Ribao, órgão oficial do governo em Pequim, criticou de forma severa o movimento estudantil e anunciou medidas repressivas em seu editorial. Ignorando a advertência, outros milhares de estudantes de 40 universidades do país deslocaram-se até a praça. Também os jornalistas se solidarizaram com o movimento e, pela primeira vez, promoveram uma manifestação exigindo liberdade de imprensa.

Nos primeiros dias do mês de maio, entretanto, ficava clara a cisão dentro da cúpula política. Enquanto o então chefe do partido, Zhao Ziyang, mostrava compreensão para as reivindicações estudantis, o primeiro-ministro, Li Peng, e Deng Xiaoping defendiam a linha-dura.

A 13 de maio, os universitários reunidos na praça iniciaram a greve de fome, alguns inclusive recusavam-se a beber água. Li Peng continuou se negando a seguir suas exigências e no dia 20 de maio decretou a lei marcial. Pouco depois, Zhao Ziyang foi deposto, selando a vitória da linha-dura do governo chinês.

A cisão começava a se delinear também entre os manifestantes. Os mais radicais negavam-se a seguir a sugestão feita pela Aliança Universitária de Pequim, de encerrar a manifestação. No dia 29, artistas chegaram a confeccionar uma estátua de espuma em homenagem à democracia, de 10 metros de altura, em plena Praça da Paz Celestial.

Na noite de 4 para 5 de junho, então, os tanques e caminhões com soldados portando metralhadores avançaram sem piedade sobre os milhares de estudantes. A temida guerra civil como consequência do massacre acabou não acontecendo. O movimento pela democracia foi sufocado em sangue e a imprensa subjugada ao controle estatal.

“Imagem do homem dos tanques mudou minha vida”

Foto de um homem solitário diante de uma fila de tanques virou símbolo do massacre na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989. Anos depois, o autor do registro, Jeff Widener, conta os bastidores da cena.

Em junho de 1989, milhares de chineses reuniram-se na Praça da Paz Celestial, em Pequim, após a morte do líder comunista Hu Yaobang. Com a liberdade de imprensa e o combate à corrupção na lista das reivindicações, o movimento pró-democracia ganhou força no país. E logo passou a ser duramente reprimido pelo governo.

Em 4 de junho, tanques invadiram a praça, atropelaram manifestantes e abriram fogo contra os civis desarmados. Embora números oficiais nunca tenham sido divulgados, estima-se que mais de 3 mil chineses morreram e outros 60 mil foram feridos no episódio.

Em meio a medo e confusão, um homem se destacou ao se posicionar diante de uma coluna de tanques que passavam pela praça. O destino dele, hoje conhecido como “homem dos tanques” ou “rebelde desconhecido”, intrigou muitos — especialmente Jeff Widener, que registrou esse momento histórico nas lentes de sua câmera.

Em entrevista à DW, o fotojornalista americano conta que só percebeu a importância da foto anos após o incidente e explica como a imagem contribuiu para que ele encontrasse a felicidade em sua vida privada.

DW: Qual é a história por trás da foto do “homem dos tanques”?

Jeff Widener:Na manhã de 5 de junho, um dia após o massacre, eu fui instruído pela Associated Press (AP) para tentar fotografar a Praça da Paz Celestial, que havia sido ocupada pelos militares. Isso era praticamente um desafio, se levarmos em conta o que havia acontecido lá no dia anterior.

O ponto de vista mais próximo que encontrei era o Hotel Beijing. Então eu peguei uma bicicleta e dei um jeito de atravessar a linha dos seguranças. Depois de conseguir entrar no hotel, com a ajuda de um universitário, cheguei a uma sacada no quinto andar do edifício e posicionei minha lente de 800 milímetros. No fim do dia, eu não havia capturado apenas a praça. Ganhei também um bônus: as imagens do “homem dos tanques”.

Quem você acha que era o “homem dos tanques”?

Eu acho que era um homem que, provavelmente, estava fazendo compras e que pode ter se envolvido no episódio do dia anterior. Pode ser que ele tinha uma namorada que morreu ou se feriu durante os tumultos. Eu acho que ele tinha motivos para aquilo. Ele foi para a rua, viu os tanques vindo, não se preocupou muito com sua própria segurança, apenas fez o que sentiu que deveria fazer naquela hora.

O que você achou da atitude dele?

Eu achei a atitude dele incrível, impressionante. Todo mundo diz que ele foi corajoso. Eu concordo. Mas, às vezes, eu fico me perguntando o que será que se passava na cabeça dele. Se estava abalado com a morte de algum amigo ou parente. Talvez, naquele momento, ele não estivesse pensando em si mesmo.

O que você acha que aconteceu com ele após ter sido levado por quatro homens?

Talvez nunca venhamos a saber. Mas eu acredito que alguém sabe, só não nos conta.

Como era o clima em Pequim no dia em que você fez essa foto?

Ninguém queria sair para as ruas. Todos estavam assustados com o que havia ocorrido nos últimos dias. Eu, por exemplo, achei que fosse morrer na noite de 3 de junho, quando fui atingido no rosto por um tijolo jogado por um manifestante.

Eu também tive medo de morrer quando, depois, um caminhão cheio de soldados veio e abriu fogo. Corri desesperado em direção a um beco, mas tive de parar na metade do caminho porque estava muito ofegante. Eu pensei: “Vou morrer porque estou fora de forma”. Essa foi uma das piores experiências que tive durante esses dias. Por fim, acabei batendo na porta da embaixada dos Estados Unidos. Quando eles finalmente me deixaram entrar, eu estava tremendo. Foi um milagre ter vivido isso e sobrevivido.

Mas essa não era a primeira vez que você vivia uma situação dessas. Você se sente confortável trabalhando em situações de risco?

Durante os anos de trabalho, participei de coberturas jornalísticas em mais de 100 países que passaram por mobilização civil e movimentações sociais. Eu sempre gostei de sentir esse frio na barriga, de entrar em lugares que pudessem ser assustadores. Eu só não gosto da sensação de ser alvo de violência, mas gosto do reconhecimento que eu obtenho a partir das minhas imagens.

O que passava na sua cabeça quando você fotografou o “homem dos tanques”?

A primeira coisa que eu pensei era que esse homem estragaria as minhas fotos. Depois me choquei como todas as outras pessoas. Eu achei que ele seria morto ali mesmo. Mas ele não foi, e foi então que eu decidi pegar uma lente que dobraria a distância focal que eu tinha, porque a cena acontecia longe. Foi uma experiência incrível.

Quando você se deu conta de que havia capturado uma imagem histórica?

Eu rapidamente soube que a imagem tinha gerado um impacto. Jornais e revistas de todo o mundo estavam publicando a foto em meia página. Mas acho que só fui perceber a dimensão de tudo isso quando o AOL selecionou a imagem como uma das dez mais famosas de todos os tempos, me colocando ao lado de fotógrafos que, por exemplo, registraram a lua e a queda do dirigível alemão Hindenburg. E então a ficha caiu, e eu me dei conta de que havia feito algo especial de verdade.

E como você encara o fato de a imagem ainda ser censurada na China?

É uma vergonha para o governo chinês. Eu não entendo porque eles não abrem o jogo. Houve erros em ambos os lados, e eles não estão enganando ninguém. É quase cômico o fato de esta imagem ainda ser proibida no país. Todo mundo sabe sobre ela.

Em lugar onde há desejo de conhecimento, as pessoas vão acabar descobrindo. Após muitas das piores tragédias da história, os países envolvidos voltam atrás, pedem desculpas e traçam um novo caminho. Mas parece que isso não vai acontecer com o governo chinês. Quem sabe um dia.

Como a foto impactou a sua vida?

A imagem tem sido, de certa forma, uma bênção e uma maldição. Como fotógrafo, você também gostaria de ser lembrado por seus outros trabalhos e não somente por aquele “tiro de sorte”. Eu espero que algum dia meus outros trabalhos também sejam reconhecidos. Mas é claro que não estou reclamando. Essa imagem ajudou na minha carreira e abriu muitas portas para mim.

Do ponto de vista particular, aquela foto mudou minha vida porque me permitiu que conhecesse Corinna. A BBC me mandou para Pequim para gravar um documentário sobre os 20 anos do massacre. E teve um dia em que eu estava caminhando na avenida Chang’an, quando vi uma mulher alemã sentada ao lado da rua.

Conversei com ela e acabamos indo para uma casa de chá durante uma tempestade. Cerca de cinco horas depois, nos demos conta de que estávamos apaixonados. Nós nos casamos no ano seguinte em Honolulu, no Havaí. Se alguém me dissesse que, 20 anos depois, eu voltaria para aquele lugar e encontraria minha futura esposa, eu não acreditaria.

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