Gustavo Uribe
A avaliação é do professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Antônio Márcio Buainain, especialista em questões agrárias. Para ele, o governo federal deveria focar os investimentos em propriedades com potencial produtivo, em vez de distribuir os recursos por igual. Ele observa que muitos assentamentos estão em locais de difícil acesso e são dados a famílias que não têm aptidão para se tornarem produtoras rurais, o que torna as propriedades inviáveis economicamente.
O que explica a atual situação de miséria nos assentamentos rurais brasileiros?
O modelo atual de reforma agrária é fracassado. É fracassado porque selecionam mal as terras e a localização delas, muitas das famílias não têm nenhuma aptidão para serem produtoras rurais e o apoio dado a elas é insuficiente. Os sistemas produtivos adotados são equivocados porque, cada vez mais, estão pautados em ideologia, e não em funcionalidade. Os casos de sucesso são, infelizmente, poucos. E não vejo perspectiva de que seja diferente se continuar o atual modelo.
Qual seria o melhor modelo de assentamento rural que poderia ser adotado pelo governo federal?
O Brasil não precisa mais de uma reforma agrária para apenas distribuir terras. O Brasil deve lançar mão de modelos de reutilização de terras e de produção familiar articulada com o setor industrial. O país é outro desde o início das discussões sobre reforma agrária e ainda se pretende adotar o modelo da década de 1950, como se nós tivéssemos latifúndios improdutivos para distribuir e como se tivéssemos camponeses sem terras.
Por que cada vez mais essas famílias têm dependido de programas sociais?
Não seria uma anormalidade se o programa Bolsa Família, do governo federal, fosse dado às famílias no momento inicial dos projetos. Essas pessoas, teoricamente, são pobres e, quando chegam a um assentamento rural, precisam de algum tempo para se viabilizarem como produtores. Seria normal que esses assentados, em um primeiro momento, tivessem acesso ao Bolsa Família, como têm a outros benefícios. A anormalidade é que esse benefício tem virado permanente, mostrando que, mesmo passados três ou quatro anos, as famílias sequer conseguem produzir o suficiente para superar o estágio de pobreza. Então, o fato de as famílias receberem de forma continuada o Bolsa Família reflete o fracasso do atual modelo.
Em médio prazo, que alternativas poderiam ser adotadas pelo governo federal para substituir o Bolsa Família na renda dessas pessoas?
É necessário selecionar, entre os assentamentos, aqueles que são efetivamente viáveis e investir na recuperação e viabilização econômica deles. Há assentamentos que podem ser viáveis: estão localizados em regiões com acesso, com terras de fertilidade minimamente aceitável e com tamanho de lote compatível com a instalação de sistemas produtivos. Ou seja, investir nos projetos que sejam viáveis. Infelizmente, muitos são inviáveis e essas famílias talvez estejam condenadas a receber o Bolsa Família por bastante tempo. Elas vão deixar de receber o Bolsa Família quando os filhos se inserirem em outros mercados e tiverem maior acesso à educação. A grande maioria dos projetos implementados no semiárido, por exemplo, são inviáveis, tanto em tempo de seca como em ano bom.
Mas o que seria feito com os assentamentos considerados inviáveis?
Não adianta distribuir o dinheiro em todos os projetos, como é feito. Seria melhor concentrar nos com viabilidade econômica, que têm sustentabilidade ambiental. Os demais, aos poucos, se tornariam locais de moradia, onde as pessoas poderiam morar com dignidade e, aos poucos, iriam se inserir em outros setores da economia.