José Roberto Guzzo
O Estado de S.Paulo
01 Dezembro 2019
Há quantos anos Lula não ouve alguém lhe dizer a verdade – não entre as pessoas com quem fala e que falam com ele? Dez anos? Vinte? Trinta? Não é uma pergunta à toa, a começar pelo fato de que trinta é o triplo de dez, e faz o triplo de mal ficar durante tanto tempo assim selado dentro de um ambiente a vácuo, onde é proibida a entrada dos fatos e onde 100% das pessoas só falam aquilo que você quer ouvir.
Pior que isso, como ensina o bom senso, é que escutar a verdade pode doer na hora, mas viver na mentira vai machucar para sempre. Não poderia haver melhor prova dessa desventura do que o abismo em que o próprio Lula está metido hoje.
Não é preciso ser nenhum Prêmio Nobel para ver que se alguém nunca ouve a verdade, acaba se tornando incapaz, também, de dizer a verdade. Eis aí um problemão, no caso de Lula. Foi desligada, em algum lugar do seu circuito mental, a válvula que leva o indivíduo normal a dar a resposta certa quando alguém lhe pergunta, por exemplo, que horas são, ou qual foi o resultado do futebol.
O ex-presidente dá a impressão de que não consegue mais perceber a diferença entre o verdadeiro e o falso – ou, se percebe, prefere ficar com o falso. Pior ainda, fica injuriado toda vez que sai da bolha onde vive, cercado por gente que lhe diz exclusivamente o que ele exige ouvir, e vê a verdade contrariar as fábulas que quer passar adiante para o resto do mundo.
Essa realidade só é apresentada a Lula por quem está fora do seu vasto cordão de puxadores de ego – e que ele considera, sem nenhuma exceção, como inimigos. É lógico, aí, que diga que está sendo caluniado, perseguido e impedido pela extrema direita de ser de novo o presidente deste País.
Lula se arruinou por causa das próprias mentiras, ou da incapacidade patológica de reconhecer a realidade – o que, talvez, dê na mesma. As mentiras mais perigosas, muitas vezes para o próprio mentiroso, são aquelas que são ditas por quem acha que está dizendo a verdade, ou finge que está.
O ex-presidente perdeu o poder, foi à falência na sua carreira política, passou mais de um ano e meio na cadeia e vive, hoje, num estado de desgraça judicial permanente, porque proibiu que lhe dissessem a verdade – e, pior ainda, proibiu a si próprio de procurar por ela. Mania de grandeza em estágio clínico? Psicoses escondidas nas zonas mais escuras da mente? Egoísmo degenerativo? É melhor deixar essas coisas com os profissionais da psiquiatria. O fato é ele que ficou machucado para sempre.
Nunca ocorreu a Lula ter cometido algum erro, nem que possa ter tido qualquer tipo de responsabilidade em absolutamente nada que lhe aconteceu de ruim. Mentiu a si próprio achando que não havia corrupção em seu governo, e que nada iria lhe acontecer por conta de seu casamento com empreiteiros de obras, piratas disfarçados de empresários (“campeões nacionais”) e ladrões da Petrobrás. Fechou-se num mundo imaginário onde ninguém lhe dizia, nem ele permitia que lhe dissessem, que o convívio íntimo com políticos venais, fornecedores vigaristas do governo e toda a espécie de corruptos poderia, um dia, dar problema.
Acreditou que o PT não sairia nunca do governo. Em vez de pagar pelo maldito triplex e pelas reformas no raio do sítio – e pronto – exigiu fazer tudo do seu jeito. Não quis ouvir um único advogado capaz de lhe mostrar as realidades da sua metástase perante o Código Penal. Quando a casa caiu, a culpa foi de Sérgio Moro, do FBI, das elites, da imprensa, “deles” – nunca de um erro seu.
Solto, Lula continua vivendo na sua miragem. No deserto, o viajante vê um oásis à frente. O ex-presidente vê a si próprio como já foi um dia. O problema, para ambos, é que as miragens desmancham quando se chega perto delas.