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“Planificação ecológica” anunciada por Macron

Cobrado pelas propostas ambientais fracas para o seu segundo mandato, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou já no discurso de vitória, no domingo (24), que quer transformar a França em uma “nação ecológica”. Mas depois de muitas promessas e poucos atos, especialistas demonstram ceticismo.

No plano político, o país sai desta eleição fraturado, inclusive sobre a importância da ecologia. Operários e agricultores, que votaram em massa na candidata da extrema direita Marine Le Pen, têm dificuldade em aceitar os sacrifícios que a transição ecológica exige e não se sentem representados por Macron. Dessa ruptura, decorre um primeiro grande desafio: convencer o conjunto da população sobre a importância do problema.

"Acho que, intelectualmente, Macron percebeu o fenômeno da crise climática. Mas eu penso que também continua preso à sua socialização política: é um político que foi criado sob o imaginário do máximo de crescimento, do pleno emprego, do poder aquisitivo etc.

É alguém persuadido dos benefícios da economia liberal de mercado e tem dificuldades de conciliar os transtornos da ecologia com a ideia de que é preciso limitar, de fato, o desenvolvimento no modelo neoliberal para poder responder aos desafios ambientais”, observa Bruno Villalba, pesquisador da AgroParisTech e autor de “A Ecologia Política na França”.

Primeiro-ministro à frente do planejamento ambiental

Às vésperas do segundo turno e preocupado em conquistar o voto da esquerda, o candidato Macron tomou para si uma proposta do seu concorrente Jean-Luc Mélenchon, de esquerda radical: designar um primeiro-ministro encarregado da “planificação ecológica” do país.

A ideia é que os temas ambientais estejam no coração do desenvolvimento, de maneira transversal entre os ministérios. "Isso pode resolver um problema que sempre existiu: a ecologia não pode ser um setor do governo, mas sim deve atingir todas as áreas de um governo. Um primeiro-ministro encarregado desse planejamento poderia ser a solução, mas ainda não temos mais detalhes sobre as definições dessa função”, explica o cientista político Daniel Boy, também especialista em ecologia política, na Sciences Po de Paris.

"Por exemplo, não temos a menor ideia do que vai acontecer com o ministério da Ecologia. Ele vai desaparecer ou continuar? E se sim, como seria a divisão de funções entre o ministro e o primeiro-ministro?”, questiona.

Daniel Boy avalia que só será possível ter mais clareza sobre as verdadeiras intenções do presidente quando for detalhado o projeto para a França chegar ao objetivo que está sobre a mesa: atingir a neutralidade de emissões de carbono até 2050. "Para chegar a essa meta, ainda não sabemos nada sobre o que será feito. A única coisa que podemos fazer é acreditar ou não numa promessa. É uma questão de fé”, salienta.

"Crescimento verde"

Com a plano de ampliação das energias renováveis, incluindo 50 parques de eólicas offshore, a construção de seis novas centrais nucleares de nova geração e subsídios para fabricação e compra de veículos elétricos, Macron deseja que a transição ecológica seja o motor da reindustrialização francesa. Entretanto, para Bruno Villalba, o chefe de Estado francês continua com as prioridades equivocadas, face à crise climática.

"A França pode talvez se tornar um exemplo de crescimento verde, mas certamente não será um exemplo em matéria de ecologia. Reindustrializar significa consumir mais recursos naturais, mesmo se você conseguir otimizar tudo com progressos técnicos que desperdiçam menos. Produzir mais carros elétricos continua sendo produzir mais carros. E os carros vão muito além deles próprios: significam imensas infraestruturas para eles, estradas, estacionamentos, impermeabilização dos solos”, contextualiza o professor da AgroParisTech.

“Ou seja, ver a questão ecológica como sendo a mera substituição das energias fósseis não resolve o fundamental do problema. Em nome dos imperativos de um crescimento que rebatizamos ‘verde’, continuamos sem modificar os nossos objetivos de sempre, como a reindustrialização, que são incompatíveis com os limites do planeta”, resume.

O especialista em energias da organização France Nature Environnement Michel Dubromel complementa: "No nível europeu, só tem um país que está atrasado em relação às energias renováveis. Adivinhe qual? A França”, acusa.

“Sem contar que, para nós, a energia nuclear não é uma solução para o clima, ao contrário do que pensa Macron. Essa é uma solução de longo prazo, de 15, 20 anos, enquanto que implementar energias renováveis pode ser feito no período de um ano. E eu ressalto ainda que, depois de 50 anos, ainda não sabemos como tratar os dejetos nucleares”, adverte. Dubromel lembra ainda outras promessas não cumpridas por Macron, como promover o isolamento térmico dos imóveis para limitar o consumo de energia.

O candidato voltou a destacar esse projeto para se reeleger. "É muito discurso, mas decisões contrárias aos discursos”, lamenta.

Retrocesso na agricultura

Na agricultura, outro setor em que as transformações são cruciais, a guerra na Ucrânia e a escassez de matérias-primas bastaram para Macron recuar na estratégia de uma produção agrícola menos industrial, mais local e com menos agrotóxicos. Jean-Claude Bevillard, também France Nature Environnement, afirma que se opor ao acordo União Europeia-Mercosul por questões ambientais não basta para fazer de Macron um defensor do planeta.

Ele nota que a França ainda é muito dependente do exterior e vê em Macron um líder adepto de um livre comércio sem regulação, prejudicial ao meio ambiente.

“De um lado, a gente fica dependente e, do outro, danificamos esses lugares de onde compramos soja, óleo de palma e outros. É evidente que a crise atual é uma ocasião de tornar a nossa economia muito mais resiliente, de produzir na França e na Europa tudo que realmente precisamos, sem desperdiçar as matérias-primas, e produzir sob uma perspectiva de durabilidade”, argumenta o ambientalista.

"Se orientarmos a indústria e a economia nesse sentido, daremos de novo ao nosso país verdadeiramente um futuro, e uma força para enfrentar os desafios de hoje.” O presidente também não encabeça questionamentos sobre os hábitos da sociedade, apontados como especialistas e até pela ONU como essenciais para um futuro, com menos emissões de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento da Terra.

“Ele não questiona a abundância e a diversidade agrícola, o consumo de carne. Há hábitos cujos impactos o consumidor tem dificuldade de visualizar, mas para produzir um quilo de carne bovina, precisa-se de 80 litros de petróleo, em energia”, salienta Villalba. “Não podemos continuar assim.”

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