Brasil recebe míssil israelense para enfrentar blindados na véspera da eleição na Venezuela
Na foto um Spike LR2 disparado desde um blindado Boxer em testes na Austrália.
Marcelo Godoy
15 Julho 2024
Portal Estadão
Pouco antes das eleições do próximo dia 28 de julho na Venezuela e sob a ameaça de uma ação armada do regime de Nicolás Maduro no território de Essequibo, na Guiana, o Exército brasileiro recebeu de uma só vez um carregamento de uma centena de mísseis Spike LR2. A carga veio direto de Tel-Aviv para o Rio de Janeiro dentro de um KC-390 do 1º Grupo de Transporte de tropa, da Força Aérea Brasileira (FAB).
A entrega de uma só vez do material bélico é fundamental para reforçar a defesa anticarro do Brasil. Do outro lado da fronteira, além das duas centenas de carros de combate T-72 e blindados BMP-3 russos, Maduro dispõem de viaturas blindadas de combate de fuzileiros (VBC Fuz) ZBD 05/VN-18 e carros de combate leves ZTD 05/VN-16, ambos chineses, bem como de 80 carros de combate franceses AMX-30 modernizados.
Os mísseis israelenses haviam sido comprados pelo Exército brasileiro em 2021 e deveriam ter sido entregues em outubro de 2022. Desde o momento da assinatura do contrato com a Rafael Advanced Defense Systems Ltd, a situação geopolítica do mundo mudou consideravelmente. Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, Hamas atacou Israel, Benjamin Netanyahu lançou o ataque a Gaza e Maduro passou a ameaçar a Guiana.
Após um ano e meio de atraso e com o Exército sendo obrigado a buscar outra soluções para suprir a deficiência de sua defesa anticarro, repentinamente a Rafael decidiu entregar o lote comprado pelo Brasil. A única exigência israelense foi o envio de uma aeronave militar para retirar a carga. Os Spike LR2 chegaram com dez lançadores, dez simuladores e outros equipamentos de apoio e de suporte para os mísseis.
Ao mesmo tempo que Israel, uma aliado dos EUA, ajudava o Brasil a aumentar sua capacidade dissuasória em Roraima, também demonstrava boa vontade diante de outro nó envolvendo o País: a compra pelo Exército de 36 viaturas blindadas de combate, conhecidas como obuseiros de calibre 155 mm autopropulsados sobre rodas (VBCOAP-SR). É que a vencedora da licitação, que pode chegar a R$ 750 milhões, foi a empresa israelense Elbit Systems – e suas subsidiárias brasileiras Ares Aeroespacial e Defesa e AEL Sistema – com o sistema Atmos 2000 para as unidades de artilharia. O resultado da licitação foi anunciado em 29 de abril, mas no dia 8, a assinatura do contrato foi suspensa
O Exército informou que a recriação de uma companhia anticarro “já vinha sendo estudada em planejamentos estratégicos anteriores”. “Em função de indicações obtidas no ciclo de planejamento 2024-2027, ocorrerá em cidade no interior do Estado de São Paulo, ainda não definida.” De acordo com o Exército, essa unidade será “de natureza mecanizada, ou seja, dotada de meios blindados sobre rodas e comporá a 11.ª Brigada de Infantaria Mecanizada”.
É aí que entra uma questão. A tropa mecanizada não é aeromóvel, mas como parte da 11.º Brigada, a nova 1.ª Companhia de Mísseis Anticarro Mecanizada (1.ª Cia Msl AC Mec) comporá uma das Forças de Emprego Estratégico do Exército e, assim, pelos planos do Exército, ela ficará “em condições de ser empregada em qualquer parte do território nacional”.
Teste míssil anticarro MSS 1.2 AC feito pelo Exército: armamento vai equipar nova tropa da 11.ª Brigada de Infantaria Mecanizada Foto: Exército Brasileiro
É dessa forma que o comando do Exército espera que a criação da 1ª Cia Msl AC Mec atenda um dos itens da diretriz estratégica da Força Terrestre: “Aprimorar as capacidades de proteção, de pronta resposta e de dissuasão e incorporar novas capacidades, a fim de manter a Força Terrestre em condições de neutralizar eventuais ameaças à soberania nacional, provenientes de diferentes matizes”.
O caráter dissuasório dos mísseis pode ser confirmado pela decisão tomada pelo Estado-Maior do Exército de providenciar os meios para o envio a Roraima não de só blindados Cascavel, Guaicurus e Guarani, mas também um lote de dezenas de mísseis MSS 1.2 AC. Fabricados pela Siatt e com alto grau de componentes nacionais, o míssil ainda estava em testes quando a ameaça de Maduro fez o Exército lançar mão do recurso para reformar a 1.ª Brigada de Infantaria de Selva, em Boa Vista.
O projeto da 1ª Cia Msl AC Mec ainda está em curso e se enquadra no Programa Estratégico “Forças Blindadas”, que emprega recursos oriundos do PAC. Os dois principais armamentos da nova unidade do Exército serão os mísseis Spike, com alcance médio de 5 km e o Míssil Superfície-Superfície 1.2 AC, fabricado pela Siatt, com alcance médio de 3,5 km – o Centro de Avaliações do Exército (CAEx), no Rio, fez, em 22 de maio, o teste de lançamento para avaliação técnica do MSS 1.2 AC. Ao final de sua implantação, a 1ª Cia Msl AC Mec contará com efetivo de aproximadamente 120 militares.
Míssil Spike LR2 em teste feito pela Rafael; Brasil recebeu uma centena de Israel Foto: Rafael Advanced Defense Systems Ltd
A decisão de montar a companhia representa uma mudança nos planos do Exército, que antes pretendia distribuir os mísseis por quatro unidades do Rio Grande do Sul. A verdade é que a escassez desse equipamento no País e a nova realidade geopolítica – a instabilidade causada por Maduro na fronteira norte – obrigou a mudança de plano. E muito certamente convenceu o fabricante israelense a finalmente entregar o equipamento, apesar dos riscos de escalada do conflito árabe-israelense no Sul do Líbano e em Gaza.
Ao todo, o Exército prevê, nos três próximos anos, investir até R$ 2,5 bilhões nas forças blindadas. Ele deve adquirir novos lotes de mísseis e viaturas blindadas de combate fuzileiros (VBC Fuz), em substituição às Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal (VBTC) M-113-BR. Ao todo, o Exército planeja a compra de 78 viaturas de combate fuzileiros e de 65 carros de combate de até 50 toneladas, ou seja, tanques médios.
O único problema é que nem as crises ou as aventuras de autocratas aguardam os planejamentos dos escritórios de projetos das Forças Armadas. A eleição da Venezuela, onde Maduro terá de enfrentar uma oposição que ameaça derrotá-lo nas urnas, será o primeiro grande desafio. Na fronteira com a Guiana multiplicam-se as ameaças de quem busca os votos prometidos aos conquistadores. Antes ou no momento seguinte à eleição, Essequibo pode voltar ao noticiário.
Enquanto isso, o comandante estratégico operacional das Forças Armadas Bolivarianas, general Domingo Hernández Lárez, continua com as imagens de carros de combate Scorpions 90 e um “tancódromo” usado para o treinamento das tripulações na Ilha de Anacoco fixadas em seu perfil no X (ex-Twitter) desde janeiro. A ilha, no Rio Cuyuni, fica na fronteira com a Guiana. Mensagem mais clara impossível.
Vídeo promocional da Rafael mostrando os modelos da Família Spike