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Forças Blindadas: novas concepções exigem leitura diferenciada e proatividade em transformações

Forças Blindadas: novas concepções exigem leitura diferenciada e proatividade em transformações

 
Nelson Düring
Editor-Chefe DefesaNet

Ao longo do tempo, os paradigmas inseridos no contexto operacional dos exércitos existem para serem superados, a fim de emprestar maior eficácia aos sistemas de combate. Embora esse tema militar possua grande abordagem e tenha substancial amplitude, desde os aspectos inerentes à liderança, alcançando até mesmo os aspectos sobre novas táticas, técnicas e procedimentos, o que influencia possíveis doutrinas e formas de atuação, neste texto tão somente as considerações referentes às novas capacidades e a geração de força serão privilegiados.

Desde 1648i os exércitos são bombardeados com a evolução de inúmeros paradigmas, principalmente os de cunho operacional, que sofrem reflexos frutos das novas inserções realizadas pela dinâmica dos conhecimentos bélicos, transformando a maneira de atuar das forças de combate – mudando, alterando e aperfeiçoando a doutrina, e provocando as mandatórias e inadiáveis alterações nas estruturas organizacionais.

Assim sendo, vivenciou-se o aparecimento das sucessivas gerações de combate, que alteraram a dinâmica do emprego das forças militares, em consequência dos reflexos absorvidos pelas RTA (revolução em assuntos tecnológicos) e RMA (revolução em assuntos militares).

Considerando a experiência contemporânea, identificamos que o ciclo de desenvolvimento militar se tornou mais assertivo à medida que acompanhamos a evolução do combate particularmente quando se aborda as operações de movimento, no emprego conjunto de armas combinadas e com a necessária interação de componentes não exclusivamente militares dotados de tecnologia no estado da arte.

O surgimento de novos meios tecnológicos acelerou as transformações dos sistemas e conceitos militares, impactou a inteligência militar e, notadamente, fez com que a liderança em todos os níveis se aprimorasse, em relação ao novo tempo e aos novos meios disponíveis. Estruturas e organizações não adaptáveis tenderam a ficar cristalizados, sendo sepultadas pela obsolescência e inoperância.

Imagem clássica – Tripulação de CC Leopardo 1A5 do 1º RCC / 3ª DE / CMS vigia o horizonte à espera do inimigo. Tem confiança de ter sido treinada, equipada e municiada para enfrentar os desafios do campo de batalha.
Novas dimensões são incorporadas no campo de batalha atual – CC Leopard 1 A5BR do 1ºRCC / 3ª DE / CMS – Foto CMS

A história – mestre em conhecimentos, aponta e em muitos casos direciona o futuro. A campanha do Exército Norte-americano contra o México (“Punitive Expedition”) e, em particular, contra as tropas de Villa (Pancho Villa), utilizou novos meios de combate. Naquele conflito, em 1915, foram empregados aviões para estabelecer as necessárias ligações de comando entre as colunas de marchas e também como meio de observação dos movimentos dos oponentes. Já naquele momento, identificou-se que o vetor aéreo seria fundamental nos combates do por vir. O meio aéreo então empregado foi o inseguro avião Curtis Jn-2. Todos os seis aparelhos utilizados se acidentaram no primeiro mês de operação. Mesmo assim, o advento da aviação em operações militares tornou-se essencial a partir desse conflito. A indústria da inovação impactou a maneira da campanha terrestre ser executada, alterou práticas, procedimentos e alimentou mudanças significativas na doutrina e na estrutura das organizações militares.

Novos materiais e descobertas pressionam os exércitos por melhorias. O cavalo, meio essencial aos combates à época, foi gradativamente sendo substituído por sistemas mecanizados, mesmo sendo estes não confiáveis, à princípio. Assim, já apontavam para um novo caminho a ser seguido, um caminho que implementava maior poder combate, mais dinamismo e, por fim, mais letalidade. No final do primeiro conflito mundial, o exército estadunidense estabeleceu sua escola de blindados (“Tanks”) em território francês, na cidade de Bourg, utilizando os conhecimentos disponíveis pelo início da implementação de forças blindadas. Rochembach e Patton foram encarregados por Pershing de desenvolver e implementar o emprego de blindados, dando ensejo a criação dessa escola de blindados, fazendo surgir sua mística. Em 1918, essa escola recebeu seus primeiros blindados – 25 Renault 17. Coincidentemente, os mesmos blindados que em 1921 aportaram no Brasil, dando início à mecanização do Exército Brasileiro.

A I GM expandiu a mecanização pelo mundo contemporâneo. Os exércitos mais modernos acompanharam e investiram nessa tendência. Na década de quarenta vimos a Europa sucumbir à Blitzkrieg alemã. Na América, o primeiro grande exercício envolvendo blindados foi realizado em 1941, no estado da Carolina – EUA, onde duas divisões blindadas realizaram um importante jogo de guerra. O resultado foi que os blindados vieram para transformar o combate, embora ainda existissem oficiais que advogavam pela cavalaria tradicional. Presentes nesse jogo de guerra estavam o Gen Patton, com sua 2ª Divisão Blindada e o Gen Hugh Drumii, opositor que fora no exercício capturado por uma fração de motociclistas avançados.

Nos anos seguintes inúmeros conflitos modernos se sucederam. Novas tecnologias surgiram rapidamente, tornando a curva da obsolescência de materiais militares muito acentuada. O fator obsolescência, entre tantas obras, foi consistentemente abordado por George e Meredith Friedman, em seu livro O Poder Mundial, o qual destaca que o investimento em novos armamentos é mais vantajoso, trazendo maior letalidade e confiabilidade ao campo de batalha, se comparado com investimentos sequenciais (melhorias) em armamentos considerados ultrapassados, cujas respostas operacionais não são e nem serão factíveis, considerando pertencerem a um estágio industrial e tecnológico ultrapassado. Nesse escopo encontramos, hoje, meios militares que compõe o acervo operativo do Exército Brasileiro, como as viaturas Cascavel, Leopard 1A5 e viatura leve Marruá.

  • O primeiro pertence a uma geração ultrapassada, sendo seu armamento principal – Canhão 90mm ultrapassado pelo alcance e eficiência. A proposta de modernização não elevará sua capacidade letal, sobremaneira porque seu canhão continuará ineficiente. Existe a possibilidade de com um grande esforço de estudos de engenharia e considerável dispêndio de recursos, ora limitados, equipar-se essa viatura com mísseis, que são equipamentos defensivos e que demandam uma cauda logística considerável para que se mantenha sua sustentabilidade em combate. Se o míssil é pretendido, então equipar uma viatura leve blindada com esse dispositivo é mais adequada, considerando os custos e a própria mobilidade em uma área operacional, uma vez que sabemos que a viatura Cascavel é pesada´, pouco manobrável e apresenta silhueta pouco furtiva, em especial se visualizarmos o ambiente urbano – uma característica cada vez mais atual. Modernizar o Cascavel é como modernizar um chevette e achar que ele ficará equiparado aos modernos veículos disponíveis no mercado. Nesse sentido, prosseguir com o projeto de modernização, tal qual foi concebido e considerando os valores a serem investidos, o recursos disponíveis e atual configuração dos combates modernos e das lições aprendidas com a guerra em curso na Ucrânia, e nosso cenário de emprego estratégico, é um dispêndio de recursos que poderiam ser investidos em outras plataformas, mais modernas e protegidas. A modernização do Cascavel, tal qual vem sendo apresentada, dadas as lições atuais da guerra na Ucrânia, não faz sentido algum, não traz qualquer tipo de ganho operacional, econômico, logístico e industrial ao Exercito Brasileiro, bem pelo contrário. Dito isto, a continuidade desse projeto e o investimento de recursos vai na contramão das tendências internacionais e das necessidades da Força Terrestre na sua preparação e prontidão operacional.
Membros da tripulação da Viatura Blindada Cascavel, do 7 ° Regimento de Cavalaria Mecanizado, remuniciam a viatura com a munição de 90 mm . Foto Comando Militar do Sul – CMS
  • O segundo carro citado – Leopard 1A5 foi um êxito operacional, agregou uma notável potência de fogo, uma blindagem reconhecidamente eficiente e uma mobilidade compatível com o cenário de emprego previsto. Esse carro de combate constituiu um marco de avanço no desenvolvimento de viaturas blindadas. No entanto, isso foi há 60 (sessenta) anos atrás. A tecnologia agregada no Leopard 1A5, ao seu tempo, foi revolucionária, porém, hoje, está defasada, em particular a tecnologia do seu armamento principal – um canhão de 105mm, raiado, sem considerar sua capacidade de gerenciamento e sensoriamento do campo de batalha. Nesse sentido, a modernização do Leopard 1A5 é antieconômica e somente vai atrasar a seleção e a entrada em operação de um Carro de Combate mais moderno e adequado as exigências dos cenários operacionais atuais e futuros. Em complemento, a inexistência de peças sobressalentes no mercado internacional, causada pela necessidade imediata de transferência e operação desses veículos na Ucrânia aumentou o custo logístico e diminuiu sua operacionalidade, o que não justifica qualquer tipo de projeto de modernização que aumente sua vida útil ou estenda sua operação no Exército Brasileiro.
Pelotão Viatura Blindada de Combate Carro de Combate Leopard 1ABR em manobra Foto Comando Militar do Sul – CMS
  • Quanto à viatura Marruá é factível afirmar que em nenhum exército operacional uma viatura de combate é desprovida de capota. Essa consideração, entre outras limitações, já é suficiente para refletir sobre o uso operacional dessa viatura em ambientes de conflito. Se o combatente individual usa obrigatoriamente o colete (flakjack), como uma viatura operacional pode deixar de ter capota? Onde está a blindagem, proteção mínima necessária para as tripulações e as equipagens. No combate moderno,  devemos elevar ao máximo a probabilidade de êda tripulação aliada a necessidade de cumprimento da missão, nesse caso, o emprego do Marruá, tal qual foi concebido e é operado pela Força Terrestre faz o efeito inverso, ao maximizar a probabilidade de perdas humanas e de material já no primeiro contato com o inimigo.

Viatura Marruá em missão de reconhecimento, deve-se elevar ao máximo a segurança da tripulação Foto Comando Militar do Sul – CMS

O fim da bipolaridade provocou mudanças no cenário estratégico-militar, e, consequentemente, as FFAA (Forças Armadas) tiveram que repensar vários conceitos que até então eram básicos e estruturantes para as organizações responsáveis pelo setor de defesa.  

Em face das novas condicionantes, as FFAA entraram em um processo de reestruturação que impactou sua organização, seu material, sua doutrina de emprego, seus recursos humanos e até mesmo sua institucionalidade. O questionamento de como combater e contra quem passou a ser mandatório em todas as análises de cenário que tendem a se alongar no tempo, uma vez que podem direcionar investimentos vultosos, com impacto na saúde financeira das nações.

A forma de combater, o preparo das forças militares, a influência jurisdicional na conduta dos soldados, o crescente incremento do direito internacional humanitário e a legislação que subordina e orienta o emprego militar ditam novas regras e procedimentos a serem adotados no campo de batalha e fazem com que, não somente os soldados devam se adaptar à nova ordem, mas toda a cadeia de comando e, principalmente, a liderança militar que necessariamente tem a atribuição de ser cada vez mais resiliente, adaptável às situações, incorporando a necessária elasticidade. 

Em tempos de restrições orçamentárias – incrementadas com o fim da Guerra Fria, existe sempre presente o dilema de qual deve ser efetivamente a quantidade de recursos gastos com as FFAA. Qual o peso que elas devem receber no orçamento –  este sempre insuficiente para atender as novas demandas e desafios. Esses recursos, cuidadosamente aplicados, devem contemplar diversos projetos, ampliar as capacidades existentes e possibilitar um adequado ganho de conhecimento técnico.

Tal processo, se refere aos planos de curto, médio e longo prazos a serem efetivados, que contemplam, entre outros aspectos, capacitação de pessoal, preparo da tropa, modernização (impreterivelmente) de estruturas organizacionais e, também, a transformação institucional que aponta para o futuro, com plataformas de gerenciamento trabalhando em tempo real. Tudo isso respeitando as prioridades e as necessidades prementes, condicionadas pelo momento e alinhadas com as oportunidades e tendências – nem sempre as oportunidades apontam para tendências e por isso elas dever ser coerentemente estudas. 

Assim sendo, os campos do conhecimento, interagindo com os domínios do combate (Humano, Terrestre, Marítimo, Aéreo, Espacial, Nuclear e Cibernético) devem apontar as tendências a serem seguidas, definindo metas e objetivos, selecionando cursos de ação e implementando eficazmente procedimentos adequados de modo a ampliar de maneira flexível as capacidades das forças militares, otimizando em nível de excelência seus setores profissionais de emprego e de pesquisa tecnológica e inovação, tuteladas pelo que a força realmente precisa, responsável pelas entregas operacionais esperadas. 

Natureza dos conflitos  

O que esperar dos conflitos do futuro? Em qual conflito estaremos inseridos em um futuro próximo? Qual a natureza do nosso oponente? Estaremos sendo empregados assimetricamente? Como combater em conflitos de códigos aberto? As capacidades desenvolvidas se ajustam e se multiplicam em outras capacidades necessárias em função da complexidade de emprego esperado?  E a médio prazo, qual será a nossa ameaça? Esse exercício analítico será plenamente suficiente para determinar nossas prioridades e tendências? Tais considerações serão suficientes para determinar qual estrutura, qual organização e qual material deveremos possuir para nos inserir em uma nova realidade de emprego operacional, cada vez mais abrangentes e com demandas inéditas? As condicionantes doutrinárias, sem cristalizações (por ser um processo dinâmico), deverão determinar qual a direção a ser adotada pelos projetos da Força? Ou as tendências que emergem naturalmente fruto dos avanços de todos os segmentos devem direcionar as técnicas e os novos conceitos doutrinários a serem adotados? Talvez, todas essas questões mereçam uma certa dose de reflexão.

Essas e outras perguntas devem ser postuladas a fim de definir nossas prioridades e necessidades. Mesmo assim, como nação emergente, que pretende ser ator global, não podemos escravizar nossa visão estratégica ao nosso entorno geopolítico. Devemos, sim, elevar o olhar e considerar além dos aspectos eminentemente regionais, de modo a nos capacitar a operar longe de nossas fronteiras, como garante da paz mundial, seja operando isoladamente ou integrando uma coalisão.  Isso implica em poder militar forte, com capacidade de projeção, fato que condiciona alianças e uma rígida capacitação profissional, de modo a alcançar a interoperabilidade com outros atores mundiais do segmento de defesa.

O como combater é o parâmetro que vai materializar as necessidades de equipamento e fundamentar as necessárias adaptações doutrinárias, fruto de cenários inespecíficos, complexos, difusos, inéditos e voláteis. Nesse contexto, a busca incessante por tecnologias inovadoras que apresentem entregas, abrem oportunidades para a indústria de defesa nacional, enseja responsabilidades e compromissos orçamentários não discricionários.  A mera modernização de meios militares obsoletos não eleva a capacidade militar e muito menos é capaz de agregar eficácia operacional com a letalidade necessária para atuar nos cenários atuais.

As áreas urbanas densamente povoadas, pela complexidade e características próprias, absorveram os conflitos modernos, em especial, após a II Grande Guerra e os outros eventos bélicos que se sucederam nos Sec XX e XXI. Ali ocorre o alinhamento simétrico entre oponentes, ou o nivelamento entre forças consideradas assimétricas. Com isso, novas capacidades foram sendo procuradas e foram surgindo, tornando-se até mesmo mandatórias frente a tão exigente cenário. O próprio desenho operacional das forças recebeu nova moldura. A rigidez cedeu espaço à flexibilidade, à rapidez, à eficiência das operações de informações, à manobra de precisão e aos fogos inteligentes. Esses fatores, condicionaram à doutrina, a forma de emprego, o treinamento e o preparo, além de terem apontado tendências no ramo a ser seguido pela indústria de defesa e pela pesquisa tecnológica do setor bélico. 

Com tal dinâmica, o desenho operacional das forças militares foi mudando e, inegavelmente, novas estruturas foram sendo demandadas para que a eficiência operacional fosse sendo mantida e aperfeiçoada. Tais aspectos se tornaram imperativos. A doutrina incorporou novas técnicas, táticas e procedimentos, disponíveis pela presença de novos meios de combate, que democratizaram o soldado tecnológico, de alta letalidade, integrado por uma “network” de governança militar com sensoriamento em tempo real. A efetividade operacional dos pequenos escalões passou a ser mandatória, impondo que esses grupamentos sejam cada vez mais autônomos, independentes e altamente letais. O combate combinado por excelência passa a ser realizado em escalões pequenos, rápidos e que tenham significativa capacidade de sincronizar ações, coordenar o emprego conjunto e prosseguir nas ações com elevada capacidade de durar na ação. Os grupamentos táticos de múltiplas capacidades se assenhoraram do campo de batalha.

Novas estruturas, novos meios, novos conceitos

Os combates modernos existem em vários cenários e geram diversas experiências.  Da região árida do Oriente Médio, à costa do Mar Negro, bem como nas inóspitas selvas da África, os meios de combate – novos e tradicionais, estão em constante evolução, proporcionando a adaptação de estruturas organizacionais que, obrigatoriamente, deixaram de ser fixas para darem as respostas otimizadas às demandas desse novo cenário de guerra. Com isso, a doutrina de emprego se molda às condicionantes impostas, ajustada aos novos meios, com base no que deu anteriormente certo, fruto do estudo e da experiência, sem descuidar de prospectar o futuro. 

Antigas estruturas, rígidas e pouco adaptáveis, deixaram de ser a resposta operacional mais adequada. Foram fruto de uma experiência anterior que deu certo em determinado momento e contexto histórico-político-cultural. Na verdade, a capacidade de adaptação, de incorporação de novas estruturas, a exploração de novas capacidades, a sincronização dos meios de combate, bem como a tendência à interoperabilidade são aspectos essenciais para que as FFAA sejam eficazes quando empregadas nos mais diversos   cenários, que impõem soluções difíceis e complexas. A técnica de como combater evolui, os equipamentos permitem novas formas de engajamento e a doutrina se adapta. Os grupamentos táticos multifuncionais de múltiplas capacidades operam no moderno campo de batalha, oferendo maior letalidade, mais eficiência e pronta resposta operacional, elevada capacidade de sincronização e adaptação às mais variadas imposições táticas.

As modernas operações ISTAR (intelligence, surveillance, target aquisition and reconnaissance) deram sobrevida com inúmeras modificações, exigindo mudanças de organização e equipamentos utilizados, à antiga missão de reconhecimento, onde procurava-se obter informações do inimigo, do terreno e da área de operações. Tais informações são obtidas em tempo real pelos sensores que hoje estão disponíveis. Fundamentalmente, as atividades ISTAR condicionam as ações a serem efetivadas no campo de batalha pelo acionamento de diversos vetores de armas, essencialmente conduzindo ataques de precisão com baixa possibilidade de dano colateral.

A sincronização dos meios de combate pressupõe que tais sensores e atuadores estejam ligados por redes seguras  e interoperáveis de comunicações, agilizando  o  ciclo da decisão. Tal mudança de paradigma tira o foco das plataformas (Cascavel, Leopard ou Marruá, por exemplo) e centraliza na atuação conjunta dos meios ISTAR e vetores armados, sejam blindados ou aeronaves. As informações sobre o inimigo são obtidas pela rede e distribuídas em tempo real para todos, permitindo ao decisor acionar o meio mais eficaz para neutralizar cada ameaça. Nesse sentido, a própria incorporação do Viatura Blindada de Combate Cavalaria (VBC Cav) Centauro II ao Exército pode vir acompanhada dessa mudança de paradigma, multiplicando o seu poder de combate com o uso de tecnologias de comunicações que permitam a VBC integrar-se em rede segura com meios ISTAR já existentes e com o Guarani e helicópteros da aviação do Exército.

O Brasil investiu consideravelmente nos últimos anos no desenvolvimento de tecnologias de comunicações e começa a colher os frutos, com a maturidade tecnológica obtida nos projetos Radio Definido por Software (RDS) Defesa e Link BR2. O primeiro trata-se de um rádio definido por software que permite comunicações seguras entre os elementos táticos de uma operação conjunta, com previsão de entrega dos protótipos finais ainda esse ano. O segundo não é apenas um radio (apesar de usar um RDS), mas um sistema tático que estabelece uma rede para comunicações seguras e de alto desempenho, tanto ar-ar como ar-solo. Esses meios permitem um grande salto tecnológico nos próximos anos, a partir da sua implantação progressiva nas plataformas de combate brasileiras, multiplicando seu poder de combate.  

O emprego de meios tradicionais, hoje, obsoletos para as demandas das modernas operações  de reconhecimento, que foram ótimos em um momento industrial ultrapassado, não oferecem mais condições efetivas de serem eficazes num conflito atual e servem unicamente para drenar recursos – a modernização de meios obsoletos sem que lhe sejam agregados meios de elevada letalidade servem como desperdício de parcos recursos – é o caso da citada modernização do veículo Cascavel, uma vez que o armamento principal continuará disparando a uma distância de 1800 metros, ou seja, incapaz de atuar como carro de contra reconhecimento e de negação de espaço de combate, uma vez que com esse alcance do armamento principal ele estará dentro da distância de tiro “stand off” dos possíveis oponentes, se tornando um alvo fácil.

Não estamos aqui tratando a possibilidade dessa VBR (viatura blindada de reconhecimento) receber um míssil, fato complexo e de difícil harmonização mesmo porque o projeto inicial do carro não foi desenvolvido para isso. Caso receba um míssil a quantidade será de no máximo dois disparos, somente, necessitando um suporte logístico cerrado para ser remuniciado, o que inviabilizada a necessidade de rapidez das ações e furtividade. É importante notar que um míssil percorre 4 km em 12 segundos enquanto uma munição flecha a ser disparada por um Centauro 2 percorreria a mesma distância em menos de 2 segundos. O míssil é um armamento eminentemente defensivo, embora possa ser utilizado em ações variadas e de acordo com a situação, como temos visto na guerra em curso na Ucrânia.

Conclusão

A busca pela plena operacionalidade é uma constante nas FFAA, particularmente naquelas que visam o preparo para a eventualidade da guerra. A indústria de defesa fornece as ferramentas para que se materialize as modernizações ou transformações pretendidas. Aquela, visa à melhoria de sistemas, ganho de capacidades e ampliação da eficiência. Esta, visa descortinar uma mudança de conceitos que permite adotar uma nova forma de combater, levando os oponentes ao desequilíbrio e ao colapso estratégico – a paralisia operacional. 

Assim, a constante evolução de conceitos gera a necessidade de estudos avançados e dinâmicos com impacto na forma de combater, o que proporciona um pano de fundo assertivo sobre as modificações passíveis de serem realizadas, com reflexos nas estruturas organizacionais, na doutrina e nos meios que até então estão disponíveis. Saber como combater e com qual oponente possível ensejam processos de modernização em alinhamento com um futuro inédito e volátil. 

O caminho para o futuro, incerto e difuso, inseridos em um cenário cinzento, aponta para uma constante transformação dos sistemas de combate disponíveis que podem ser incorporados às FFAA de maneira gradual e paulatina – proporcionando alterações sistemáticas de conceitos. Tal etapa, hoje, é decisiva, inexorável, e integra o processo de desenvolvimento das próprias sociedades que as Forças juraram, acima de tudo, defender.

A celeridade e a proatividade das transformações evitam que o tempo corroa as boas ideias, dilua as oportunidades e tornem ineficazes o modus operandi das próprias FFAA. A transversalidade das entregas e a celeridade dos processos de governança que envolvem os programas que orientam os novos avanços da Força são de fundamental importância para manter e garantir sua eficiência. Como combater e utilizar uma força cada vez mais letal, autônoma e multicapacitada é o desafio que ora se descortina vivamente nesse tempo de profundas e rápidas modificações.

Arranjos e remendos de meios bélicos ultrapassados e ineficientes perante a demanda do combate de 5ª Geração servem apenas para drenar escassos recursos e não agregam letalidade operacional – não agregam poder de combate decisivo e provavelmente não serão garantes de vitória que, hoje, se baseia na liderança, na tecnologia e na capacitação.

Recebimento das 2 primeiras Viatura Blindada de Combate Cavalaria (VBC Cav) Centauro II ao Exército Brasileiro Foto Leonardo CIO

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