RENATA MARIZ
EDSON LUIZ
Aos 83 anos, o ex-seringueiro Adelmo Fernandes de Freitas não tem mais esperança de que um dia seja recompensado por ter se deslocado do Nordeste para tirar látex na Amazônia. Vivendo com uma aposentadoria, ele mora em Rio Branco com a mulher e alguns dos 11 filhos que teve ao chegar ao Acre, para onde foi na companhia do pai, ainda rapaz. A história é semelhante a de 55 mil nordestinos convocados pelo Estado, durante a Segunda Guerra Mundial, para serem soldados da borracha. O objetivo era fornecer a matéria-prima para os Estados Unidos, em um acordo fechado por aquele país com o governo brasileiro. Hoje, os cerca de 7 mil “combatentes da selva” ainda vivos reivindicam o cumprimento de promessas feitas há quase 70 anos, como uma recompensa em dinheiro pela ida para a floresta.
Os lamentos chegaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) em março. Em uma reunião em Washington (EUA), representantes dos soldados da borracha se reuniram com integrantes do Ministério das Relações Exteriores e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para tentar chegar a um acordo. A principal reivindicação dos nordestinos recrutados pelo governo para o Norte é a equiparação de suas pensões às recebidas pelos ex-combatentes brasileiros no conflito — o que subiria os vencimentos do valor atual, de R$ 1.356, para R$ 4,5 mil. Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Direitos Humanos diz que tem “dialogado com outras pastas de governo, tendo em vista que a resolução do caso não se limita aos direitos humanos e exige mais amplo consenso”.
“Eu não tenho esperança. Para mim, está tarde para ter esperança”, afirma o ex-seringueiro Adelmo. Ele faz parte do grupos de soldados da borracha vivos, viúvas e filhos deficientes que recebem a pensão vitalícia da Previdência Social. Juntos, eles somam 13.306 beneficiários, segundo o Sindicato dos Soldados da Borracha e Seringueiros do Estado de Rondônia. Vice-presidente da entidade, George Telles considera a reunião em Washington uma vitória, mas destaca que muitos estão morrendo sem ver as reivindicações atendidas. “Toda semana recebemos a notícia que um morreu ou que está bem doente. São pessoas com 80, 90, 100 ou mais anos que não podem esperar”, ressalta Telles. “Eles foram recrutados como soldados, viveram em condições bem piores do que os combatentes. Dos 20 mil que foram para a Itália, menos de 500 morreram. Na Amazônia, milhares não resistiram à malária, aos bichos, à fome.”
Indenização
Ele explica que, além da denúncia feita na OEA, corre na Justiça brasileira um pedido de indenização no valor de R$ 800 mil para cada ex-seringueiro. “Estamos cobrando recursos previstos no contrato de trabalho deles. Os valores foram enviados pelos Estados Unidos, mas embolsados pelo governo brasileiro”, diz George. A ação está no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Outra frente de atuação dos soldados da borracha é a luta pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 5.556, de 2002, que equipara os soldados da borracha aos pracinhas que lutaram na Segunda Guerra Mundial, inclusive na questão pecuniária. Para os nordestinos ainda vivos, uma resposta positiva nesse sentido é quase um sonho. “Ninguém me procurou até hoje e nem sei como está isso”, diz Adelmo.
Além da pensão mensal vitalícia no valor de dois salários mínimos — prevista na Constituição e regulamentada em 1989 —, uma outra vitória contabilizada pelos soldados da borracha se deu apenas no ano passado. Em setembro, os ex-seringueiros foram reconhecidos como Heróis da Pátria pelo governo, em uma solenidade no Palácio do Planalto. Na ocasião, seus nomes foram escritos no livro que registra atos de bravura de brasileiros.