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COMO VI O QUE VIVI NO 5º BEC

 

Carlos Alberto Camargo Lima
Pioneiro do 5º BEC, Militar, Administrador, com curso da
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra – ADESG,
Especialista em Estudos de Política e Estratégia, Membro e
Presidente da Academia Maçônica de Letras de Rondônia.

Servi, como voluntário, no 5º BEC – Batalhão de Engenharia de Construção, sediado em Porto Velho, na ocasião, Território Federal de Rondônia, de 14 de junho de 1968 a 11 de setembro de 1975, como consta de um dos diversos troféus que me foram dados, publicamente, como reconhecimento, por ocasião de minha despedida, quando fui para o 2º Grupamento de Engenharia de Construção, em Manaus, no Estado do Amazonas. Segundo as estatísticas, Rondônia, na ocasião em que aqui cheguei tinha menos de 30.000 habitantes. 
             
O Período em que aqui permaneci, no BEC, foi dos 25 aos 32 anos de idade. Tinha, portanto, plena consciência do que fazia e do que via. Como estava acostumado a responder pela chefia de Residências destacadas e por Residência Especial de Obras no glorioso Batalhão Mauá, com suas tradições de empreendimento e realizações, entendia muito bem o que significava ser um livre pensador, exercer a iniciativa, tomar decisões e resolver problemas. Tinha lapidado, lá, o caráter: nos confins gelados, isolados de Santa Catarina e Paraná; nos serrados goianos; por vezes extremamente quente, em cortes e aterros, chefiando turmas de construção de ferrovia, de furação de dormentes, em drenagens, em contenção de encostas, na construção da 1ª Estação Ferroviária de Brasília, no Núcleo Bandeirante, atento com o suprimento de materiais para não comprometer o desencadeamento dos trabalhos e aos aspectos comportamentais de quantos, comigo trabalhavam. Trazia ensinamentos adquiridos na dura luta da Engenharia de Construção, desencadeada por Batalhão de Engenharia do Exército. Trazia, também, ensinamentos adquiridos no adestramento da Engenharia de Combate e na Escola Profissional Ferroviária. Nesta, foram três anos de dura luta, entre conhecimentos teóricos, estágios, viagens e aplicação prática dos conhecimentos adquiridos. Escola de tempo integral.

Já não era mais um simples aprendiz. Tinha, portanto, plena consciência do que fazia e do que via.
 
O primeiro Comando do Batalhão era exercido pelo Ten. Cel. Carlos Aloísio Weber, cuja Unidade leva seu nome por justo reconhecimento. Foi promovido ao posto de Coronel, por mérito, se não estou enganado, aos 44 anos de idade. Neste posto encerrou sua carreira. Foi convidado e empossado no cargo de Diretor Geral da Rede Ferroviária Federal. De lá saiu para ser Secretário de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, na época, o maior celeiro de grãos do país.
 
O Chefe da Seção Técnica, de Engenharia era o Maj. Tibério Kimmel de Macedo, que por dever de justiça, o Exército, concedeu-lhe o posto de general.  É autor do livro “Eles não viveram em vão – A Saga dos Pioneiros do Batalhão dos Ermos e dos Sem Fim 1965 – 1971”. Ambos, cernes de boa cepa. Eu os conheci bem e os admirava porque os conhecia.
 
No exemplar que me remeteu deixou a seguinte dedicatória, de próprio punho: “Ao prezado camarada de Armas Carlos Alberto Camargo Lima. Mando estas folhas contando alguns relatos dos históricos feitos, das muitas não contadas e da sua própria realização, para as relembranças dos tempos do pioneirismo estóico dos valorosos homens do 5º B E Cnst, Com o abraço fraterno do Gen Tibério. P. A. 07.04.03.”
 
O Cel. Weber, é claro, levava os louros pelo sucesso de sua Brilhante Unidade, mas jamais a presunção ou a vaidade subiu-lhe a cabeça. Distribuía fartamente seu entusiasmo. Era mestre em perdoar pequenas falhas humanas. Sabia muito bem se valer da palavra fácil para demonstrar reconhecimento. Não fazia segredo disto. Sem dúvida nenhuma esbanjava méritos. Primeiro aluno de sua turma. Só vendo para crer. Como pode um Comandante de Unidade, exigindo tanto de seus comandados, naquelas circunstâncias, tendo tão pouco a oferecer, quase somente sacrifícios, ser tão admirado e respeitado, inclusive, pelos próprios subordinados? Tinha uma visão completa do que estava fazendo, do que representava e se propunha fazer, do que se esperava dele, da Unidade que comandava de forma brilhante, do momento que vivia, do teatro onde as ações eram desencadeadas, dos meios que dispunha, dos óbices e desafios que tinha que enfrentar. Tinha uma prospectiva quase profética dos passos que dava e aonde isto conduziria. Raras pessoas tinham aquela determinação, aquele entusiasmo em idade avançada e aquele tirocínio. Olha que conheci muita gente pelas minhas andanças. Vi um, que seguiu seus passos, pois veio depois: O Cel. Jorge Teixeira de Oliveira. Sem favor nenhum, deixou sua marca em Manaus, em Rondônia e por onde passou. Outro cerne de boa cepa. Mas ambos tinham em quem se inspirar. Um modelo vivo, irretocável, com visão de estadista: Gen. Ex. Rodrigo Octávio Jordão Ramos. Primeiro lugar em todos os cursos que fez no Brasil e no exterior.
 
A biografia do Gen. Tibério, em muito, assemelha-se a do inexcedível Gen. Rodrigo Octávio, carinhosamente chamado de Gen. RO. Infância e juventude dura, esculpida no cadinho da luta, do trabalho e estudo árduo, profícuo, do pensamento e da ação, onde são formados os grandes caracteres, fruto absoluto do mérito.
 
Tanto o Maj. Tibério como o Cel. Weber eram inimigos ferrenhos da bajulação e da subserviência, admiradores incontestes da honra e da dignidade, caminhos que escolheram por opção, para trilhar. Nisto se assemelhava o Cel. Noronha. Em muito, espelhavam-se no modelo e mestre, oriundo, também, da Arma de Engenharia, o Gen. Rodrigo Octávio.
 
Do Cel. Weber e do Maj. Tibério, o acompanhamento, objetivo, direto, pessoal, sistemático e persistente das obras e trabalhos da Unidade, que eram de suas responsabilidades. Posso até, arriscar a afirmar, sem medo de errar, que se faltasse o Maj. Tibério, o Cel. Weber teria, simbolicamente, suas pernas quebradas, tal a importância da atitude firme e da responsabilidade que recaia sobre o Chefe da Seção Técnica do Batalhão, naquele Comando. Ambos o corpo e a alma do Batalhão pioneiro. O Cel., a alma, o espírito, a palavra sábia, a atitude, o símbolo, a vela, a bússola, o rumo, a fluência dinâmica. O Maj. era aquele que fazia fazer, a consciência e o silêncio do trabalho profícuo e dedicado. Aquele que aliviava o fardo do chefe. O Batalhão a epopéia, o poema a escrever numa página da história, que no início estava em branco, de realizar o impensável, o impossível. Exagero? Não.

Situe-se no tempo. Imagine um doente ou acidentado á mais de 3.000 km do grande centro mais próximo, sem avião apropriado e disponível. Pense no cenário: delegar atribuições por obras simultâneas, num teatro de operações, que envolvia três Estados e um Território Federal, cada um deles em tamanho equivalente a países inteiros do oeste Europeu; deslocar-se para supervisioná-las; habilitar os meios para supri-las; cumprir a lei, os regulamentos, a técnica esmerada; e uma infinidade de problemas a serem resolvidos. O Ten. Cel. Weber, quando assumiu um comando, que ninguém queria, foi tido por muitos, como um “louco”. Evidentemente que, para os acomodados, da época, esta era a designação apropriada.
 
O destino quis que os pioneiros do Batalhão dos “maláricos”, ou “Batalhão das onças” fossem os protagonistas da epopéia, da grande obra que era realizada em meados do século passado, no “Inferno Verde”, no fim ou no começo do mundo, nos rescaldos da epopéia vivida pelos construtores da “Ferrovia do Diabo”, no início do século passado, que deixou milhares de vítimas e enchia cemitérios. Todos, ou a maioria, vibravam com entusiasmo e a mesma intensidade.
 
Nas raras rodadas de chimarrão eram traçados planos, trocadas idéias, checados detalhes, comemoradas as vitórias dos marcos alcançados. O Batalhão não tinha muito tempo: pensava trabalhando e trabalhava pensando. Ambos eram como o mestre, extremamente sinceros e francos. Talvez, o Maj. Tibério, mais discreto, pelo papel que lhe cabia desempenhar. O Maj. Tibério constituía-se no alicerce e a coluna mestra em que o Cel. Weber se apoiava. Os dois se completavam.

A ansiedade em resolver os imensos problemas que advinham da grandiosidade da missão, da escassez de meios, da distância entre frentes de trabalho e a sede, e dos grandes centros encarregados de suprir o Batalhão, o desconhecido, as terríveis endemias tropicais que dizimavam os efetivos de civis e militares, as enfermarias cheias, a malária, a hepatite, a febre negra, a ameba, a escassez de alimentos apropriados e medicamentos, as inclementes intempéries e a elevada densidade pluviométrica da região expunham e colocavam a prova, o Comandante e o Chefe da Seção Técnica, nos limites de suas capacidades técnicas, profissionais e humanas.
 
             Vi lágrimas de emoção, saídas dos olhos do Mal. Juarez Távora, ao ver o Batalhão articulando-se, pensando, realizando: “…aqui vejo realizados os sonhos que tive em minha juventude.”
 
Só quem participou da gigantesca obra e missões que o Batalhão realizou, envolvendo quatro Estados da Federação e milhares de km de estradas, na sua grande maioria federal, com suas características próprias, de cortes, aterros, o mínimo de curvas acentuadas, de descidas e subidas, com obras complementares de proteção de encostas, bueiros, pontes de concreto e outras, em plena selva, obra pioneira, sem similar, naquele tempo, á quarenta anos atrás, têm idéia do quanto era difícil e árdua, á missão.
 
Em formatura geral, entre civis e militares era dado a público, correspondências que o Batalhão recebia, de ministros, chefes de Estado, de outros países, da imprensa, da sociedade civil e das mais variadas origens, enaltecendo e elogiando o trabalho que no Batalhão se realizava. O Cel. Weber lembrava: “Todo este reconhecimento que se faz ao trabalho do Batalhão, pela imprensa, por parte de autoridades de nosso país e de representantes de outros países é porque estamos no caminho certo. Se nós errarmos, sem dúvida nenhuma, nos punirão, impiedosamente.” Vale ressaltar que naquele tempo não existiam “verbas de publicidade”.
 
Contava-se o tempo, os minutos e os segundos. Implorava-se a Deus para que houvesse estio que permitisse desenvolver trabalhos a céu aberto. A chuva, as enchentes, os alagados, retardavam o trabalho. Por vezes, antes de concluir determinados trabalhos, estes eram destruídos, parcialmente. Isto ocorria, particularmente, em aterros, nos períodos de intensas, intermináveis e imprevisíveis chuvas.
 
Em frente à Seção Técnica, entre esta e o local onde ficava a Companhia de Comando e Serviços, havia um pluviômetro para medir a densidade pluviométrica. Em um ano, recordo-me, somente em 84 dias não choveu. Daí se pode ter uma idéia do que é construir, recuperar ou manter estradas com chuva, numa região de elevada densidade pluviométrica, quando não havia experiência anterior. Nos períodos de estio, os trabalhos eram realizados diuturnamente. À noite, iluminado pelos faróis de máquinas, veículos e/ou equipamentos.
 
Nas Companhias destacadas, nos acampamentos e frentes de trabalho, a lama, a chuva, á distância, a ausência e precariedade de meios, de comunicações e de opções de lazer, à época, a solidão e o isolamento colocavam a prova os mais sólidos princípios de resistência, de sobrevivência, de superação e desprendimento. Só o caráter bem formado resistia a tantos óbices.
 
Só o exemplo, a determinação, o lado humano, a presteza no apoio fraterno, em emergências, a tolerância, a franqueza, a sinceridade e o saber ouvir, nestas circunstâncias estabelece alicerces sólidos para a manutenção da Unidade de Comando, com o fito firme no objetivo almejado.
 
Durante o dia, com chuva, a lama pelo corpo todo. Sem chuva, com o Sol inclemente, a poeira mesclava-se e impregnava as roupas molhadas pela transpiração excessiva. Durante o dia o pium, pequeno mosquito hematófago, em grande quantidade fartava-se com o sangue daqueles que ousavam invadir seus domínios, a selva. Marimbondos, abelhas e assemelhados atacavam impiedosamente. À noite era a vez dos “carapanãs”, mosquito anófele, hematófago, transmissor dos plasmódium vivax e falcíparum, causadores da temível malária. Lechmaniose, a lepra branca. Cobras, aranhas, escorpiões, lacraias, formigas terríveis e desconhecidas, algumas quase invisíveis, com toxinas que levam ao desespero. Ácaros, percevejos, carrapatos. Onças, selvagens e suas emboscadas. Nos rios e igarapés, a arraia, a piranha, o poraquê e o temível candiru. Além disso, vencer, também, a indolência e a apatia secular. O clima tropical, quente, favorece a indolência. O Brasil era, somente, o país do carnaval e do futebol. A transformação era interior, começava na cabeça de cada um. Ter consciência, imbuir-se da missão e da responsabilidade que lhe cabia.
 
Muitos sucumbiram, outros completaram o tempo mínimo exigido por lei, cumpriram sua missão e retornaram para suas terras de origem. O Comandante e o seu braço direito não poderiam abandonar o barco. Teriam que chegar a porto seguro. Cumpriram sua missão. Não viveram em vão.
 
Foi tão simples assim? Não. Para os mais jovens, que conheceram o Cel. Teixeira, o governador, o carinhosamente chamado de “Texeirão”, o desbravador e a grandeza da obra que deixou no Amazonas e em Rondônia, poderão avaliar o quanto é difícil quebrar paradigmas. As resistências que provocam. De toda mediocridade cética e apática, emanam peçonhas, sutis ou não. O mérito incomoda. De todo espírito mesquinho, de toda inferioridade humilhada, sem que tenha intenção nenhuma de fazê-lo, partem conspirações veladas, no intuído de nivelar por baixo, de rebaixar o mérito, por parte daqueles que não conseguem tê-lo, por considerarem-no uma fatalidade inatingível, por não entenderem a determinação dos espíritos empreendedores. Os grandes caracteres são como as crianças, plenos de admiração. A mediocridade não admira. Inveja! Sente-se inferior e tudo faz para sê-lo. Freud em suas citações, afirmava: “Não existe complexo de superioridade, existe o inverso”.
    
Era muito difícil substituir o primeiro comandante do 5º BEC. Havia se transformado numa espécie de lenda, de símbolo para seus próprios comandados. Coube esta tarefa de gigante, ao digno e honrado Ten. Cel. Inaldo Seabra de Noronha, ser o segundo comandante do glorioso 5º BEC, que por dever de justiça, também, atingiu o generalato e se houve com brilhantismo. A “camisa” da “Legião Estrangeira” com sua “mística”, naquele tempo, pesava muito. São árduos os caminhos da glória. Era visível. Milhares de problemas a serem resolvidos, ao mesmo tempo, numa área de atuação gigantesca. Necessário se fazia ter têmpera de aço e paciência de Jacó. Só quem viu e viveu pode avaliar. Era o tempo em que se construía um país. Eram tempos de estoicismo.
            
 Assim eram aqueles tempos.

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