Serviços de inteligência ocidentais têm acusado Moscou de executar cada vez mais ações de sabotagem, interferência eleitoral e propaganda. Fenômeno não é novo, mas métodos estão se tornando mais sofisticados.
(DW) Um avião de carga da empresa alemã de serviços de encomendas DHL cai na Lituânia, dois cabos de dados submarinos são danificados no Mar Báltico e um extremista de direita pró-Rússia surpreendentemente vence o segundo turno das eleições para presidente na Romênia.
Ainda que nada tenha sido provado até agora, vários políticos ocidentais e serviços de inteligência suspeitam da mesma força motriz por trás de todos esses incidentes: a Rússia. Embora os perigos representados pela chamada “guerra híbrida” que emana do Kremlin não sejam novos, autoridades no assunto advertem que eles aumentaram drasticamente desde o início da guerra de agressão lançada contra a Ucrânia pela Rússia em 2022.
“Guerra híbrida” é a expansão de operações militares de combate com a ajuda de espionagem, sabotagem, ataques cibernéticos, interferência eleitoral, propaganda ou campanhas de desinformação com o objetivo de enfraquecer e desestabilizar o inimigo internamente. E especialistas alertam que a Rússia tem expandido constantemente seu arsenal de opções de guerra híbrida nos últimos anos.
Espionagem
Desde o início da invasão russa na Ucrânia, em 22 de fevereiro de 2022, cerca de 500 diplomatas russos foram expulsos de países europeus, com ao menos 400 deles sendo classificados como espiões pelo serviço secreto britânico MI5.
Diz-se que muitas embaixadas e consulados russos estão equipados com tecnologia de ponta de comunicação e espionagem, o que não pode ser totalmente comprovado, já que os edifícios são considerados territórios russos e gozam de status de proteção diplomática.
Além dos britânicos, o serviço secreto holandês alertou que a Rússia está equipando espiões com documentos falsos e contrabandeando-os para instituições ocidentais disfarçados de empresários.
Regularmente, relatórios acusam a Rússia de espionagem. Sejam conversas interceptadas pela Bundeswehr [Forças Armadas Alemãs] sobre o sistema de defesa antimísseis Taurus, as suspeitas de drones russos sobre bases aéreas e zonas industriais europeias ou supostas embarcações de pesquisa cruzando os mares do norte da Europa e suspeitas de mapear infraestruturas críticas no fundo do mar para possíveis atos de sabotagem.
Sabotagem
Na semana passada, um cargueiro chinês conduzido por um capitão russo teria danificado dois cabos submarinos com uma âncora arrastada no fundo do mar – o caso tem paralelos com um incidente semelhante ocorrido em outubro de 2023.
No mês passado, houve um ataque incendiário em um armazém em Londres onde estavam depositados suprimentos de ajuda para a Ucrânia. Em julho, uma encomenda que deveria ser enviada por frete aéreo pegou fogo no centro de logística da DHL em Leipzig, na Alemanha.
Há suspeita de ação russa nesses e em vários outros casos. Nada foi comprovado até o momento, mas os serviços de inteligência europeus alertam que o número de atos de sabotagem e incêndios criminosos na UE e no Reino Unido aumentou drasticamente no último ano.
Ataques cibernéticos
O Departamento Federal de Segurança da Informação da Alemanha adverte que o nível de ameaça no espaço cibernético também está “mais alto do que nunca”, com a sabotagem e a espionagem crescendo online.
“Antes da invasão da Ucrânia, os grupos de invasores associados à Rússia eram particularmente ativos na Alemanha com espionagem cibernética e ataques de ransomware com motivação financeira. Desde o início da guerra, o espectro de ameaças aumentou”, diz o departamento.
Segundo especialistas, “o número de ataques DDoS por hacker-ativistas pró-Rússia” aumentou muito. Isso envolve a inundação de sites ou servidores institucionais com tanto tráfego malicioso que, devido à sobrecarga, eles não podem mais ser operados. E os ataques de hackers com o objetivo de ingressar em redes protegidas de empresas ou instituições também estão crescendo.
Desinformação e propaganda
Outro grande campo de atividade da guerra híbrida é a tentativa de influenciar a opinião pública em países-alvo. Para isso, são disseminadas informações falsas e narrativas pró-Rússia ou anti-ucranianas, por meio das chamadas fábricas de trolls nas mídias sociais ou pela mídia russa no exterior.
No início deste ano, o Ministério do Exterior da Alemanha descobriu a chamada “campanha de sósias”: 50.000 contas de usuários falsos espalharam relatórios dissimulados e opiniões pró-Rússia nas redes sociais e, em seguida, criaram links para sites falsos, alguns dos quais eram enganosamente semelhantes aos de mídias de notícias conhecidas – com notícias falsas pró-Rússia também disseminadas.
Interferência em eleições e processos políticos
Um dos principais objetivos dessas campanhas de desinformação é minar o apoio à Ucrânia entre a população. Outro é prejudicar a estabilidade política em países democráticos, fortalecendo os partidos extremistas e seus candidatos, o que seria feito por meio de apoio financeiro.
Em abril, o serviço secreto tcheco descobriu um site de propaganda supostamente financiado por Moscou chamado “Voice of Europe” (Voz da Europa), por meio do qual subornos teriam sido pagos a vários parlamentares europeus.
O deputado alemão Petr Bystron, do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), é suspeito de ter recebido tais pagamentos. Ele nega as alegações.
Serviços de inteligência ocidentais também acusam a Rússia de influenciar direta ou indiretamente eleições em dezenas de pleitos na Europa e nas Américas do Norte e do Sul. A emissora russa RT, por exemplo, teria produzido vídeos sobre temas polêmicos, como ajuda à Ucrânia, migração e economia durante a campanha eleitoral presidencial dos EUA. Esses vídeos foram foram distribuídos por blogueiros americanos de direita.
Ataques de hack-and-leak também fazem parte do repertório: políticos ou partidos são hackeados, e documentos confidenciais, às vezes misturados com documentos falsos, são publicados pouco antes das eleições. Foi o caso nas eleições americanas de 2016 e na campanha eleitoral presidencial francesa de 2017, por exemplo.
Ataques frustrados?
Em teoria, ataques a líderes inimigos também se enquadram na guerra híbrida. O fato de o líder russo, Vladimir Putin, não se furtar de ataques no exterior pode ser exemplificado pelo assassinato, no parque Tiergarten, em Berlim, de um ex-comandante checheno que teria lutado contra Moscou na segunda guerra da Chechênia, que começou em 1999 – ou pelos ataques ao crítico do Kremlin Alexander Litvinenko no Reino Unido em 2006 ou ao agente duplo russo Sergei Skripal e sua filha Yulia em 2018.
Até o momento, cidadãos russos foram os principais alvos desses ataques. Em julho de 2024, no entanto, soube-se que a Rússia havia supostamente planejado uma tentativa de assassinato de Armin Papperger, CEO da empresa alemã de armamentos Rheinmetall – entre outras coisas, a Rheinmetall fornece tanques Leopard 2 para a Ucrânia. O Kremlin nega todas as acusações.
O que fazer?
Atualmente, a Rússia executa várias ações diferentes na Europa, segundo Sönke Marahrens, oficial das Forças Armadas Alemãs e especialista em segurança híbrida, em uma entrevista ao site do programa Tagesschau.
“Os operadores russos estão testando coisas muito diferentes em muitos países europeus, que são personalizadas de acordo com o respectivo estado. Medidas híbridas que funcionam na Polônia não funcionam na Alemanha; o que funciona na Alemanha não funcionaria na Finlândia”, diz. Como resultado, “um espectro muito amplo de ataques também deve ser esperado no futuro […]”. Por isso, os países precisarão de alta flexibilidade para reagir a esses ataques.