Técnicos ucranianos desmontam um bombardeiro estratégico Tupolev Tu-160 na Base Aérea Pryluki na região central da Ucrânia, Fevereiro 2001
Leonam dos Santos Guimarães
Coordenador do Comitê de CT&I da AMAZUL e Diretor Técnico da ABDAN
Foi Presidente da Eletronuclear e Coordenador do Programa de Propulsão Nuclear do CETEMSP
É membro do grupo de assessoria em energia nuclear do Diretor-Geral da AIEA
Após a dissolução da União Soviética em 1991, a Ucrânia herdou o terceiro maior arsenal nuclear do mundo, com cerca de 1.900 ogivas nucleares estratégicas, além de armas nucleares táticas. Esses armamentos estavam associados a sistemas de lançamento, como mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) e bombardeiros estratégicos. No entanto, essas armas permaneciam sob controle operacional da Rússia e dependiam de códigos e sistemas de comando centralizados em Moscou.
A Ucrânia aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) em 1994 como um Estado não nuclear, comprometendo-se a transferir todo o seu arsenal nuclear para a Rússia para desmantelamento. Este processo foi viabilizado pelo Memorando de Budapeste, no qual Estados Unidos, Rússia e Reino Unido garantiram a segurança, independência e integridade territorial da Ucrânia. Em troca, a Ucrânia entregou suas armas nucleares e desmantelou a infraestrutura nuclear estratégica.
Embora o processo de repatriação de armas nucleares para a Rússia tenha sido amplamente monitorado, há riscos inerentes a uma operação dessa escala e complexidade. No caos da transição pós-soviética, com infraestrutura degradada e controle estatal fragmentado, existe a possibilidade de que algumas armas ou componentes nucleares tenham sido desviados. A Ucrânia, à época, enfrentava desafios políticos e econômicos graves, e informações detalhadas sobre a contabilização de cada ogiva nuclear permanecem escassas. Se tal desvio ocorreu, é possível que parte desse material ainda esteja armazenado em instalações clandestinas, embora não haja evidências concretas até o momento.
A Ucrânia não possui um programa militar nuclear declarado, mas tem estoques de materiais nucleares associados à sua infraestrutura civil. Os pontos principais incluem:
- Alguns reatores de pesquisa na Ucrânia operaram com urânio altamente enriquecido (HEU), embora esforços internacionais tenham convertido muitos deles para usar urânio de baixo enriquecimento (LEU).
- Pequenas quantidades de HEU podem ainda existir em laboratórios ou estoques antigos.
- A Ucrânia opera 15 reatores nucleares PWR (VVER) para geração de energia, que produzem plutônio em seu combustível irradiado.
- O combustível irradiado contém plutônio apto para reprocessamento técnico, embora a infraestrutura para tal processo seja limitada.
- A Ucrânia não possui instalações de enriquecimento de urânio em escala significativa nem uma indústria de reprocessamento de combustível irradiado.
- Os estoques de combustível irradiado em depósitos como Chernobyl ou nas usinas ativas podem ser uma fonte potencial de plutônio, caso reprocessado.
A Ucrânia herdou uma base industrial e científica significativa da era soviética, incluindo:
- Cientistas ucranianos participaram ativamente do programa nuclear soviético, e há uma base de conhecimento técnico sobre física e engenharia nuclear.
- A Ucrânia mantém capacidades avançadas de fabricação de mísseis balísticos e aeroespaciais, como evidenciado pela empresa Yuzhmash, o que poderia ser adaptado para veículos de lançamento nuclear.
- O país possui centros de pesquisa nuclear, como o Instituto Kharkiv de Física e Tecnologia, que podem ser mobilizados para um programa militar.
Dado o contexto da guerra com a Rússia e a percepção de vulnerabilidade após o fracasso do Memorando de Budapeste, a Ucrânia poderia, hipoteticamente, tentar desenvolver armas nucleares. Os desafios incluem:
- Embora a Ucrânia tenha acesso a combustível irradiado, a falta de infraestrutura de reprocessamento limita a extração de plutônio.
- A obtenção de HEU seria extremamente difícil sem suporte externo.
- Mesmo com capacidades industriais e científicas, o desenvolvimento de armas nucleares seria demorado (anos) e demandaria investimentos significativos.
- A Ucrânia está vinculada ao TNP, e qualquer movimento para desenvolver armas nucleares enfrentaria sérias sanções internacionais e isolamento político.
- A Rússia poderia reagir militarmente a qualquer tentativa de reativação de um programa nuclear militar ucraniano.
Embora a Ucrânia possua conhecimento técnico, uma base científica e acesso limitado a materiais nucleares, sua capacidade de desenvolver armas nucleares enfrenta barreiras substanciais. A falta de infraestrutura para reprocessamento de plutônio ou enriquecimento de urânio, combinada com as pressões internacionais e os riscos de escalada militar, tornam o desenvolvimento de armas nucleares improvável no curto prazo. Contudo, se materiais nucleares desviados durante a repatriação na década de 1990 existirem, eles poderiam fornecer à Ucrânia uma base inicial mais avançada, ampliando os riscos e desafios associados à proliferação nuclear na região.
Nota DefesaNet
Abaixo uma thread com detalhes sobre o desarmamento nuclear da Ucrânia