Capacidades das Forças Armadas e as Atuais Ameaças.
Carlos Alberto Pinto Silva [1]
“Isso quer dizer que caso precise haver emprego da Força, nós poderemos ter problemas? Poderemos. [2] – Gen Ex villas Bôas.”
A guerra já não é mais entre nações com fronteiras nítidas, agências de Estado, frentes de exércitos convencionais, comunicados oficiais, bandeiras e hinos nacionais. As sociedades serão atacadas mediante a combinação de ideias, tecnologia, ações de guerra convencional apoiadas por ações guerra irregular, operações de guerra psicológica, emprego violento de atores não estatais com um mínimo de objetivo político (grupos armados, insurgentes, terroristas, milícias e organizações criminosas), e um absoluto controle dos meios de comunicação, visando destruir a vontade política.
Será a Guerra Híbrida? Termo cunhado em 2009 pelo jornalista norte-americano Frank Hoffman e antecipado por George Kennan em 1948 e tão antigo como a própria guerra. “Trata-se de uma fusão de soldados com e sem uniforme, paramilitares, táticas terroristas, cibe defesa, conexões com traficantes de drogas, insurgência urbana e fuzis AK-47”. “É uma combinação de meios e instrumentos, do previsível e do imprevisível. Não há fronteiras entre o legal e o ilegal, entre a violência e a não violência. Não há uma distinção real entre guerra e paz.”[3]
A Guerra Híbrida implica um mínimo objetivo político, no que se diferencia do banditismo e do gangsterismo ligados ao crime organizado.
Os possíveis conflitos entre os países podem estar controlados e adormecidos pela busca da integração econômica, comercial e de infraestrutura, juntamente com outras ações que aumentam a confiança mutua entre os Estados. Mas isso não significa que tenha desaparecido a relação de conflitualidade, a hostilidade não se manifesta apenas pela violência física do emprego do meio militar, ela continua a existir por problemas econômicos, diplomáticos, psicológicos, ideológicos, populistas, pela debilidade dos Estados, e, também, por rompantes nacionalistas e de valores étnico-culturais. Os Estados, por sua vez, mais do que nunca, não podem se defender com exigências de explicações, de pedidos de desculpas, e ou com discursos em organismos internacionais.
O Planejamento Estratégico Militar, destinado a estabelecer novos parâmetros para a atuação das Forças Armadas, em face das ameaças reais e potenciais à Nação, exigirá o aperfeiçoamento do adestramento das tropas e muita vez importará na obtenção de novas capacidades, sem as quais não será possível cumprir as missões recebidas.
“Quando encontrar um espadachim, saque da espada: não recite poemas para quem não é poeta” [4].
Nas Estratégias de Curto Prazo, as forças têm que existir, isto é, estarem estruturadas e capacitadas para o emprego imediato (Capacidades atuais). Nas estratégias de longo prazo, os conceitos estratégicos determinam o tipo de forças que devam existir, a forma como serão empregadas e as capacidades exigidas.
As estratégias militares[5] de curto e longo prazo podem ser regionais ou globais e podem requerer aperfeiçoamento da capacidade militar e uma nova estrutura para a força. Os objetivos militares, o conceito estratégico militar, e os recursos militares[6] são importantes ferramentas para chegarmos à estrutura da força no emprego de curto prazo e de longo prazo.
“Passadas algumas horas que a França aderiria à coalizão contra o Estado Islâmico, o mundo foi informado de que Putin “aproveitara da oportunidade”. Na mesma noite, o líder russo deu a seus navios de guerra no Mediterrâneo ocidental à ordem de “entrar em contato com os franceses e colaborar com eles como se fossem aliados”, incluindo com o poderoso porta-aviões francês Charles De Gaulle que tomará posição e triplicará a capacidade aérea da França.” [7] Aliança Rússia-França – Gilles Lapouge – 18/11/15.
“O Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou hoje (20 Nov) uma resolução que autoriza todos os países com capacidade a utilizarem “todas as medidas necessárias” para atuar contra o grupo extremista Estado Islâmico na Síria e no Iraque.”[8]
Faz-se necessário que Brasil tenha umacapacidade, realmente proficiente, de participar de operações internacionais, em coligação ou não com outros países, sob pena de suas forças militares se verem excluídas, ou lhe serem atribuídas missões secundárias. Aliando a esta capacidade a percepção de Donald Rumsfeld de que “a missão tem de determinar a coligação.”[9]
“E os fuzis estão obsoletos? Nós usamos ainda o fuzil FAL da década de 60, que já está se tornando obsoleto. A Imbel (Indústria de Material Bélico) desenvolveu o fuzil IA2, este fuzil está sendo produzido, mas num ritmo muito menor do que seria necessário. Precisamos substituir os 226 mil fuzis. Mas só estamos comprando mil deles por ano. Nós também continuamos carentes de munição.” [10]
Ter a capacidade de combate ao terrorismo no nosso território e no exterior é de grande importância na atual conjuntura.
Incluem-se como capacidades militares de combate ao terrorismo (mas com aplicação a qualquer espectro de conflito), a projeção de poder, a projeção de forças, sistemas de vigilância e defesa aérea, defesa QBR (químico, biológico e radiológico), guerra eletrônica, resposta a cibe terrorismo, comando e controle, material de defesa moderno e de tecnologia avançada, e etc.
É importante ressaltar que o combate ao terrorismo envolve Segurança Pública e Defesa, o que leva a um emprego integrado, situação, na prática, de difícil execução operacional.
Outras capacidades necessárias às FFAA:
- Capacidade de conciliar o emprego de forças militares nas áreas estratégicas da Amazônia Ocidental, Centro Oeste e Sul, de forma simultânea, em caso de crise com países vizinhos; [11]
- Capacidade das forças militares contribuírem com a Projeção de Poder[12] do Estado Brasileiro realizando Projeção de Força[13], fora do nosso território, em área de interesse estratégico; [14]
- Capacidade de prontidão operacional para atender as HE em curto prazo;
- Capacidade de Comando, Controle, e Inteligência modernos e consolidados;
- Capacidade da adequação do apoio logístico as operações dentro do nosso território e no exterior;
- Capacidade de vigiar e proteger nossas fronteiras;
- Capacidade de neutralizar ou destruir uma concentração estratégica de Forças Inimigas em nossa fronteira;
- Capacidade de proteção de nacionais no exterior;[15]
- Capacidade dissuasória apropriada a desencorajar qualquer agressão militar ao nossoterritório; e
- Capacidade de interoperabilidade nas operações combinadas e nas de coligação internacional.
A relevância do estudo estratégico de defesa será aumentada se conseguirmos estabelecer a importância relativa das capacidades necessárias à “estatura político-estratégica” do Brasil e à probabilidade de emprego de forças militares.
As estratégias baseadas na capacidade militar existente serão empregadas como um alicerce para a formulação dos planos específicos para atuação a curto prazo, e são limitadas pelas restrições atuais de estrutura da força, o que não acontece com as estratégias de longo prazo que podem ser baseadas em estimativas de ameaças e objetivos futuros.
No caso do emprego imediato em uma HE de curto prazo, pode-se concluir que a equação do tempo leva à necessidade de uma Capacidade Mínima De Emprego a Curto Prazo.
”O Exército foi muito atingido pelos cortes?” “O corte de 40% no orçamento provocou redução do ritmo de implantação dos projetos”. “Se a situação perdurar no próximo ano, causará perdas irreparáveis.” [16]
“A defesa não pode ser barata no século XXI”, advertiu o secretário de estado norte-americano John Kerry em sua visita a Bruxelas. “Todos os países devem aumentar seu orçamento”.
No Brasil atualmente – com a completa falta de recursos militares – há muito “estrategismo jornalístico” da área de defesa do governo, com muita fumaça semântica sem fogo estratégico, dessa forma, hoje no Brasil, mais do que nunca, “é preciso fazer com que os trens cumpram seu horário”.
A falta de recursos militares, portanto, também se afigura como um desafio à liderança estratégica das Forças Armadas Brasileiras e sua superação é fundamental. Os meios financeiros destinados às Forças Armadas devem ser aumentados, para um nível ao menos considerado necessário para atingir uma capacidade mínima de defesa para o país no mais curto prazo possível.
Na atual conjuntura os objetivos militares e os conceitos estratégicos estão bastante adiante das realidades em recursos militares. Se não considerarmos os recursos militares (Meios) como um elemento primordial da estratégia militar podemos ter que nos defrontar com um desencontro de estratégia e possibilidades operacionais, ou seja, capacidades militares inadequadas para implementar os conceitos estratégicos e para atingir os objetivos previstos pela política para a estratégia militar.
O SISFRON (Sistema de Vigilância de Fronteiras) está ameaçado? Está ameaçado. A previsão original era de instalação em dez anos, de 2012 a 2022. Com o ritmo orçamentário que se estabeleceu, essa conclusão já foi adiada para 2035 e agora, com a crise, se estima que não ficará pronto antes de 2065.[17]
O descompasso do Poder Militar do Brasil com sua Estatura Política e Estratégica, gravame imposto à nação, não pode pagar o “tributo do tempo”.
Para ser possível defender a nação e cumprir sua missão constitucional, as Forças Armadas devem estar sempre em condições de atuar com eficácia, pois quando a necessidade de emprego surge não hátempo para improvisações nem oportunidade para arrependimentos tardios: é necessário empreender ações decisivas, coordenadas e objetivas de preparo e emprego, criteriosamente planejadas desde o tempo de paz.
A existência de um Poder Militar capaz de se opor com rapidez e sucesso a uma agressão constitui dissuasão eficaz, particularmente quando os objetivos são limitados. Isso nos leva ao conceito de estabilidade de crise: que é o reconhecimento pelas nações de que nenhuma delas pode tirar vantagem substancial sobre a outra numa ação armada limitada, e do custo que será imposto aos grupos não estatais numa Guerra Híbrida em qualquer de suas formas.
Reiteramos que o enfraquecimento do poder militar representa um risco indesejável, que deve ser afastado no mais curto prazo possível. Nesse sentido, se o provimento de recursos militares permanecerem insuficiente, colocando em risco o cumprimento pelas Forças Armadas de suas missões constitucionais de defesa da Pátria, os chefes militares deverão advertir o Governo quanto a essa incongruência ou, então, compartilhar a culpa pelo resultado desastroso
O agravamento da situação conjuntural no período de paz pode acenar para a possibilidade de conflito, que mal administrado pode evoluir para a guerra, e a estratégia militar pode mudar com rapidez, cabendo ressaltar que os recursos militares é que vão balizar o tempo necessário para preparar as Forças Armadas de forma que elas possam estar em condições de atender a novos objetivos e planos operacionais.
No Brasil real sem os recursos militares (orçamentos, efetivos, material de emprego militar, logística, e etc.) necessários para que suas Forças Armadas possam cumprir sua missão constitucional, não existe Estratégia Nacional de Defesa.
Velhos problemas e novos desafios: risco de generalidades.
[1] General-de-exército da reserva, ex-comandante de Operações Terrestres (COTer), do Comando Militar do Sul (CMS) e do Comando Militar do Oeste (CMO), e Membro da Academia Brasileira de Defesa e do CEBRES.
[2] Gen Ex Villas Bôas, Cmt do Ex -entrevista ao Jornal o Estado de São Paulo.
[3] Diz Félix Arteaga, pesquisador de Segurança e Defesa do Real Instituto Elcano.
[4] Clássico Budista-Traduzido por Thomas Cleary
[5] Estratégia Militar= Objetivos Militares (Fins) + Conceitos Estratégicos (Caminhos) + Recursos Militares (Meios).
[6] Para a Estratégia Militar: os objetivos militares são fixados pela Política; um conceito estratégico pode ser definido como a linha de ação militar resultante do estudo de situação estratégico, podendo combinar um largo espectro de linhas de ação; e recursos militares referem-se a efetivos, material de emprego militar, recursos orçamentários, logística, e outros, e determinam as possibilidades do cumprimento da missão. Esta ideia é aplicável aos quatro níveis da guerra, político, militar, operacional, e tático.
[7] Aliança Rússia-França – Gilles Lapouge – 18/11/15.
[8] Da AgênciaLusa.
[9] Donald Rumsfeld, “Transforming the Military”, Foreign Affairs (New York: Council on Foreign Relations, 81:3 (May/June 2002): 26.
[10] Gen Ex Villas Bôas – entrevista ao Jornal o Estado de São Paulo.
[11] O Perigo Venezuelano – Luiz Gonzaga Schröeder Lessa http://www.reservaer.com.br/est-militares/perigo-venezuelano.html
[12] Projeção de Poder é a capacidade de o País acionar todos ou parte dos elementos do Poder Nacional (Político, Econômico, Diplomático, Militar etc…) para responder a crises, contribuir para a dissuasão e aumentar da estabilidade regional e no seu entorno estratégico de interesse.
[13] Projeção de Força é a capacidade de rapidamente reunir e deslocar efetivos para conduzir operações em qualquer ponto do território nacional. O conceito é aplicável aos níveis estratégico e operacional. Não se deve confundir o termo “projeção de poder” com “projeção de força”. Aquele se refere ao nível político e se aplica a todos os Campos do Poder Nacional. Por sua vez a F Ter, em combinação com outras Forças Singulares, contribui para a Projeção de Poder através da Projeção de Força.
[14] A atual conjuntura política, econômica e de defesa, o rastro geoestratégico, geopolítico e geoeconômico deixado pelo Brasil, fez crescer o seu alcance espacial geoestratégico, trazendo ao Estado Brasileiro a necessidade de exercer poder nas seguintes áreas: América do Sul; África Atlântica, do Marrocos a Cidade do Cabo na África do Sul; Caribe; América Central; o Oceano Atlântico do Trópico de Câncer para o Sul; e a Antártida.
[15] Evacuação de cidadãos nacionais em áreas de tensão ou crise.