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José Gregori – A eleição de FHC, Lula e Dilma mostra que lei já teve resultado prático

A seguir, a entrevista do ex-secretário nacional dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, José Gregori, ao Valor:

Valor: Como o senhor analisa o processo de criação da Comissão da Verdade?
José Gregori: O projeto nasceu de providência oportuna do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em tornar mais clara a criação da Comissão da Verdade, a partir da redação do 3º Programa de Direitos Humanos. Ali, uma leitura poderia levar à interpretação de que a Lei de Anistia estava revogada. A iniciativa do ex-ministro Nelson Jobim [Defesa] em querer esclarecer esse ponto e de Lula em formar quase comissão para redigir um projeto mais claro foi positiva.

Valor: O projeto na forma que está lhe agrada?
Gregori: A Comissão da Verdade, mesmo antes de começar os trabalhos, já prestou um grande serviço. Durante muito tempo o Brasil se fracionou em correntes de opinião, atitudes e ação. A gente começou a ter consenso com a Anistia. O segundo consenso foi a luta pelas Diretas. Terceiro, a Constituição de 1988. Quarto, a assimilação de uma lei da qual fui coordenador, a dos Desaparecidos Políticos. O Estado chamou para si a responsabilidade de ter executado centenas de pessoas na ditadura. Mas a democracia brasileira é um processo ainda em construção e sou muito entusiasta da maneira que a estamos construindo. A comissão já é um de seus consensos.

Valor: Como avalia a demora da presidente Dilma em indicar os integrantes da Comissão?
Gregori: Justamente por a lei ter sido bem feita, é exigente com pré-requisitos dos participantes. Quanto mais leio a lei, mais me convenço que o perfil do integrante é quase o mesmo de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de ter isenção, independência e honestidade intelectual. Às vezes já há dificuldade em escolher uma pessoa para o Supremo… acredito que o motivo da demora da presidente é o desejo de escolher bem, dada a delicadeza da missão e as exigências da lei. A Comissão não substitui o historiador, mas, trabalhando bem, será um manancial de informações.

Valor: O caso Curió reabriu a discussão sobre uma possível punição a possíveis torturadores.
Gregori: Me filio à corrente que acha que o Supremo, há dois anos, fez bem ao reafirmar a validade e o alcance da Lei de Anistia. Não posso me desligar da luta pela Anistia, da qual participei ativamente e que era para ser, como se dizia, ampla, geral e irrestrita. Como uma pedra em cima da questão, imagem que a gente usou muito para ilustrar a situação, que altera todo e qualquer tipo de julgamento das condutas em razão do processo político. Agora surgiu essa hipótese do crime continuado. É uma discussão a ser feita nos tribunais.

Valor: Não é injusto que notórios torturadores sejam perdoados?
Gregori: Veja, quem comanda este país, do nível federal ao municipal, são basicamente os caras que foram perseguidos. Portanto, a Lei de Anistia também teve resultado prático. Mesmo sem ter colocado isso em qualquer artigo ou parágrafo, produziu um ostracismo e um julgamento moral àqueles que se valeram de sua posição política para ferir os direitos humanos.

Valor: A sociedade brasileira então rechaçou o torturador?
Gregori: Isso é algo que presenciei no governo FHC. Remanescentes que estavam em cargos públicos, se descobertos, eram imediatamente afastados. E tem outra coisa aí. Tão importante quanto a não-prescrição do crime de lesa humanidade é o princípio jurídico da anterioridade da lei penal. Isso é um dogma democrático. Alguém só pode ser punido por algo que, na época do ato praticado, já fosse crime. O que caracteriza as ditaduras é julgar o passado das pessoas quando os atos cometidos anteriormente não eram considerados crimes, mas feriam os interesses de quem está agora governando.

Valor: Teme que de alguma forma ocorra revanchismo?
Gregori: Sou participante de uma geração que viu como as coisas no Brasil podem ir para o pior, principalmente se não houver equilíbrio e senso de realidade. Pagamos um preço muito caro pelas bravatas, em que várias gerações incorreram. Na minha, não há ninguém que não tenha tido a tentação de achar que o processo histórico vem movido pelas boas intenções. Mas não basta você falar em nome do povo, é preciso ver se o povo aprova o que você está falando. Naquela época, ninguém foi conferir se o nosso discurso era o discurso do povo.

Valor: Mas seria a Anistia esse mecanismo?
Gregori: O fato de a Comissão da Verdade vir acoplada à Lei de Anistia é condição sine qua non. A investigação será feita não do ponto de vista de punir fisicamente, mas de fazer um esclarecimento dos fatos, como um historiador faz. Sou entusiasta da democracia que conseguimos construir. Vi uma figura marcante da intelectualidade acadêmica, FHC, presidir o Brasil por oito anos. Depois, ser sucedido por uma grande liderança sindical por mais oito anos. E agora uma mulher, sendo que todos eles foram perseguidos pela ditadura. Não é uma coisa qualquer, guarda um profundo significado de solidez democrática.

Valor: O senhor aceitaria integrar a Comissão da Verdade?
Gregori: (Risos) Olha, fico muito distinguido por jornais importantes dizerem que sou cotado e me colocarem em ótima companhia, com cogitados que formam praticamente uma galeria de notáveis. Mas acho que meu recado e minha contribuição é essa que dou aqui em nível micro, na cidade de São Paulo. A comissão precisa de gente mais moça, porque será um trabalho exaustivo. No meu horizonte não está essa missão, que deverá orgulhar quem recebê-la.

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