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‘A Lei da Anistia não deve ser alterada’

BRASÍLIA. Escolhido relator da Comissão da Verdade, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) participou da luta armada contra o regime militar. Foi um dos braços-direitos do líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Marighella, na segunda metade dos anos 60. Atuou em assalto a banco, foi preso e viveu no exílio. Hoje, o senador acredita que a comissão vai trazer à luz fatos desconhecidos daquele período, mas não tem a ilusão de que todas as circunstâncias serão esclarecidas.

– Para os familiares de desaparecidos, é uma história que nunca vai se fechar. Em alguns casos, jamais saberão o que ocorreu com seus parentes que sumiram da face da Terra sem deixar vestígios. Nestes casos, não há reconciliação celebrada em documentos – disse Aloysio Nunes, em entrevista ao GLOBO.

Motorista de Marighella

Na ALN, "Mateus", codinome de Aloysio Nunes na organização, era do Grupo Tático Armado (GTA). Por várias vezes, esteve ao lado de Marighella, para quem atuava também como motorista.

– Participei de ações armadas. Mas não quero bancar o herói – disse o senador tucano, que, hoje, condena aquelas ações e admite erros.

– Estávamos profundamente equivocados. O que derrubou a ditadura foi a luta de massas, a luta democrática. Mas o que está feito, está feito. Não me arrependo – disse Aloysio, que evita detalhar suas ações.

– No GTA, era operário mesmo – diz, em referência ao trabalho pesado que executava.
Apesar do passado de luta armada, Aloysio não acredita em resistências militares à sua indicação para relator do texto da Comissão da Verdade. Para ele, os tempos e o pensamento militar são outros:

– Essa geração de militares não tem nada a ver com aquela, marcada pelo golpe de 64. O contexto é outro. As Forças Armadas estão plenamente inseridas na vida democrática.

– E, entre os que se opunham ao regime, não há mais quem se afaste da democracia como valor permanente.

Aloysio faz uma severa autocrítica do grupo que integrou.

– A ALN não era democrática. Era autoritária na prática e na organização política.
Aloysio embarcou para um autoexílio na França, em outubro de 1968. O cerco fechou. Àquela altura, era procurado pelos agentes do Estado. Seu nome estava espalhado em cartazes pela cidade: "Terroristas assassinos".

– Se tivesse ficado, teriam me matado. Era muito visado – contou.

Antes da viagem, foi preso algumas vezes. Nunca foi torturado.

– Ainda não existia o AI-5 e o habeas corpus estava em vigência.

Nos processos e IPMs era indiciado por atividades subversivas. Lembra que uma das prisões se deu quando seguia para um encontro da União Estadual dos Estudantes (SP), da qual era dirigente, em São Bernardo do Campo. Foi parado numa barreira policial e argumentou:

– Estou procurando aquele famoso frango com polenta que tem por aqui – disse, sem convencer o agente.

– É. Vou te dar o frango com polenta que tem lá no Dops, seu comuna desgraçado – respondeu o policial, que o prendeu em seguida.

Em 1975, foi julgado e condenado à revelia a três anos de cadeia e dez anos de suspensão dos direitos políticos. Aloysio só retornou ao Brasil com a Lei da Anistia, em 1979. Foi defendido por José Carlos Dias, que foi ministro da Justiça no governo  Fernando Henrique Cardoso, cargo que Aloysio também ocupou.

Sobre a Comissão da Verdade, Aloysio diz que manterá o texto aprovado na Câmara, que considera bom, e defende a manutenção da Lei da Anistia. Não defende punições para antigos agentes do Estado que cometeram torturas.

– Para punir, tem que mudar a Lei da Anistia ou acionar o Poder Judiciário. Não deve ser alterada a Lei da Anistia. Ela foi base do processo de redemocratização, referendada e ampliada na convocação da Constituição. Dizia-se que foi aprovada num Congresso manietado e não representativo. Não foi. Por ela, pude voltar ao país. Tenho outra visão.

Na década de 80, já reeleito deputado federal pelo PMDB, respondeu a um processo no Superior Tribunal Militar por ter, em 82, num comício em São Paulo, "incitado a subversão da ordem, a animosidade entre as Forças Armadas e instituições civis e ofender a honra do sr. presidente da República (João Figueiredo)". Foi absolvido em abril de 86.

– Devo ter sido o último civil julgado com base na Lei de Segurança Nacional.

A certidão da Abin, com seu histórico político, relata que Aloysio, em Paris, "cooperou com a propaganda anti-Brasil no exterior".

Aloysio Nunes foi anistiado pelo Ministério do Trabalho em novembro de 1994, quando recuperou sua inscrição na OAB. Em 2003, entrou com pedido de reparação pela perseguição política, e, em novembro de 2006, a Comissão de Anistia aprovou o pagamento de R$100 mil, em prestação única, referente a 15 anos, 7 meses e 22 dias de perseguição, entre 1966 e 1979.

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