Eduardo Atem de Carvalho, PhD
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Rogerio Atem de Carvalho, DSc
Instituto Federal Fluminense
A CHAMADA GUERRA DA UCRÂNIA é uma guerra que apresenta muitos aspectos clássicos europeus, misturados a novas estratégias típicas do século XXI. Datar seu início é um desafio em si, porque não existem documentos públicos oficiais que estabeleçam quando a decisão de tomar território da Ucrânia foi tomada, se é que isso é possível determinar, dada a presença de forças especiais e de russos étnicos no território antes do conhecimento público das hostilidades. Como na maioria dos conflitos modernos, determinar o quando, onde justamente o Tempo é uma dimensão vital do conflito, é desafiador [8]. Ao se decidir impor um governo local submisso à antiga potência imperial, não seria uma forma de guerra, bastante antiga e familiar aos europeus? Ou se deveria considerar o início da ação das Forças Especiais russas na região leste do país? Ou a tomada da península da Criméia?
Ou mesmo a imposição velada do desarmamento nuclear unilateral, já abrindo caminho para uma futura invasão? Desta forma, este breve trabalho não tentará estabelecer data para o início histórico do conflito, que remonta de um passado longínquo que inclui historicamente dominação político-ideológica, genocídio, deslocamento de população e perda de vastas partes de território, somados à toda pletora de técnicas das operações especiais modernas. Portanto, quando este trabalho se referir ao “início” do conflito, estará apenas cobrindo os episódios referentes ao período iniciado em 24 de fevereiro de 2022 e se estendendo até a semana anterior de sua publicação. Caso o fato mencionado não esteja contido neste período, será feita uma menção explícita a isto.
QUANDO DO INÍCIO DESTA FASE ATUAL DO CONFLITO NA REGIÃO, muitos “experts” entenderam como sendo uma oportunidade de se estudar a real capacidade da Rússia de combater uma guerra moderna, nos termos entendidos no Ocidente. Ficando subentendido que não existe material primário (ordens do Estado Maior das partes em conflito, análises de Serviços Secretos etc) disponível, uma vez que todas as operações ocorridas são muito recentes e ainda estão sob manto de segredo de estado. Existem fontes secundárias confiáveis disponíveis, tais como [1], mas mesmo estas ainda acumularão informações e evoluirão suas opiniões ao longo do tempo, uma vez que o conflito está em curso.
No estudo de Zabrodskyi et al [2], os autores afirmam que os russos planejaram uma invasão durando 10 dias, o que permitiria uma anexação do país posteriormente. Essa monumental “blitzkrieg” exigiria uma performance espetacular das forças russas sobre uma região vasta e plana. O plano russo assumia que a velocidade e o uso de embustes mantendo as forças ucranianas longe de Kiev permitiriam uma rápida tomada da capital. O plano deu certo na maior parte, chegando os russos a atingir uma proporção de 12:1 entre suas forças e os defensores ao norte da capital [2]. Os autores ressaltam que essa concentração de forças, porém, acabou se tornando uma armadilha para os russos, uma vez que suas forças não dispunham de flexibilidade de emprego tático nem de planejamento. A maior deficiência russa era a falta de planos alternativos em caso de insucesso, assim sendo, quando a velocidade do ataque não foi suficiente para levar a vitória, as forças russas ficaram imobilizadas e foram sendo degradadas progressivamente pela defesa, enquanto a Ucrânia avançava na sua mobilização nacional. A partir deste ponto o conflito entra em uma fase de equilíbrio, com o Ocidente se tornando o fornecedor de suprimentos, equipamento e treinamento avançado para as tropas ucranianas.
A determinação da defensiva ucraniana e sua capacidade de aceitar baixas sem entrar em colapso selam o destino da ofensiva inicial russa. Fogos de longo alcance sobre a área de suprimentos russos paralisam o conflito, que degenera em ação sobre civis e guerra de propaganda. Se as forças russas não se revelaram capazes de apresentar flexibilidade sob pressão, um velho problema desde os tempos da Stavka, que se radicalizou na era soviética, também não foram um completo desastre. Porém, para além de suas tropas de elite, algumas graves deficiências surpreenderam e até o presente momento não tem explicação convincente.
A PRIMEIRA SURPRESA NAS FORMAÇÕES BLINDADAS RUSSAS foi a presença maciça dos veteranos T-72, ainda que reequipados e modernizados, liderando as formações russas. Esses carros de combate (CC), projetados nos anos 60 e fabricados até hoje em versões atualizadas, foi pensado como um CC simples e barato, para ser operado por 3 homens em um exército de conscritos. Seu preço inicial oscilava em torno de US$ 500.000, cerca de metade do valor dos modelos básicos ocidentais. Foi equipado com blindagem reativa e telêmetro laser [3]. Seu canhão de 125 mm é considerado poderoso, mas o sistema de pontaria oferecido aos aliados fora do Pacto de Varsóvia e a munição eram de qualidade muito inferior, o que ficou desconhecido até o fim da URSS. Quando países como Polônia e Alemanha Oriental abriram seus arsenais para técnicos ocidentais, estes tiveram a amarga surpresa de descobrir que a performance da munição e aparelhos de pontaria do Pacto eram muito superiores, por exemplo, aos capturados no Iraque ou antes disso, pelos israelenses durante suas guerras contra vizinhos [4]. De qualquer forma, a Rússia já dispunha do modelo T-90 [5], porém relativamente poucos foram vistos na Ucrânia e o novo CC T-14 Armata, aparenta continuar ainda em desenvolvimento, não operacional.
Figura 1 – T-14 Armata, o mais novo CC da Rússia. (Foto Eurasia Times)
O EMPREGO DE MATERIAL CONSIDERADO COMO NÃO SENDO DE ÚLTIMA GERAÇÃO não representa em si um problema. Israel venceu 3 guerras (48, 67 e 73) lutando contra vizinhos equipados com armas mais modernas e em maior número. Os alemães derrotaram franceses e ingleses em 1940 equipados com material terrestre inferior. O que se impõe no campo de batalha é a Doutrina, treinamento e motivação das tropas, associado à logística e a manutenção.
A modernidade do material vem após. E aqui os russos fracassaram de forma surpreendente, já que se esperava que diante das lições aprendidas na Chechênia [6], ao lidar com resistência local, não permitiriam à resistência ucraniana causar tantas baixas em suas tropas. Erros aparentemente inexplicáveis foram cometidos, resultando em perdas de viaturas blindadas em patamares proibitivos, mesmo para um exército e um povo historicamente acostumados a operar com número exagerado de baixas. O número teria atingido inacreditáveis 1615 CCs perdidos, segundo o site Oryx [7]: destruídos – 947, danificados – 73, abandonados – 60 e por fim capturados – 535! O site também lista diversos tipos de veículos de transporte de tropa, cujos números também são imensos.
Figura 2 – Carro de combate T-72 B3, versão mais moderna deste veículo, usado na invasão da Ucrânia. (Foto Agência TASS).
O site Oryx também lista uma quantidade desconcertante de material perdido pela Federação Russa (FR), mas este trabalho só irá listar o material blindado, excluindo peças de Artilharia, mísseis e baterias, caminhões, veículos de Engenharia e Socorro, lança-pontes, antiminas e toda a miríade de material bélico e suprimentos empregados pelas forças russas. Até a presente data, foram perdidos também 752 AFV (armoured fighting vehicles), 1903 veículos de combate de infantaria (IFV), 286 transportes blindados de pessoal (APC) ou CBTP e até mesmo 43 MRAPs (veículos resistentes a ação de minas terrestres).
ALGUMAS DAS RAZÕES PARA PERDAS TÃO ELEVADAS, serão discutidas a seguir. Este trabalho se atém ao desempenho particular das formações blindadas e conta apenas com filmagens apresentadas em redes sociais e telejornais internacionais, que obviamente são contaminadas e manipuladas pelas máquinas de propaganda das potências envolvidas no conflito. Alguns trabalhos técnicos também serão citados, porém obviamente sem a menor pretensão de se esgotar o assunto ou invadir a seara puramente profissional no nível do emprego tático das forças russas. Os itens não seguem ordem de prioridade.
a) Deslocamentos em colunas por estradas. Basicamente centenas de CCs foram destruídos em esquinas, entroncamentos, curvas e outros pontos facilmente identificáveis em qualquer carta topográfica. Estes pontos são facilmente batidos por fogos de artilharia e que a opção russa por não se deslocar fora da estrada (atribui-se ao tipo de solo, mas essa explicação parece não se justificar em áreas urbanas) tornou muito fácil a missão da artilharia ucraniana. Embora a narrativa ocidental tenha atribuído as mudanças nos ventos da guerra às armas anticarro, na verdade, foram as duas brigadas de artilharia ucranianas que salvaram o país da derrota e pararam o ataque o russo às portas de Kiev (agora Kyiv) [2]. Embora, não se possa reduzir o efeito destas armas como imobilizadoras de colunas, nem como armas de propaganda. Mas o fato é que tropas que se deslocam por estradas, rodovias ou caminhos claramente usados pela população em geral, serão facilmente atingidos pelo fogo adversário. Normalmente tropas com baixo nível de treinamento preferem a “segurança” das estradas, onde as viaturas não atolam ou as frações não se perdem no terreno. A contrapartida é a facilidade com que são localizados e caem em emboscadas.
Foto 3 – CC destruído em estrada ucraniana. Notar uma “inocente” placa de trânsito, que na verdade serve como referência para emboscada. (Foto Reuters)
b) Ausência de Infantaria. Um dos paradigmas originais da guerra blindada, desde de sua concepção moderna na 2ª Guerra Mundial, tem sido o combinado Infantaria – Carro. Binômio este que foi expandido em anos recentes para incluir elementos de Engenharia de Combate, de forma a não permitir a paralisia da Força Tarefa [8]. Isso não quer dizer que não exista infantaria russa. Apenas que não existe proteção de Infantaria aos CCs russos que são atingidos a curtas distâncias por armas anticarro sem que o operador seja molestado pelos GCs desembarcados que deveriam estar varrendo todo o entorno da coluna. Na verdade, muitas vezes, os poucos infantes observados estão sentados no topo de VBTPs que seguem atrás dos CCs em fila indiana. Em outros casos os CBTPs se encontravam sem tropas embarcadas, apenas com sua guarnição de operação do carro. É possível especular que isso se devesse ao fogo da artilharia ucraniana, o que causaria eventuais baixas pesadas. Mas por outro a ausência da infantaria russa expôs a tropa blindada à destruição por mísseis e rojões em proporções exageradas.
c) Armas modernas. Uma imagem ficará eternizada nas mentes ocidentais em relação Guerra na Ucrânia: o carro de combate russo incinerado e com a sua torre arrancada e lançada ao solo. Esse é o efeito direto do uso de armas anti-carro que atingem o teto das torres dos CCs, região onde os modelos mais antigos costumam ter a blindagem menos espessa. No caso dos CCs russos, um imenso agravante de projeto torna isso mais letal ainda: o depósito principal de munições fica bem embaixo da torre, em um cofre anelar exposto para a parte de dentro do CC. Quando o jato de plasma proveniente da ogiva do míssil atinge as munições, essas explodem, ejetando a torre e matando instantaneamente sua guarnição.
Figura 4 – CC russo T-72 destruído na Ucrânia. A presença de blindagem reativa (ERA) teve efeito mínimo na proteção dos carros.
Duas armas anti-carro ganharam as manchetes da mídia especializada, bem como da de massa: o norte-americano FGM-148 Javelin e o sueco-britânico NLAW. São duas armas de natureza e custos bastante diferentes, sendo a primeira um míssil guiado a laser e a segunda um rojão, que uma vez disparado não pode ter sua trajetória corrigida. O Javelin custa cerca de US$ 178.000,00 o kit contendo um míssil e a unidade lançadora. A unidade lançadora é reutilizável e os mísseis seguintes custam US$ 78.000,00 quando comprados em quantidade. Já o NLAW custa £20.000 (cerca de US$ 24.400,00) e é descartável. O emprego tático das duas armas é diferente também. O alcance útil do Javelin é de 2.400 metros. Já o NLAW atinge alvos estacionários até 600 m e móveis até 400 m.
Dada a natureza diferente destas armas, o emprego dos NLAWS tem sido maciço dentro e nas cercanias das cidades e vilas. Diversos disparos foram documentados a distâncias muito curtas (no mínimo 20 metros [9]) e de pontos elevados como ruínas de prédios diretamente sobre a torre de CCs em deslocamento. Outro uso comum são as emboscadas em ruínas nas bordas de cidades, regiões rurais ou entroncamentos. Isso difere do Javelin, que ataca o CC pelo alto fazendo uma trajetória bastante elevada. Sua distância de emprego mínima é de 65 m para ataque direto e 150 m para ataque pelo topo [10]. Este míssil tem produzido imagens de ataques à longa distância, as vezes filmados por drones, causando destruição de CCs na testa de colunas em estradas e posições estáticas aparentemente seguras.
Figura 5 – Soldado americano dispara míssil Javelin durante treinamento (foto NCB News).
Figura 6 – Soldado ucraniano portando o sueco-britânico NLAW.
(Foto site www.armyrecognition.com)
Outra fonte de imagens impressionantes são as emboscadas de Artilharia, inevitavelmente feitas tanto nas estradas principais quanto nas vicinais da Ucrânia, em cruzamentos, em pontos devidamente marcados no terreno e de fácil localização, por não se tratarem de campo aberto, mas de vias claramente demarcadas em cartas topográficas. A presença de obuseiros M777 (projeto britânico, fabricação americana), calibre 155 mm, capazes de atingir alvos a 21 km, dentro de uma margem de erro máximo de 30 metros, quando usando fusos eletrônicos especiais, tornou a movimentação russa por pontos notáveis como os já descritos a quase certeza da destruição. Esta peça é capaz de disparar diversos tipos de munições, sendo a descrita a mais básica. A mais sofisticada é a Excalibur, que atinge alvos a 40 km de distância dentro de um círculo de 10 m, sendo que seu raio letal é de 70 metros.
Até o presente momento não se sabe do uso destas munições, porém conforme o conflito progride a Ucrânia assume a ofensiva, seus aliados podem decidir fornecer munições mais sofisticadas. A arma é relativamente leve e entra em posição rapidamente, dispara e depois pode ser movida para outra posição, sem sofrer fogos de contrabateria, tornando a sua letalidade ainda maior. Embora a armas anti-carro tenham causado um grande número de baixas, foi a artilharia ucraniana que causou a maior parte das baixas russas [2].
Figura 7 – Obuseiro M777 em ação na Ucrânia. Esta peça é capaz de grande precisão. (Foto NY Times).
d) Apoio Ocidental e de vizinhos. No início do conflito a Ucrânia estava de fato isolada e sua queda parecia inevitável. Porém o fracasso da “blitzkrieg” russa e a falta de flexibilidade do alto comando, e mesmo do comando local, deram tempo para que a ajuda de países vizinhos e potências ocidentais chegasse dos EUA, Inglaterra, Polônia, Alemanha, Canadá, Noruega, Lituânia, Suécia etc. Embora a maior ajuda proporcionalmente seja a americana, o engajamento maior é sem dúvida das ex-colônias soviéticas, que veem a anexação da Ucrânia como um primeiro passo na reconstrução do velho império russo. O temor expresso pelas repúblicas do báltico, países vizinhos e libertos da Cortina de Ferro, tem sido o maior impulso na ajuda desses pequenos países à Ucrânia. Quase todos esses países dispõem de grandes estoques de armas da era soviética e os tem passado ao vizinho invadido. Isso torna bastante rápida a entrada em serviço das armas repassadas, já que a própria Ucrânia usa as mesmas armas básicas que os russos.
As grandes potências ocidentais têm repassado mais do que simplesmente material bélico, suprimento médico e fundos. E isto se revela de forma indireta na evolução contínua na forma de lutar dos ucranianos. Um exemplo claro foi a recente execução de uma operação tipo “Thunder Run” [11] no nordeste do país. A presença de assessores militares tem sido um tabu nesta guerra. Os EUA tem sido visível no seu apoio, mas não se veem missões militares pelo pais, o mesmo acontecendo com o Reino Unido. A Alemanha, apesar do seu poderio econômico e militar, tem sido pródiga em promessas, mas não em contribuições reais e até o momento tem se esquivado de se envolver de verdade no conflito. Mas sem essa contribuição toda, pequena ou grande, a Ucrânia teria sucumbido ou teria pelo menos pago um preço mais alto ainda pela perda dos territórios ocupados.
e) Falta de competência tática. De acordo com Zabrodskyi [2], os russos decepcionaram quem esperava um grande desempenho de suas forças. Apesar disto, seus sistemas de armas se provaram eficientes, em que pese a propaganda ocidental. As deficiências no treinamento demonstraram a incapacidade do pessoal de explorar o potencial pleno destas armas. Os autores identificam cinco áreas que devem ser observadas para julgar se há evolução no estamento militar russo: (1) domínio das forças terrestres sobre as outras, de tal forma que prejudica o emprego das outras forças, (2) incapacidade de gerar combinados de armas que gere forças-tarefas viáveis, já que oficiais de baixa patente não tem competência para tal, (3) vulnerabilidade das forças russas em serem ludibriadas pelos defensores pela falta de habilidade em fundir informações de fontes diversas e pela aversão do escalão inferior em dar contexto e estimular iniciativa, (4) cultura de reforçar o fracasso e (5) as forças russas tendem ao fratricídio (fogo amigo). Resta saber se as tropas ucranianas irão evoluir também.
A PROMESSA DE DOAÇÃO DE CARROS DE COMBATE por parte da Alemanha não se materializou e se a Ucrânia de fato deseja retomar o leste do pais, perdido na ofensiva russa de fevereiro de 2022. Embora este país tenha capturado literalmente centenas de CCs russos e saiba como operá-los, caso os use em uma ofensiva, poderá ser vítima das mesmas emboscadas que usaram contra os russos. A Alemanha cogitou repassar um lote de Leopards 1A5, que seriam capazes de enfrentar os T-72 russos, sem as deficiências destes [12]. Outros países estudam transferir frotas de Leopard 2A4. A Inglaterra anunciou recentemente o envio de uma pequena quantidade de carros Challenger 2A (ao que se sabe, catorze), mas nesse caso, questões relativas a seu peso devem ser consideradas, como por exemplo, a demanda por veículos de apoio capazes de rebocá-los, mover grandes componentes etc. De qualquer forma, a Ucrânia irá precisar de forças blindadas maciças se deseja reconquistar seu território. E deverá fazer emprego tático moderno e agressivo. Caso o país decida seguir o modelo americano dos Grupos de Combate (Brigada), tidos pelo US Army como o ideal atualmente para combate, essas forças têm cerca de 60 CCs no mínimo, sendo requeridas duas por eixo de ataque. Desta forma, em um arredondamento muito simplificado, caso a Ucrânia ataque em 3 eixos simultâneos, seriam necessários no mínimo 360 CCs para a ofensiva inicial. Sem este número mínimo, a luta será lenta e sangrenta, com a retomada do país palmo a palmo, ou até que uma solução política surja. Porém, não existe guerra previsível. E o que irá acontecer de agora em diante estará balizado pela crise política interna da Rússia, inverno europeu, eleições americanas e capacidade dos povos em questão de aceitar sacrifícios sem fim à vista. A história da região em pauta é atroz e quando se recua no tempo a sucessão de massacres, genocídios, invasões e escravidões é grande, fazendo com que a quantidade de ódio acumulado e tensões sociais impeçam soluções tradicionais duradouras. Não serão acordos de paz que irão garantir fronteiras permanentes e sim formações blindadas e mísseis.
Figura 8 – Leopard 2A4 polonês, um dos possíveis CCs a serem doados aos ucranianos.
(Foto Reddit)
Um aspecto que não pode ser desprezado é o fato de que a profusão de fontes e modelos de material bélico podem atrapalhar o esforço ucraniano, fazendo com que líderes militares contem com material que podem não estar disponível por questões logísticas diversas, como possível falta de material e equipamentos de apoio (vide caso dos Challengers), confusão nas cadeias logísticas no campo, ou simplesmente falta de conhecimento suficiente para mantê-los em funcionamento.
AS CONCLUSÕES PARCIAIS DESTE INÍCIO DE CONFLITO devem ser lidas com muita cautela, posto que ainda estão muito turvas pela névoa da guerra em andamento e são possivelmente contaminadas pela maciça campanha de desinformação realizada pelos dois lados em luta e seus aliados. Ainda assim algumas observações podem ser listadas e posteriormente verificadas, quando do acesso à documentação primária e outras fontes como serviços de inteligência e grupos profissionais de análise de conflitos. Assim sendo temos que:
a) A fase inicial do ataque russo foi executada com relativo sucesso, mas a campanha falhou em atingir seu objetivo, a tomada em 10 dias de Kiev e consequente rendição da Ucrânia. A falta de flexibilidade tática foi desastrosa, expondo as tropas russas a perdas incompatíveis com a capacidade inicial do inimigo.
b) As perdas materiais russas foram exorbitantes, mesmo para uma campanha de grande porte e convencional como esta. A perda de cerca de 1/3 da frota de CCs da Federação Russa torna a possibilidade de novas grandes ofensivas cada vez menor.
c) A artilharia ucraniana foi a grande responsável pelas perdas materiais e humanas russas, em que pese o “glamour” das novas armas anticarro e as baixas substanciais causadas por estas armas. O deslocamento preferencial por estradas facilitou bastante este fato.
d) O apoio externo tem sido vital para o esforço de guerra ucraniano. O boicote ocidental à Rússia não parece ter surtido ainda efeito incapacitante sobre os esforços de guerra daquele país.
e) A medida que o conflito se estende, a operação e manutenção de material de diferentes fontes e modelos pode se tornar tão incapacitante quanto não tê-los, em especial no caso de equipamentos mais complexos.
f) O estágio atual de luta é o de guerra de atrito, com baixas pesadas para ambos os lados, embora a Ucrânia tenha executado com sucesso um reconhecimento em força tipo “Thunder Run”, que caracteriza guerra de movimento com alta capacidade ofensiva. A capacidade da unidade política, social e econômica de cada contedor vai balizar o futuro do conflito e definir quem sucumbirá antes.
Referências
[1] Montenegro, F. G. A., Depoimento à ADESG, Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ld_7tw_136g Acesso em 03/01/2023.
[2] Zabrodskyi, M., Watling, J., Oleksandr V Danylyuk, O. V., Reynolds, N., “Preliminary Lessons in Conventional Warfighting from Russia’s Invasion of Ukraine: February–July 2022”,
https://rusi.org/explore-our-research/publications/special-resources/preliminary-lessons-conventional-warfighting-russias-invasion-ukraine-february-july-2022
acessado em 12/01/2023.
[3] Zaloga, S. J., “T-72 Main Battle Tank (1974 – 93)”, Kindle Edition, Osprey Publishing, 2013.
[4] Kichen, L. F., “The Saga of OZ 77 in the Arab-Israeli War of 1973: A Small Armor Unit’s Fight in a Large-Scale Combat Operation”, Armor Magazine, Fall, 2019, Acessível em: https://www.benning.army.mil/armor/earmor/content/issues/2019/Fall/
[5] Zaloga, S. J., “T-90 Standard Tank: The First Tank of the New Russia”, Osprey Publishing, 2017.
[6] Geibel, A., “Some Russian Tankers’ Experiences in the Second Chechen War”, Armour Margazine, Fort Bening, GA., pp25-28, july-august (2001).
[7] Grupo Oryx, “Attack On Europe: Documenting Russian Equipment Losses During The 2022 Russian Invasion Of Ukraine”,
https://www.oryxspioenkop.com/2022/02/attack-on-europe-documenting-equipment.html
[8] Carvalho, E. A.; Carvalho, R. A., “Guerras Assimétricas e as Transformações Decorrentes nos Ramos Operativos dos Exércitos: Como os Conflitos Assimétricos forçam a Adição de novas Habilidades em Cada Ramo Específico das forças Blindadas”, 2ª. Edição, Olinda: Livro Rápido Editora, (2019).
[9] https://www.saab.com/products/nlaw
[10] TC 3-22.37 (FM 3-22.37), “Javelin – Close Combat Missile System, Medium”, Headquarters, Department of the Army, Washington, DC, 2013.
[11] Carvalho, E. A., Carvalho, R. A., “Operações Tipo “Thunder Run” e o Combate Blindado em Grandes Cidades”,
Defesanet: https://www.defesanet.com.br/destaque/noticia/1046118/as-operacoes-thunder-run-e-o-combate-blindado-em-grandes-cidades/
acessado em 15/01/2023.[12]
Armyrecognition: Link