Ana Raquel Macedo
Os trabalhos legislativos na Câmara dos Deputados foram retomados, com um debate no Plenário sobre a possibilidade de venda da Embraer e as eventuais consequências dessa ação para a economia, a segurança nacional e os trabalhadores envolvidos.
Recentemente, a Embraer e a Boeing anunciaram que pretendem operar em parceria, em sistema de joint venture, os negócios e serviços de aviação comercial da empresa brasileira. A companhia norte-americana vai pagar US$ 3,8 bilhões para ficar com 80% do controle da nova operação. O acordo entre as duas empresas também prevê outra joint venture no mercado de defesa.
Toda a negociação precisa de autorização federal porque, embora tenha privatizado a Embraer em 1994, o governo possui na empresa ações de caráter especial, chamadas de “golden share”, com direito a veto. A União deu aval para que a Embraer e a Boeing divulgassem as negociações, mas somente vai analisar o negócio após as eleições de outubro, já com um novo presidente da República eleito.
Falta de transparência
Autor do pedido para a realização da comissão geral sobre a venda da Embraer, o deputado Flavinho (PSC-SP) avalia que tem faltado transparência sobre os termos do possível acordo comercial entre a empresa brasileira e a norte-americana Boeing. Segundo Flavinho, há uma grande preocupação, especialmente dos cerca de 18 mil trabalhadores da Embraer, sobre o futuro da empresa e a manutenção de empregos no País.
“Todo mundo quer saber o que está acontecendo de fato, em que ponto está essa transação e se vão ter essa segurança de que trabalho e emprego serão mantidos.”
Parceria positiva
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Beto Mansur (MDB-SP) avalia que a parceria entre a Embraer e a Boeing poderá trazer resultados positivos, inclusive para que a empresa brasileira possa se manter competitiva no mercado internacional de aviação. Mansur não acredita que uma concretização futura da negociação leve a demissões na Embraer.
“Não acredito que uma empresa como a Boeing vai querer eventualmente demitir funcionários brasileiros que conhecem com profundidade da tecnologia de construção e produção de aeronaves.”
A comissão geral sobre a venda da Embraer será a principal atividade no Plenário da Câmara nesta semana. A retomada das votações na Casa está marcada para a próxima terça-feira (7).
Venda da Embraer recebe críticas em debate no Plenário da Câmara¹
O anúncio de um acordo entre a Embraer e a Boeing para criar uma nova empresa (joint venture) com operações em comum foi criticado nesta quarta-feira (1º) em comissão geral no Plenário da Câmara dos Deputados.
O deputado Flavinho (PSC-SP), que propôs o debate e reside em São José dos Campos – cidade sede da Embraer –, demonstrou preocupação com a manutenção dos empregos, o futuro da empresa e a soberania nacional. “Precisamos ter transparência na negociação e informações corretas para formar uma opinião. Hoje, com tudo o que ouvi, penso que não seria bom para os trabalhadores e nem para o Brasil”, disse.
Pelo acordo, a norte-americana Boeing vai pagar US$ 3,8 bilhões para ficar com 80% do controle da joint venture, que terá atuação exclusiva na área de aviação comercial. Pelos termos anunciados, a Embraer manteria o controle das áreas militar e de aviação executiva.
Flavinho também lamentou a ausência, no debate, de representantes do governo, do presidente da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva; e de deputados – apenas a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) participou da discussão. “É um desrespeito com os trabalhadores e com o País. Se for bom para o Brasil, venha aqui e diga”, criticou Flavinho.
Por meio de nota, Paulo Cesar informou que as negociações ainda estão em fase preliminar e, por essa razão, não está autorizado a debater publicamente termos específicos do acordo.
Empregos
Durante o debate, o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Herbert Claros, disse que não há garantias de que a nova empresa vai preservar empregos e direitos dos 13 mil trabalhadores da Embraer. Segundo ele, as demissões já estão ocorrendo. “Antes mesmo do negócio ser firmado, os sindicatos já registraram 300 demissões”, disse.
Para Claros, separar a área de aviação comercial das áreas de defesa e de aviação executiva, em vez de criar uma salvaguarda nacional, poderá decretar o fim da empresa. “Se deixar o setor de defesa nas mãos da Boeing é visto como um risco à segurança nacional, também é uma ameaça à soberania deixar a Embraer dividida e sem caixa para fazer investimentos nos sistemas de defesa do País”, alertou.
Claros disse ainda que o sindicato trabalha com um projeto de reestatização da Embraer, baseado na aviação regional – aeronaves para deslocamentos curtos. Ele defende um plebiscito para decidir o futuro da empresa.
Direto a veto
O acordo entre a Embraer e a Boeing, que envolve também a criação de outra joint venture no mercado de defesa, precisa de autorização federal, já que, com a privatização da empresa em 1994, o governo passou a ter, por questões estratégicas e de segurança nacional, ações de caráter especial, chamadas de “golden share”, com direito a veto. A análise do negócio só deve ocorrer após as eleições de outubro.
Em nota lida em Plenário, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, destacou que a Embraer é uma das líderes mundiais em tecnologia de aviação comercial e militar, com faturamento de R$ 6 bilhões por ano e um polo de inovação com 360 patentes.
“A Embraer se destaca por aspectos econômicos, sociais e estratégicos e nada do que diga respeito à empresa deve passar despercebido”, disse.
A possibilidade de uma parceria entre a Embraer e a Boeing é alvo de uma ação popular movida por quatro deputados do PT – Paulo Pimenta (RS), Carlos Zarattini (SP), Vicente Cândido (SP) e Nelson Pellegrino (BA). Eles pedem a suspensão do negócio.
Na Embraer, BNDES ainda não tem posição definida sobre negociação com a Boeing²
A BNDESPar, maior acionista individual brasileira da Embraer, ainda não definiu como irá se posicionar na discussão do acordo com a norte-americana Boeing. De acordo com a diretora de mercado de capitais, Eliane Lustosa, o banco está apoiando a presidência da República a definir os critérios necessários para o governo abrir mão do poder de veto que a Golden Share lhe dá. O conselho discute com a Boeing como conciliar todos os interesses: das duas empresas, dos acionistas e do governo brasileiro.
“Como acionistas, ainda não definimos. Estamos discutindo internamente como vamos nos posicionar. Achamos que o conselho está muito bem formado para tomar essa decisão”, diz.
As duas discussões, com o governo e no conselho estão correndo em paralelo. Foi criado um grupo de trabalho, formado por representantes do BNDES, Ministérios da Fazenda e da Defesa, para subsidiar o governo na decisão da Golden Share. “A Golden Share no contexto da Embraer funcionou, está funcionando. O governo está tendo condições de colocar o que considera importante. Pode ser um bom instrumento para o governo preservar determinados direitos”, explica. “Quanto melhor definidas (as premissas que vão embasar a decisão do governo), melhor para todo mundo”, diz.
Questionada sobre a política de desinvestimento do banco, Lustosa diz que hoje não existe participação estratégica. Qualquer ação pode ser vendida. Mesmo no caso dos maus investimentos, onde não se inclui a Embraer, ela trabalha com o conceito de custo afundado. “Quando achamos que não vamos recuperar (o que foi investido), vemos qual o preço que podemos conseguir hoje e vendemos dentro de uma perspectiva de que pode ficar pior. Então, é melhor aplicar em algo diferente”, diz.
Os investimentos são avaliados do ponto de vista do retorno, da governança e da sustentabilidade. “Emprego é considerado nessa vertente de que a sustentabilidade das empresas e a externalidade do que queremos atingir é relevante e, nesse contexto, você vai ter o resultado da empresa. É observado também, mas eu diria que é uma variável que vem dentro desses pilares de sustentabilidade”, completa.
¹por Murilo Souza e ²portal Terra